Acórdão nº 853/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Maio de 2006
Magistrado Responsável | MARGARIDA BACELAR |
Data da Resolução | 30 de Maio de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em audiência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Em obediência ao douto acórdão desta Relação de 10/2/05 (que alterou parcialmente a decisão sobre matéria de facto proferida pela 2ª Vara Criminal de Lisboa, no Acórdão por esta proferido em 29/6/2004, e ordenou o reenvio do processo para novo julgamento, para que fosse realizada nova perícia psiquiátrica, não conhecendo, por isso, dos demais fundamentos do recurso interposto pelo Arguido, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e pelas Assistentes daquela decisão da 2ª Vara Criminal de Lisboa), foi o arguido J...
, solteiro, desempregado, nascido a 04-03-1981, em Lisboa, ..., e actualmente preso à ordem dos presentes autos, julgado em processo comum, perante o tribunal colectivo, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, na 2ª Secção, 3ª Vara Criminal da comarca de Lisboa.
A final, foi decidido julgar a acusação procedente, e, em consequência, condenar o referido arguido: a) Pela prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2 als g) e h) do C. Penal na pena de 20 (vinte) anos de prisão, nos termos do artº 71º do mesmo diploma legal; b) A pagar às assistentes O…, A… e C…, a título de indemnização por perdas e danos as quantias de 1.475,00 (mil quatrocentos e setenta e cinco) euros e 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil) euros.
II - Inconformado, o arguido J… interpôs recurso da referida decisão, formulando as seguintes conclusões: "1 - O Recorrente tem interesse e legitimidade para o presente recurso, o qual se mostra interposto tempestivamente e perante o Tribunal competente; 2 - O douto acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância é nulo por omissão de pronúncia, não tendo dado como provados factos não alterados pelo Tribunal da Relação de Lisboa e proferidos aquando do 1° julgamento em 1ª instância, designadamente, que o arguido sofre de patologia psíquica de grau acentuado, que a morte da avó foi um acontecimento de fim de linha que desencadeou no arguido fortes sentimentos de ódio, raiva e revolta que não conseguiu conter de modo adequado, acabando-os por expressar de foram brutal sobre o seu tio, que o arguido agiu num estado de consciência alterado, de acordo com as suas convicções pessoais de que teria sido o seu tio o responsável pela morte da sua avó J... e que o arguido precisa de acompanhamento psiquiátrico e psicológico permanente; 3 - O arguido padece de doença psiquiátrica considerada grave pelos Sr. Peritos Médicos; 4 - O Acórdão impugnado não reflecte na íntegra a conclusão do relatório pericial psiquiátrico onde se refere, expressamente, que "O examinando apresenta com elevada probabilidade o diagnóstico de personalidade com traços limite, perturbação que surge compreensível na sua história de vida e lhe confere vulnerabilidade e necessidade de seguimento psiquiátrico/psicológico, face a sintomas problemáticos e até prováveis flutuações psicóticas. Não podendo todavia em rigor absoluto ser excluído (ou seja, admitindo-se como possível, mas não surgindo em nosso entender como provável) a hipótese de esquizofrenia paranoide, deve manter-se vigiado em consultas regulares durante vários anos, aferindo da sua evolução"; ( sublinhado nosso); 5 - Igualmente, o acórdão recorrido não teve em conta a conclusão n°4 do relatório pericial e onde se pode ler que "...deve o examinando ser presente em consultas de psiquiatria/psicologia, cumprindo prescrições que aí vierem a ser determinadas, sob risco de agravamento do seu quadro clínico". ( sublinhado nosso).
6 - O douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo errou na apreciação da prova quando referiu que não se provou que o arguido tenha agido dominado por emoção violenta e desespero; 7 - O douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo errou quando não ponderou, para a medida concreta da pena, a confissão do arguido e demais circunstâncias pessoais do mesmo, designadamente, doença psiquiátrica e ter agido em estado de emoção e comoção violenta; 8 - O arguido não conseguiu conter os seus impulsos no momento da prática do crime; 9 - O arguido apresenta perturbação psíquica grave que justifica a necessidade de acompanhamentos psiquiátricos continuados que o sistema prisional comum não consegue nem está em condições de ministrar; 10 - Os Peritos Médicos e Médicos ouvidos são unânimes quando referiram que o arguido actuou num estado emocional alterado, facto que confirmaram em audiência de julgamento; 11 - Ficou provado, ao contrário do que decidiu o acórdão impugnado, que o arguido actuou num estado emocional alterado de grande desespero e emoção violenta que não conseguiu conter; 12 - Se o arguido não conseguiu conter o seu estado de desespero e emoção violenta em que estava, tendo expressado tais sentimentos de forma violenta contra o seu tio, a sua culpa há-de ser, necessariamente, diminuída; 13 - O Tribunal a quo não aplicou o Princípio In Dubio Pro Reo face às reticências e dúvidas suscitadas pelos Srs. Peritos Médicos no que se refere ao grau de percepção da realidade que o arguido tinha no momento da prática do crime e juízo de ilicitude que o mesmo efectuou dos seus actos ou da sua conduta, se é que fez algum juízo a esse nível, bem como face à possibilidade de o mesmo padecer de esquizofrenia paranoide; 14 - O Tribunal a quo errou quando referiu que o relatório elaborado pelo Sr. Dr. Luís Barbosa foi a pedido da avó do arguido e que este foi observados pelas entidades competentes; 15 - O acórdão impugnado não tem em conta as declarações dos Srs. Peritos produzidas em audiência de julgamento na parte em que estes referiram que o arguido actuou em estado alterado de consciência ou com baixa capacidade de decisão; 16 - A conduta do arguido nunca se poderá subsumir à previsão do art. 132°, n° 1 e 2, alíneas g) e h) do Código Penal, porquanto a prova produzida em audiência de julgamento não consente o preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo daquele crime; 17 - A culpa do arguido é diminuída e, quando muito, a conduta do mesmo preenche os elementos objectivos e subjectivos do crime previsto e punido pelo art. 133° do Código Penal; 18 - A medida da pena aplicada ao arguido é desproporcional e não tem em conta a culpa diminuta e a compreensibilidade do comportamento do mesmo face ao desespero, alteração da sua consciência e baixa capacidade de decisão e, por outro lado, os fins das penas, em violação do disposto no art. 71° e 72° do C.P.; 19 -A medida da pena ultrapassou o máximo permitido pelo art. 73°, n°1, alínea a) do C.P. que, para o caso concreto, tendo em consideração a confissão do arguido, o pedido de desculpas efectuado em audiência de julgamento dirigido à família da vítima e respectivo contexto da prática do crime, era de 16 (dezasseis) anos e oito meses; 20 -A medida da pena em que o arguido foi condenado é, objectivamente, desproporcional e desadequada já que, na data da prática do crime, o arguido tinha 22 anos e que o praticou nas circunstâncias e contexto já descritas, as quais devem ser consideradas atenuantes especiais da medida da pena; 21 - A indemnização a que o arguido foi condenado a pagar às Assistentes não reflecte a culpa diminuída do arguido e é, manifestamente, desproporcionalmente elevada face à prova dos danos produzida em sede de audiência de julgamento; 22 - O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 71°, n°2, 72°, n° 1 e 2, 73°, n°1, alínea a), 131°, 132° n° 1 e 2 e 133° do Código Penal, bem como o art. 668°, n°1, alínea d) do C.P.C.; 23 - A decisão recorrida, ao não ter em devida consideração a doença psíquica do arguido nem as demais circunstâncias em que o crime ocorreu e que se consideram atenuantes, viola os arts. 26°, n° 1, 30°, n° 3, 4 e 5 e 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa; Termos em que, deve ser revogada a sentença recorrida, levando-se em consideração toda a prova produzida em audiência de julgamento e condenando-se o arguido pela prática de um crime previsto e punido pelo art. 133° do Código Penal, devendo ser considerada a existência de factores consubstanciadores de uma atenuação especial da medida da pena, devendo o arguido cumprir pena em estabelecimento hospitalar onde se possa submeter a tratamentos e terapêuticas adequadas e prolongadas, devendo ainda ser reduzido o montante a pagar pelo arguido a título de indemnização por danos morais, só assim se fazendo a V. costumada JUSTIÇA. " O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu ao recurso interposto pelo arguido J...
formulando as seguintes conclusões: "- A decisão recorrida não incorre em qualquer vício ou nulidade, inexistindo qualquer omissão de pronúncia, como se pode abarcar da simples leitura da mesma; - Perante a matéria de facto dada por assente, que o arguido não impugnou, constata-se que o mesmo se constituiu autor material de um crime de homicídio qualificado; - Nenhuma circunstância foi apurada, porque não resultou da prova produzida, que permitisse ao Tribunal "a quo" recorrer a qualquer atenuação especial da pena a impor ao arguido; - Contrariamente ao pretendido pelo arguido, a interpretação efectuada pelo Tribunal "a quo" do resultado das perícias a que o arguido se submeteu é a consentânea com o real sentido dessas perícias e com o que, em audiência, foi esclarecido quanto às mesmas; - Não violou a decisão recorrida qualquer norma legal aplicável, nem efectuou qualquer interpretação ilegal ou inconstitucional de tais normas; - Assim como não violou qualquer principio constitucionalmente consagrado, nem nomeadamente, o principio "in dubio pro reo"; - Alcançou o Tribunal "a quo" a pena justa e adequada à conduta e à culpa do arguido, dentro dos critérios legalmente estabelecidos, nomeadamente no artigo 71° do Código Penal; - Assim sendo, deverá ser mantida na íntegra a douta decisão recorrida, bem como a pena de vinte anos de prisão nela aplicada ao arguido J..., com o que farão V. Excelências, aliás como sempre, JUSTIÇA" As Assistentes também responderam à motivação de recurso...
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