Acórdão nº 1503/03-1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução09 de Março de 2004
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 1503-03-1 Acordam, precedendo audiência, na Relação de Évora: I 1.

Nos autos de processo comum singular n.º ... do .. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca ..., o arguido, A. ..., melhor identificado nos autos, acusado pelo Ministério Público da prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de maus-tratos, previsto e punível nos termos do disposto no art. 152.º n.º 1 e 2, do Código Penal, foi submetido a julgamento, perante Tribunal singular, vindo este a decidir, por sentença de 13-3-2003 (fls. 98 a 107), no que ao presente recurso importa, condenar o arguido (a) como autor material de um crime de maus-tratos, p. e p. nos termos do disposto no art.152.º n.º 1 e 2, do CP, na pena de 3 anos de prisão; (b) condenar o arguido a pagar a B. ..., a quantia de € 3.250,00 (três mil duzentos e cinquenta euros), que vencerá juros à taxa de 7% ao ano a contar da data do trânsito em julgado da sentença até integral pagamento; (c) suspender a execução da pena de prisão pelo período de 4 anos, sob condição do arguido, no prazo de 6 meses, pagar metade da indemnização e no prazo de um ano pagar a restante parte.

  1. O arguido interpôs recurso daquela sentença.

    Pede que a mesma seja revogada e a sua, consequente, absolvição.

    Extrai da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1) O Arguido foi condenado pela prática de um crime de maus-tratos a cônjuge, p. e p. pelo art.152.°, n.º 1 e 2 do C.P., na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 4 (quatro) anos, sujeito à condição de o arguido, no prazo de seis meses, pagar à Ofendida metade da indemnização, no valor de € 3.250,00 (três mil e duzentos e cinquenta euros) e no prazo de um ano pagar a restante parte.

    2) O Arguido considera que os factos referidos pela Ofendida não permitem ao Tribunal formar a sua convicção, com certeza jurídica bastante, para o condenar pela prática do crime de que vem acusado.

    3) O Tribunal para a determinação dos factos dados como provados, baseou-se essencialmente no testemunho da Ofendida.

    4) Com o devido respeito, a valoração da prova foi feita de forma ininteligível tendo sido julgados incorrectamente pontos de facto e impondo as provas decisão inversa da recorrida.

    5) O depoimento do A. ... é perfeitamente coerente e resume-se ao facto de existirem algumas zangas no casal, que o mesmo acha que são normais, e não mais que isso.

    6) Esse testemunho é claro, consistente e esclarecedor, o qual foi confirmado pela testemunha ... e ..., pessoas que contactavam e conheciam bem o casal, A... e B. ...

    7) O testemunho de B. ... não é credível pelas incoerências, designadamente que o Arguido a ameaçava com facas grandes e a amarrava a cordas para que esta não saísse de casa.

    8) Não é assim possível, face ao exposto, concluir que o A. ... maltratou a sua (então) mulher 9) A decisão que se impõe face à prova supra descrita e constante dos autos é, inequivocamente, a absolvição do Arguido, por não se terem efectivamente provado os factos constantes da acusação.

    10) Logo, a indemnização arbitrada ao Arguido, nos termos do art. 82.°-A, do C.P.P., não faz qualquer sentido uma vez que o mesmo deveria ter sido absolvido.

    11) O Tribunal não andou bem quanto aos factos dados como provados relativamente à situação económica do Arguido.

    12) Pelo exposto, o mais longe onde se é possível chegar no plano da convicção é à dúvida razoável, no âmbito da qual a única solução justa é a aplicação do princípio "in dubio pro reo " e a consequente absolvição do Arguido 3.

    O recurso foi admitido por Despacho de 22-4-2003 (fls. 132).

  2. O Ministério Público no tribunal "a quo" não respondeu.

  3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido de confirmação do julgado, salvo no que respeita ao "quantum" da pena, que deverá ser reduzida a dois anos de prisão.

  4. Cumprido o disposto no art. 417.º n.º2 do CPP, o recorrente não respondeu.

  5. Corridos os vistos legais, teve lugar a audiência, na qual foram proferidas alegações orais.

  6. Os poderes cognitivos deste Tribunal alcançam, não apenas a matéria de direito mas também a decisão sobre a matéria de facto (art. 364.º e 428.º, do Código de Processo Penal) - foram documentados os actos de audiência, em 1.º instância, mostrando-se transcritas, as declarações objecto de gravação áudio, no julgamento em 1.ª instância.

    O arguido recorrente aporta, na minuta recursória, as seguintes questões: (a) do erro de julgamento da matéria de facto; (b) aplicação do princípio in dúbio pro reo.

    Assim demarcado o objecto do recurso (art. 412.º n.º 1, do CPP), são estas as questões que merecem especial exame, sem prejuízo dos vícios de conhecimento oficioso.

    II 9.

    Julgamento da matéria de facto, em 1.ª instância.

    9.1. Factos julgados provados.

    O arguido casou com B. ... no dia 16 de Dezembro de 2000 e ambos viveram juntos, pelo menos, desde aquela data e até Fevereiro de 2002, data em que aquela se viu forçada a abandonar o lar conjugal.

    Pelo menos desde Agosto de 2001, o arguido começou a molestar física e verbalmente a referida B. ..., então sua esposa.

    Pelo menos desde a data referida em 2., em diversas ocasiões, o arguido a molestou fisicamente, sendo que, após as agressões, não lhe permitia que saísse de casa para recorrer a tratamento médico.

    Pelo menos no período compreendido entre Agosto de 2001 e Dezembro do mesmo ano, em diversas ocasiões, o arguido disse à sua (então) esposa B. ... que a matava, que a cortava aos bocadinhos e que a amarrava com uma corda para não sair de casa, querendo, com tais frases, causar-lhe medo de vir a ser molestada fisicamente, o que conseguiu.

    Concretamente, no dia 17 de Dezembro de 2001, no interior da (então) residência de ambos, sita em ..., o arguido disse à sua (então) esposa B. ... que era uma puta, uma vaca e que era pior que as putas da rua, tendo ainda apertado e torcido o braço esquerdo da mesma.

    No dia 19 de Dezembro de 2001, ao final da tarde, em hora concretamente não apurada, no parque de estacionamento do Hipermercado Continente, na ..., o arguido dirigiu-se a B. ... e deu-lhe uma bofetada, apertando-lhe, de seguida, o pescoço.

    Em todas estas ocasiões e noutras que B. ... teve de suportar, o arguido quis molestá-la fisicamente, conforme molestou, e ofendê-la no seu íntimo com os nomes que lhe chamou, o que igualmente conseguiu.

    Atento o facto de estarem casados, o arguido sabia que estava vinculado para com a sua (então) mulher, ora ofendida, aos deveres de respeito e cooperação.

    Ao invés, o arguido usou sempre a sua superioridade física mas quase sempre contida no interior da sua casa, para assim assumir uma posição de controlo no seio da família, bem sabendo que a sua actuação para com a sua mulher era cruel, o que quis.

    Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas.

    O arguido e B. ..., no...

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