Acórdão nº 1242/03-1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução30 de Março de 2004
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 1242/03-1 Acordam, precedendo audiência, na Relação de Évora: I 1.

Nos autos de processo comum n.º ...do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de ..., a arguida, A. ..., melhor identificada a fls.60, foi submetida a julgamento, perante Tribunal Singular, sob queixa de B. ... e acusação do MINISTÉRIO PÚBLICO, que lhe imputou a prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de falsificação de documento (p. e p. pelo art.255, alin. a) e 256 n.º1, alin. a) e 3 do C. Penal), um crime de burla, na forma tentada (p. e p. pelos art. 22, 23 n.º1 e 2, 72 n.º1, 73 e 217 n.º1 do CP), um crime de furto( p. e p. pelo art. 203 n.º1 do CP) e um crime de burla informática (p. e p. pelo art. 221 n.º1 do CP), vindo, por Sentença de 21 de Fevereiro de 2003 (fls. 172-190), a ser absolvida dos crimes de furto e de burla informática e condenada pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto no art. 256 n.º1, alin. a) do C. Penal, por referência ao art. 255, alin. a) do mesmo diploma, na pena de 350 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, e pela prática de um crime de burla, na forma tentada, p. e p. pelos art. 22, 23 n.º1 e 2, 72 n.º1, 73 e 217 n.º1 do C. Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária, de € 7,00; em cúmulo jurídico das penas referidas foi a arguida condenada na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de € 7,00, o que perfaz a quantia de € 1800,00 , correspondendo-lha subsidiariamente 266 dias de prisão. Foi ainda condenada a pagar à assistente C. ... a quantia de € 600, a título de danos não patrimoniais.

  1. Inconformada, a arguida interpôs recurso de tal Sentença, pedindo a sua absolvição dos crimes de falsificação e burla na forma tentada e da condenação cível, ou, quando assim se não entenda, seja absolvida do crime de burla, na forma tentada, por ser legalmente impossível a tentativa, extraindo da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1) A recorrente foi condenada, nos presentes autos pela prática de um crime de falsificação (p. e p. pelos art. 256, n.º 1 alin. a), com referência ao art. 255, alin. a), todos do C. P.), na pena de 350 dias de multa à taxa diária de 7€ (sete euros) e de um crime burla na forma tentada (p. e p. pelos art. 22, 23, n.º1 e 2, 72, n.º1, 73 e 217, n.º 1, todos do C.P.), na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 7 € (sete euros) 2) A decisão de condenar, a própria Sentença recorrida o diz, foi suportada meramente no depoimento da testemunha ... funcionário da C.G.D.

    3) A testemunha refere (como consta do texto da decisão recorrida) que a pessoa que esteve perante si no dia 24 de Agosto de 2001 é a arguida e recorrente: de forma (diz a Sentença recorrida) "peremptória".

    4) A testemunha fê-lo apesar de o julgamento se realizar cerca de um ano e meio depois dos factos.

    5) A testemunha não tinha (não se demonstrou ou fez qualquer referência nesse sentido) qualquer razão especial para se recordar daquela data ou da pessoa da arguida ou outra qualquer.

    6) Os factos sobre que esta testemunha foi ouvida são quotidianos da sua profissão.

    7) Não foi suficientemente testada a razão de ciência (recordar-se de um dia e hora determinados situação no passado há cerca de um ano e meio) nem a segurança do depoimento desta testemunha.

    8) Não foram realizadas diligências no sentido de recolher provas (por qualquer modo legalmente admissível) para suportar a condenação.

    9) Nomeadamente, não se: a) procedeu à recolha das cassetes de vídeo vigilância existentes na agência bancária em questão (solicitado várias vezes pela Policia Judiciária) b) Recolheu indícios lofoscópicos existentes no cheque em questão que foi destruído c) Procedeu a exames de comparação de letra e assinatura entre as que constam do cheque e as da arguida e recorrente.

    10) As provas necessárias e suficientes para suportar a acusação e condenação têm de ser oferecidas por quem acusa, pois a inocência do arguido presume-se.

    11) A testemunha ... foi sobre valorada (sendo a única) que suporta a decisão de condenar.

    12) A valoração deste depoimento, do modo como foi feito na fundamentação da decisão condenatória, viola as regras da experiência comum (cf. art. 127 C.P.P.).

    13) Não existe nos autos, por não ter sido produzida em qualquer momento, outros elementos que suportem a matéria provada no sentido de ter sido a arguida quem se apresentou na Caixa Geral de Depósitos, na data e hora dos factos, tentando obter proveito patrimonial à custa da assistente.

    14) O único elemento probatório que suporta tal conclusão de facto (e mesmo como está fundamentada a decisão) é o depoimento (e a memória) da testemunha ...

    15) Deve ser dada por não provada a matéria de facto constante dos pontos 5, 6 e 7 da matéria provada na douta decisão recorrida, por não haver nos autos (a própria decisão o diz, prova suficiente para, além da dúvida razoável, declarar que os factos foram praticados pela arguida e ora recorrente); 16) A falta de meios de prova produzida impunham decisão diversa da recorrida.

    17) Ainda que se aceite a matéria dada por provada, esta encontra-se insuficientemente e deficientemente fundamentada, ao sobre valorar o depoimento da testemunha ... sem fazer qualquer alusão à razão da sua ciência dos factos - limitando-se a decisão a dizer que a testemunha não é familiar nem tem inimizade em relação à arguida.

    18) O argumento da memória (peremptória) da testemunha, prova demais.

    19) Admitindo os factos provados, ainda assim, a tentativa de crime de burla por que a arguida e recorrente foi condenada não seria legalmente punível.

    20) O nome que a arguida apôs no cheque (cf. consta dos factos provados) não tem qualquer correspondência com o da assistente.

    21) Não há qualquer coincidência entre os apelidos.

    22) Sempre haveria inaptidão do meio utilizado para cometimento do crime de burla.

    23) O cheque preenchido com o nome que dele consta (nos autos) não é legalmente apto a ser pago pela pessoa da assistente.

    24) A Assistente e a pessoa cujo nome foi aposto no cheque objecto destes autos não são a mesma pessoa, tal resulta dos elementos constantes do processo (da própria decisão recorrida) e nada resulta em sentido inverso.

    25) A não coincidência de nomes é manifesta e visível para o homem médio colocado na situação da pessoa alegadamente induzida em erro.

    26) Para prática do crime de burla, ainda que na forma tentada, o meio usado (como consta da matéria provada) é manifestamente inapto e insusceptível de levar ao efeito típico da deslocação patrimonial.

    27) Falta, no caso sub judice, para cometimento do crime de burla (ainda que na forma tentada) o objecto do crime (quanto à pessoa da assistente).

    28) Apenas se pode considerar que, havendo tentativa, esta era dirigida a outra pessoa que não a assistente - e esta (como impõe o C.P. tinha de ter sido apresentada em prazo pelo potencial lesado).

    29) A tentativa de cometimento do crime de burla por que a arguida foi condenada configura uma tentativa impossível, e não punível (nos termos do art. 23, n.° 3 do C.P.).

    30) Ao punir a arguida por tentativa crime de burla, e com a fundamentação exposta, a decisão recorrida violou, ou não enquadrou devidamente os factos, nos termos do disposto no art. 23, n.º 3 do C.P.

    31) Entender que o nome aposto no cheque causa confusão com o da assistente levaria à conclusão de que teriam ficado igualmente lesadas todas as pessoas com nomes semelhantes - o que resulta contra o mais elementar bom senso.

    32) Os factos em que se suporta o pedido de indemnização civil têm por fundamento a mesma situação e factualidade ilícita imputada à arguida pelo que, naufragando a condenação, como se propõe, deverá ter igual fim a matéria civil.

  2. O recurso foi admitido por despacho de 28 de Março de 2003 (fls. 230).

  3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu à motivação, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões: i) 0 artigo 127 do Código de Processo Penal dispõe como princípio geral que a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente.

    ii) Os factos dados como provados numa sentença só podem ser colocados em causa de duas formas: através de um recurso em que se alegue e demonstre a existência de um erro notório na apreciação da prova ou através de um recurso em que se impugne a decisão sobre a matéria de facto.

    iii) Tais mecanismos não foram utilizados pelo recorrente e a matéria de facto não foi validamente impugnada pelo que não poderá ser posta em crise.

    iv) A tentativa é punível pois o meio utilizado para a prática do crime de burla não foi manifestamente inapto a esse fim.

    1. O cheque emitido pela arguida foi um cheque avulso sacado sobre a conta da ofendida, pressupondo tal emissão que previamente o funcionário bancário já estivesse em erro sobre a identidade da arguida e lhe tivesse entregue um cheque de uma conta que não era a sua.

      vi) 0 escrupuloso cumprimento das normas bancárias e o cumprimento das mais exigentes regras de segurança não pode fundamentar a inaptidão do meio empregue, pois caso assim fosse nunca a arguida poderia ter emitido um cheque avulso de uma conta que não fosse a sua, o que aconteceu.

      vii) Só em situações em que o resultado típico nunca se pode verificar é que o legislador optou por não punir a tentativa e não em situações como a dos presentes autos.

      viii) Existem variadas situações em que as assinaturas do sacador do cheque são irregulares e as quantias apostas nos cheques são pagas pelos bancos.

      ix) Por outro lado, num cheque avulso existe maior cautela na certificação da identidade do titular da conta do que na verificação da assinatura, uma vez que aquela é prévia a esta.

    2. No que diz respeito à inexistência do objecto essencial do crime, parece não haver qualquer dúvida que o cheque avulso emitido se reporta a uma conta concreta e determinada de...

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