Acórdão nº 10357/2004-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | FÁTIMA GALANTE |
Data da Resolução | 17 de Fevereiro de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOAI - RELATÓRIO Ana intentou a presente acção declarativa comum sob a forma ordinária contra Seguros S.A., pedindo a sua condenação: a) a pagar ao BCI (actualmente Banco Santander) o valor do saldo devedor a indicar por este, à data do falecimento da pessoa segura; b) a pagar à A. a diferença entre o valor de tal saldo e o capital seguro de 3.900 contos, no montante de 3.793.315$00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 01-02-1999 até integral pagamento; c) a pagar à A. pelos prejuízos por esta sofridos o valor das prestações mensais que esta tem suportado junto do BCI, desde 01-03-1999, e teria deixado de suportar se a Ré houvesse cumprido a obrigação por si adveniente do contrato de seguro, valor esse que até à propositura da acção era de 800.160$00; d) o que a tal título a A. se vir obrigada a pagar desde a data da propositura da acção até integral pagamento pela Ré das duas obrigações.
Para o efeito alegou que o seu falecido marido obteve junto do BCI um empréstimo para aquisição de habitação própria permanente, garantido por hipoteca e por um seguro de vida, por via do qual o Banco teria direito ao recebimento imediato do valor correspondente ao capital mutuado ainda não amortizado, contrato este negociado com a Ré.
Após o falecimento, ocorrido em Moçambique, a Ré recusou o pagamento do saldo em dívida e a entrega à A. da diferença entre tal montante e o capital da apólice, igualmente convencionados, causando-lhe prejuízos por se ver obrigada a continuar a pagar ao Banco o valor mensal de amortização do empréstimo.
Contestou a Ré contrapondo que o contrato de seguro de vida teve como beneficiário exclusivo o Banco, que pretende assegurar o recebimento do capital em caso de falecimento do mutuário, conforme decorre da apólice junta a fls. 9, limitando-se a pessoa cuja vida é segura a dar o seu consentimento escrito, o que sucedeu por via do documento junto pela A. a fls. 11.
Pelo facto de não ter contratado com o falecido marido da A, a Ré entende que aquela carece de legitimidade para pedir a sua condenação a pagar ao Banco, tanto mais que veio a saber que o falecimento ocorreu em Moçambique, onde o marido da A. tinha residência habitual, local onde os riscos de vida são mais elevados, nada tendo comunicado previamente à Ré em cumprimento do clausulado nas condições gerais do contrato e do disposto nos arts. 429º e 459º do Código Comercial, com a consequente nulidade do contrato.
Replicou a A. sustentando a sua legitimidade, negando o recebimento das condições gerais do contrato de seguro e que o seu marido tivesse mudado de profissão ou tivesse residência permanente em Moçambique.
Foi convocada uma audiência preliminar na qual foi proferido o despacho saneador e julgada improcedente a excepção de ilegitimidade da A., seguindo-se a selecção dos factos assentes e dos integrantes da base instrutória, sem reclamações das partes.
Os autos seguiram para julgamento, ao qual se procedeu com observância das formalidades legais. A matéria de facto controvertida ficou decidida nos termos do despacho de fls. 110.
Foi, então, proferida sentença que condenou a Ré a pagar ao BCI o valor actual do saldo devedor do empréstimo a que respeita o seguro, bem como a pagar à A. o valor das prestações mensais que esta suportou desde 1 de Março de 1999 - e que, em 1 de Junho de 2001, ascendia a 700.138$00 - e que continue a suportar até integral liquidação do saldo devedor do empréstimo bancário.
Inconformada, veio a Ré apelar da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões: 1. Face ao teor do facto 12º (identificado como tal na sentença) dado como provado, reconhece-se que é facto determinante para o cálculo do risco a circunstância do sinistrado ter ido trabalhar para um país como Moçambique, o que faz nos seguintes termos: num caso como o dos autos em que o segurado foi trabalhar para um país como Moçambique pode-se considerar quase como um facto notório que estamos perante um local potenciador de risco acrescido: insegurança, insuficiência de cuidados médicos e hospitalares, pobreza, maior risco de propagação de doenças, etc.
2. Atendendo a tal facto, a douta sentença recorrida vem considerar que, não obstante estar preenchida a previsão dos artigos 429º e 459º do C. Comercial, os mesmos não têm aplicação ao caso presente dado que: a. Relativamente ao artigo 429º: porque no século XIX o segurado era sempre parte contratante (tomador), tal artigo não é aplicável aos seguros de grupo (onde há dissociação entre segurado e tomador); b. Relativamente aos artigos 429º e 459º: porque, estatuindo ambos a cominação de anulabilidade, a Ré nem cumpriu o prazo dum ano previsto no artigo 287º n° 1 do C.Civil nem cumpriu a obrigação de invocar a anulabilidade por via reconvencional.
3. A dissociação entre tomador e segurado nos seguros de vida, constituía um problema grave a resolver por via legislativa: como evitar que a pessoa segura fique a salvo do perigo que para a sua vida resulta do facto de alguém, simultaneamente tomador e beneficiário, ter vontade de lhe abreviar a vida.
4. A solução para tal problema foi dada pelo nosso legislador no artigo 456º do C. Comercial: o legislador do século XIX ao dispor como o fez no artigo 429º do nosso Código Comercial quis expressamente fazer incidir a obrigação de informação, quer sobre o segurado quer sobre o tomador.
5. De resto, ainda que subsistisse o douto entendimento veiculado na sentença recorrida em como o artigo 429° do C. Comercial não é aplicável aos seguros, sempre subsistiria o artigo 459°. Na verdade, este comina com a falta de efeitos a mera agravação do risco desconhecida da seguradora independentemente de saber quem está vinculado a comunicar tal agravamento.
6. É proferida contra legem expressa a afirmação (fundamento da douta decisão recorrida) de que a Ré não se pode prevalecer da anulabilidade dos artigos 429º e 459º do C. Comercial por falta de cumprimento do prazo previsto no artigo 287°/1 reconvencional da anulabilidade.
7. Do nº 2 do art. 287º do CC resulta que o prazo não acaba enquanto o negócio não estiver cumprido, isto é, até ter sido efectuado o pagamento pela seguradora (justamente o que se discute nesta instância); esse mesmo artigo admite expressamente a invocação processual da anulabilidade como excepção, a par da sua invocação a título de acção (inicial ou reconvencional).
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Face ao exposto a decisão objecto da presente apelação violou expressamente o disposto no artigo 287º do Código Civil e nos artigos 429º e 459º do Código Comercial, motivo pelo qual deverá...
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