Acórdão nº 535/04-2 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelPEREIRA BATISTA
Data da Resolução14 de Julho de 2004
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA "A" instaurou acção ordinária vs.

"B", peticionando "sejam os RR. condenados a pagar à autora a quantia global de Esc. 4.171.066$00, respeitante ao capital mutuado pela autora ao "C", acrescida de juros legais, contados desde a citação até integral pagamento".

Alegou, para tanto, e em síntese, que: - os réus, a primeira enquanto viúva e os restantes enquanto filhos, são os únicos herdeiros - como tal habilitados em escritura de habilitação - de "C", falecido em 28.1.2000, e cuja herança - aceite pelos réus, que estão na sua posse - é responsável pelas dívidas do falecido, assim demandando os réus na qualidade de herdeiros; - mediante cheques, a autora emprestou ao falecido "C" 1.000.000$, em 16.5.1997, e 500.000$, em 19.5.1997, em contrapartida do que o mesmo "C" se obrigou a restituir tais quantias, tendo, para o efeito, e correspectivamente, preenchido, assinado e entregue à autora dois cheques do mesmo valor, ambos datados de 30.5.1997; - não foram, entretanto, restituídas as quantias em causa, e, em 12.6.2001, apresentou os ditos cheques a pagamento, vindo a ser devolvidos, o de 1.000.000$, com a indicação "conta encerrada" e o de 500.000$, com a indicação "falta/insuficiência de provisão"; - em 22.10.1999, mediante transferência para conta bancária à ordem, no Banco ..., de que era titular o sobredito ora falecido, a autora emprestou-lhe 2.671.066$, para lhe permitir o pagamento de montante por ele então devido àquele banco; - apesar de repetidas interpelações ao "C" e, depois, aos herdeiros, não conseguiu a autora que lhe fossem restituídas todas as referidas importâncias.

Contestando, os réus excepcionaram a sua ilegitimidade, na medida em que não aceitaram a herança, mais afirmando desconhecer os factos que sustentam a acção e que, a serem verdadeiros, importariam a nulidade dos empréstimos, por falta de forma; concluíram pela sua absolvição da instância ou, assim se não entendendo, pela improcedência da acção.

Replicando, a autora alegou que os réus haviam requerido, a seu favor, registo de transmissão de quota social, no valor de 5.000.000$, pertencente ao falecido (acompanhado de relação de bens e da dita escritura de habilitação) e de alteração parcial do pacto da respectiva sociedade - operada, mediante escritura pública e com sua intervenção como "únicos sócios", em 19.6.2001 - tudo em datas anteriores à apresentação da contestação, pelo que aceitaram a herança, são partes legítimas e actuam com má fé processual.

Em audiência preliminar, além do mais, o tribunal decidiu, no sentido da improcedência, a excepção de ilegitimidade passiva, e, a título de apreciação da "excepção da nulidade dos contratos de mútuo", exarou despacho em que declarou que "não se verifica a sua nulidade por falta de forma", relativamente aos mútuos de 1.000.000$ e de 500.000$, e "já quanto ao mútuo de (...) 2.671.066$00 o mesmo será nulo em virtude de não resultar dos autos, que o mutuário tenha assinado, qualquer documento escrito onde reconhecesse dever tal montante", "sendo certo, contudo, que os próprios empréstimos foram impugnados pelos réus, a apreciação do pedido formulado a fls. 8 dos autos, terá de ser relegado para momento posterior, ou seja, para Sentença uma vez que os autos não fornecem todos os elementos para conhecer de mérito"; foi, então, também, e sem reclamação, elaborada a indicação dos factos assentes e da base instrutória.

Inconformes com o assim decidido quanto à questão da legitimidade, os réus apresentaram-se a recorrer, em vista do que formularam conclusões do teor seguinte: I - Na presente acção, a A., invocando serem os RR., ora agravantes, sucessores de "C", falecido em 28/01/00, pede que os mesmos RR. sejam condenados a pagar-lhe várias quantias em dinheiro que, segundo alega, emprestou ao falecido e este não liquidou; II - Defendendo-se por excepção, os RR. invocam a sua ilegitimidade passiva, baseando-se no facto de ainda não terem aceite, nem expressa nem tacitamente, a herança deixada por "C"; III - No despacho recorrido, a M.ma juíza entendeu, porém, ter existido a referida aceitação, considerando a escritura de habilitação existente nos autos, nos termos da qual os RR. são identificados como herdeiros do falecido; IV - O certo, porém, é que a referida escritura apenas identifica os RR. como herdeiros do falecido, dela estando ausente qualquer manifestação de vontade dos mesmos RR., expressa ou tácita, de aceitação da herança deixada pelo falecido "C"; V - Assim sendo, verifica-se efectivamente a ilegitimidade passiva dos RR., o que justifica a sua absolvição da instância, uma vez que a A. chama ajuízo pessoas que não são sujeitos da relação controvertida, tal como é por ela própria configurada; VI - Decidindo em contrário, a decisão recorrida fez deficiente interpretação do disposto no art. 2056° do CC, violando ainda os art.26°/3 e 493°/2 do CPC.; VII - Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva os RR. da instância.

Contra-alegando, a autora propugnou a manutenção da decisão recorrida.

Prosseguindo os autos, após audiência final, foi proferida sentença, decidindo: " (...) julgo a acção procedente, por provada e, em consequência, determino que os réus devolvam à autora as quantias de € 4.987,98 (quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), € 2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos) e € 16.959,13 (dezasseis mil novecentos e cinquenta e nove euros e treze cêntimos), acrescida de juros legais, à taxa de 7% ao ano, se outra entretanto não vier a ser estabelecida, desde a citação (19-07-2000) até integral pagamento.

".

De novo inconformes, os réus apresentaram recurso, propugnando - sem prejuízo da sua manutenção de interesse no agravo - que deverá a "sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva os Réus do pedido", mediante a produção de conclusões nos termos seguintes: I) Houve erro na apreciação da matéria de facto II) Deve ser dada por provada a factualidade supra referida em 12° que aqui se dá aqui por reproduzida; III) Foi violado, na sentença recorrida, o artigo 659º, nº 3, do Cód. Proc. Civil (falta de fundamentação e exame crítico da prova); IV) Foram indevidamente aplicados, por desnecessidade, os artigos 220°, 207°, 219°, 286°, 289°, e 840° do Cód. Civil; V) A construção/ficção (sic) jurídica, segundo a qual, se justifica na sentença recorrida a devolução pelos réus à autora das quantias alegadamente entregues por esta a "C", é desprovida de qualquer sentido na medida em que a pretensa entrega de dinheiro efectuada pela autora a "C" se baseia em títulos cartulares e não num contrato de mútuo, pelo que será irrelevante discutir-se a sua forma, mas antes a substância da validade da obrigação mediata que está subjacente às obrigações cartulares; VI) E estas nem sequer foram discutidas na medida em que não se comprovou o apossamento de nenhuma das quantias à excepção do cheque de Esc: 1.000.000$00 por "C" e deviam-no ter sido; VII) Era essencial a análise da livrança reclamada pela autora; VIII) Podiam e deviam ter sido aplicados os artigos 52° da L.U.C., 813º e 815º do Cód. Civil, 30º a 32º, 77°, 49° e 50° da L. U. L. L., pelo que IX) Deve ser entendido que "C" colocou à disposição da Autora meios para se fazer pagar pelos valores que peticiona, mas esta não fez uso deles, pelo que X) Que (sic) esta entrou em mora creditoris por não ter utilizado tais meios postos à sua disposição; XI) Deve ter-se por revogada a convenção de uso de cheque entre "C" e o Banco e, bem assim, todos os cheques emitidos mais de seis meses antes da data de encerramento da conta; XII) Não se provou que "C" tenha integrado o valor de 500.000$00, relativamente a um dos cheques mencionados pela autora, no seu património; XIII) A autora é co-obrigada cartular e é nesse âmbito que deve exercer o seu direito, estando obrigada a provar a obrigação cartular por si subscrita, já que a invoca; XIV) E contudo não o fez; XV) Os réus, ora recorrentes, igualmente a fls.

(sic), interpuseram recurso de agravo do despacho de fls.

(sic), que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade passiva invocada pelos RR. na contestação, declarando nos termos e para os efeitos do art. 748°, n°1 do C.P.C. que mantém interesse para os agravantes tal recurso.

Em contra-alegação, a autora concluiu por que se "deve manter a decisão recorrida nos seus precisos termos".

Corridos estão os legais vistos.

É a seguinte a matéria de facto como tal considerada provada na sentença: 1.1. dos factos assentes: No dia 28 de Janeiro de 2000, faleceu "C" conforme certidão da escritura de habilitação de herdeiros que consta do livro de escritura lavrado a fls., 67 do Livro de Notas para escrituras diversas do ... Cartório Notarial de ... n.º ..., no essencial com seguinte teor: "Habilitação No dia onze de Fevereiro de dois mil, (...) compareceu: "B1", viúva, (...).

E declarou: Que é cabeça de casal na herança aberta por óbito de seu marido, "C", (...), com quem foi casada em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo deixado como únicos herdeiros, sua mulher, a) a ora...

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