Acórdão nº 1915/03-1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelFERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução16 de Março de 2004
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 1915-03-1 Acordam, precedendo audiência, na Relação de Évora: I 1. Nos autos em referência, o arguido A. ..., melhor identificado a fls.201, interpôs recurso da sentença ali proferida, que o condenou como autor de um crime p. e p. pelo art. 37.º do DL 300/99, de 5 de Agosto, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 10,00, num total de € 2000,00, ou, subsidiariamente, 132 dias de prisão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: I. Existe contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e, bem assim, erro notório na apreciação da prova na douta sentença recorrida; II. A douta sentença recorrida padece de falta de fundamentação e análise crítica da prova; III. Foi violado o princípio in dubio pro reo; IV. Não foram considerados documentos essenciais para o apuramento da culpa do arguido, sem que os mesmos tenham sido infirmados pela douta sentença; V. A douta acusação recai sobre factos pelos quais o arguido já havia sido condenado, em violação do princípio ne bis in idem; VI. O arguido foi condenado ao abrigo de uma lei já revogada (DL 300/99), havendo outra em vigor que, sendo aquele condenado, prescrevia um tratamento mais favorável, no artigo 93° da Lei 15/2001; VII. O arguido era à data da prática dos factos possuidor de DTS (documento de transporte simplificado) válido, estando em tempo para efectuar a sua D/C (declaração de introdução no consumo); VIII. Foi violado o princípio da proporcionalidade previsto nos art. 40° do Código. Penal e 19° da Lei 15/2001.

Termina pedindo que a sentença recorrida seja substituída por outra que o absolva e, quando assim se não entenda, deve-lhe ser aplicada uma pena de multa muito próxima do seu limite mínimo, determinando-se a perda de um valor de reduzida expressão pecuniária que cubra todas as custas e despesas com o processo e a liquidação do imposto eventualmente em falta e, bem assim, sempre se promova a devolução do veículo apreendido ao arguido em qualquer dos casos.

  1. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, dizendo, em síntese: a) o recurso ficou limitado à matéria de direito, uma vez que a falta de requerimento a pedir a documentação dos actos de audiência de julgamento vale como renúncia ao recurso em matéria de facto; b) Rejeita-se, em absoluto, que a decisão sob censura enferme de algum dos vícios enunciados no n.º 2 do art. 410.º do CPP; c) Não se verifica a violação do princípio ne bis in idem uma vez que, como é referido pelo recorrente, a situação regularizada perante a administração fiscal, e respectiva coima aplicada, respeitou unicamente aos restantes bens, que não os de teor alcoólico; d) De acordo com o art. 3.º n.º1 preambular do Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, o referido DL 300/99, de 5 de Agosto foi revogado. No entanto, o art. 2.º preambular do DL 566/99, de 22 de Dezembro, estabelece que "até à entrada em vigor do Novo Regime das Infracções Tributárias, mantêm-se em vigor as normas vigentes sobre a matéria"; e) O novo regime das infracções tributárias veio a ser aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e, nos termos do art. 96.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, o crime aduaneiro imputado ao arguido tem como requisito que o valor da prestação tributária em falta seja superior a € 7.500,00 ou, se não houver lugar à prestação tributária, os produtos objecto da infracção sejam de valor líquido de imposto superior a € 25.000; f) Este regime é mais favorável ao arguido, já que os factos que lhe são imputados constituem contra-ordenação aduaneira, punível nos termos do art.109 do mesmo diploma; g) A sentença proferida deve ser substituída por outra que absolva o arguido da prática do crime que lhe é imputado, extraindo-se, oportunamente, certidão dos autos para envio à autoridade administrativa competente para proceder pela contra-ordenação verificada.

  2. Nesta instância o Ministério Público acompanhou a argumentação expendida pelo Magistrado do Ministério Público da 1.ª instância.

  3. Cumprido o disposto no art. 417.º n.º2 do CPP não foi apresentada qualquer resposta.

  4. Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência de julgamento na qual foram produzidas alegações orais.

    II 6. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos: a. No dia 13.09.2000, pelas 10 horas, na Estrada da ..., o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..., o qual no seu exterior fazia publicidade ao bar "...".

    b. Ao ser abordado pela Brigada Fiscal da GNR, foi-lhe feita fiscalização ao conteúdo do veículo automóvel, no qual transportava 200 garrafas de água, vinhos, refrigerantes, chocolates e duas caixas de whisky, sendo 12 garrafas da marca "William Grant`s" e 12 garrafas da marca "Ballantines", tudo devidamente acondicionado em embalagens.

    c. Ao arguido transportava as duas caixas de whisky, adquiridas em Espanha, sem possuir qualquer documento de transporte, de introdução das mesmas no país, onde deveria constar o cálculo do imposto liquidado.

    d. As restantes bebidas que o arguido transportava, não lhe tendo sido apreendidas, foram-lhe entregues, as quais vieram a ser descarregadas por este no estabelecimento comercial, denominado "...…", sito … em Albufeira, da qual é proprietário.

    e. Sabia o arguido que as referidas bebidas alcoólicas que transportava, adquiridas noutro Estado membro, estavam sujeitas ao pagamento do respectivo imposto e ao acompanhamento do documento que comprovasse tal pagamento.

    f. O arguido não se fazia acompanhar do mesmo.

    g. Agiu o arguido com intenção de não efectuar o pagamento do imposto que incide sobre as referidas bebidas, o que logrou, provocando desta forma, um prejuízo ao Estado.

    h. Agiu o arguido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser proibida a sua conduta.

    Mais se provou: i. O arguido é proprietário de duas garrafeiras, ambas sitas no Algarve, sendo uma delas a "....", as quais explora, daí retirando proventos não concretamente apurados, mas superiores a € 1000 (mil euros).

    j. O arguido é casado.

    k. Habita em casa própria.

    l. O arguido tem averbado no seu certificado de registo criminal a prática de um crime de homicídio por negligência, um crime de ofensa à integridade física e de um crime de condução sob o efeito do álcool, e foi condenado por decisão datada de 17.03.1993.

  5. Consta da sentença que não há factos não provados.

  6. O Tribunal recorrido fundamenta a convicção alcançada quanto à matéria de facto nos seguintes termos: "O Tribunal baseou a sua convicção, quanto à matéria de facto dada como provada nos elementos documentais e testemunhais, analisando-os criticamente.

    Da prova testemunhal produzida resultou que o arguido transportava num veículo comercial, com a inscrição exterior "...", duas caixas de garrafas de whisky (veja-se o depoimento dos Srs. agentes da Brigada Fiscal, ...).

    Estas testemunhas referiram que interceptaram o arguido, o qual transportava as referidas garrafas envolvidas em material, a que uma das testemunhas se referiu como sendo "lixo", e que não se fazia acompanhar de nenhuma guia de transporte, ou comprovativo de pagamento do imposto.

    O próprio arguido não negou ter efectuado o transporte das garrafas, no referido veículo, não negou possuir a garrafeira "...", e não negou que o "... Bar" é propriedade de seu filho, a quem disse prestar ajuda. Igualmente, não negou que as referidas bebidas alcoólicas haviam sido adquiridas em Espanha. Apenas referiu que as bebidas se destinavam ao seu consumo pessoal.

    Juntou, em sede de audiência de julgamento, um documento (fls. 159), de forma a comprovar que havia adquirido as bebidas em Espanha, no dia 12.09.2000. Estranhamente, em nenhuma outra fase do processo o arguido se dignou juntar tal documento. Não se compreende que, se efectivamente, sempre o teve na sua posse porque nunca o apresentou, quer à Brigada Fiscal, quer no âmbito deste Processo.

    Por outro lado, tal documento, por si só, nada prova, até na medida em que o próprio arguido não obstante ter dito ao Tribunal que adquiriu tais bens em Espanha, que o estabelecimento onde os adquiriu se encontra aberto ao público até às 19 horas, referiu que se deslocou a Espanha após ter adquirido os bens referidos no documento que juntou (fls. 160). Ora, sendo certo que no documento de fls. 160 consta que a transacção terá sido efectuada pelas 17 horas e 26 minutos, sendo certo que em Espanha a diferença horária é de uma hora (ou seja, seriam, pelas nossas 17 horas e 26 minutos, 18 horas e 26 minutos), sendo certo que o estabelecimento em Espanha encerra ao público pelas 19 horas, não se compreende como terá o arguido conseguido chegar de Albufeira a Huelva antes do encerramento do referido estabelecimento.

    Por outro lado, referiram, ainda, as duas testemunhas .... que, após a apreensão, foram entregues ao arguido alguns bens, cujo transporte constituía apenas contra-ordenação. Desta feita, e uma vez que o arguido havia referido que os bens se destinavam ao seu consumo pessoal e familiar, seguiram o arguido, a fim de averiguar onde iriam ser descarregadas as mercadorias, tendo constatado que este o fez na garrafeira "..l", da qual é proprietário.

    O arguido procedeu à junção, em sede de audiência de discussão e julgamento, de documentos (constantes de fls. 177 e ss.), dos quais consta que foi levantado auto de notícia e apreensão, respeitante aos restantes bens transportados nesse dia pelo arguido. Desses documentos resulta que, não só o arguido reconheceu, porque sabia, que não poderia efectuar o transporte daqueles bens sem se fazer acompanhar das guias de transporte, como admitiu tê-lo feito, até porque, veja-se, procedeu ao pagamento da coima (fls. 186 a 188).

    O Tribunal atendeu, ainda, ao CRC do arguido de fls. 175 e ss, e às declarações do arguido, no...

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