Acórdão nº 1405/03-1 de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Dezembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução02 de Dezembro de 2003
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 1405-03-1 Acordam, precedendo audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Decisão recorrida.

Nos autos de processo comum (colectivo) n.º ... do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de ... o arguido, A. ..., com os sinais dos autos, foi submetido a julgamento, perante tribunal colectivo, acusado da prática de um crime de furto qualificado, previsto e punível (p.p.) nos termos do disposto nos art.203.º n.º1 e 204.º n.º2, alin. e) do Código Penal, vindo a ser absolvido da prática desse crime, por acórdão de 11 de Dezembro de 2002.

  1. Recurso.

    Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso do referido acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça. Extrai da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - A nossa discordância centra-se no facto do tribunal a quo não ter valorado o depoimento da testemunha ..., agente da P.S.P., invocando para o efeito o preceituado no art. 356.° n.º 7 do Código de Processo Penal, alegando na defesa de tal posição o facto da confissão do arguido perante tal testemunha, efectuada em conversa informal entre ambos, ter sido posteriormente exarada em auto de declarações (interrogatório) prestadas pelo arguido perante aquele agente e de não ser permitida a leitura de tais declarações na audiência de julgamento.

    1. - Acontece que, salvo o devido e muito respeito, a interpretação do referido art.356.°, n.º 7 do Código de Processo Penal levada a efeito pelos M.mos Juízes a quo não se louva em qualquer bom princípio de hermenêutica jurídica.

    2. - O facto de tal norma estar directamente relacionada com o disposto no art. ° 356.º, n.º 3, alin. b) e n.º 6 do Código de Processo Penal, no sentido de que as declarações do arguido anteriormente prestadas apenas podem ser lidas ou referidas quando existirem contradições ou discrepâncias com as que ele prestar em audiência, não impede que possa haver inquirição de órgãos de polícia criminal e, mais que isso, não implica que eles fiquem impedidos de depor sobre factos de que possuam conhecimento directo obtido por meios diferentes das declarações que receberam do arguido no decurso do processo, ainda que também possam ter ouvido declarações do arguido cuja leitura não seja permitida em julgamento.

    3. - É esse, aliás, o entendimento maioritário da jurisprudência sobre a matéria em apreço ( vide, entre outros, Ac.S.T.J. de 13-05-1992 e 20-05-1992, CJ, III, pág., respectivamente, 19 e 32; Ac. S.T.J. de 24-02-1993, CJSTJ, I, pág. 202; Ac. S.T.J. de 29-03-1995, BMJ 445, pág. 279; Ac. S.T.J. de 30-10-1996, BMJ 460, pág. 425; Ac. S.T.J. de 11-12-1996, BMJ 462, pág. 299; Ac. S.T.J. de 22-01-1997, Proc. 1022/96; Ac. S.T.J. de 05-02-1998, CJSTJ, I, pág. 192; Ac. S.T.J. de 30-09-1998, BMJ 479, pág. 414; Ac. S.T.J. de 15-11-2000, CJSTJ, III, pág. 216).

    4. - Desta forma, não estava o agente da P. S. P. ... impedido de ser ouvido sobre factos de que tivesse conhecimento directo obtido por meio diferente das declarações por ele recolhidas em auto no decurso do processo, como flúi da supra transcrita norma ao estipular que tais entidades não podem ser inquiridas como testemunhas apenas relativamente ao conteúdo das declarações cuja leitura não for permitida, sendo certo que por tal testemunha foi referido expressamente, como consta na motivação sobre a matéria de facto do douto acórdão recorrido, que o arguido lhe confessou ter-se apropriado da moto-serra, ou seja, o seu depoimento foi no sentido de confirmar o aditamento ao auto de notícia constante de fls. 11 dos autos.

    5. - E o certo é que dos autos não resulta que o respectivo depoimento tivesse recaído sobre factos por ele conhecidos através de declarações do arguido ou que o arguido, na audiência de julgamento, tivesse posto em causa a legalidade daquele depoimento.

    6. - Apenas na sequência de tal conversa informal, e precisamente por esse motivo, é que tal agente policial posteriormente procedeu formalmente em auto ao interrogatório do arguido acerca dos factos que lhe eram imputados.

    7. - Todavia, em audiência de discussão e julgamento tal testemunha limitou-se, como consta na motivação sobre a matéria de facto do douto acórdão recorrido, a relatar os factos de que tinha conhecimento directo através de tal conversa informal com o arguido, que teve lugar em momento anterior ao interrogatório do mesmo nessa qualidade, e não sobre quaisquer declarações do arguido reduzidas a escrito, pelo que nada impedia que o tribunal a quo tivesse tomado em consideração e valorado o depoimento da testemunha em causa, por nenhuma violação legal ocorrer.

    8. - Ao decidir como decidiu, violou o tribunal a quo o disposto no art. 356°, nº 7 Código de Processo Penal.

      10.°- Acresce que se o tribunal valorar, ou deixar de valorar, a prova contra todos os ensinamentos da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou apesar de proibições legais, ou invocando critérios legais que no caso sejam inaplicáveis, incorre, inquestionavelmente, em erro na apreciação da prova.

    9. - Ora, se esse erro for notório e resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, como é o caso da decisão ora recorrida, consubstanciará vício da matéria de facto que, podendo ser invocado como fundamento do recurso mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal ad quem à matéria de direito - art.410°, n.º 2, alin. c) do Código de Processo Penal.

    10. - Face ao exposto, ao deixar de valorar prova alegando proibição legal da sua valoração, quando tal proibição, nos termos supra expostos, inexistia, tudo como inequivocamente resulta do próprio texto da decisão recorrida, o tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, que determina a anulação do acórdão recorrido e reenvio do processo para novo julgamento, afim de ser proferida nova decisão em que seja tomado em consideração o depoimento da testemunha ...

  2. Admitido o recurso, o arguido visado não respondeu.

  3. Subidos os autos ao STJ, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que um dos fundamentos do recurso versava matéria de facto - erro notório na apreciação da prova - pelo que os autos deveriam ser remetidos a este Tribunal da Relação de Évora, o que o STJ veio decidir no seu aresto de 8 de Maio do ano em curso (v.fls.365 a 367.

  4. Nesta instância a Ex.ma Procuradora -Geral Adjunta emitiu parecer a fls.372 a 376 no sentido de que o recurso deve ser provido, determinando-se a anulação do julgamento.

  5. Objecto do recurso. Questões a decidir. Poderes de cognição do tribunal «ad quem».

    Colhidos os...

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