Acórdão nº 7364/2004-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelRAMALHO PINTO
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: (A) veio instaurar, no 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção emergente de contrato de trabalho, contra AXA PORTUGAL- COMPANHIA DE SEGUROS, SA, pedindo que se declare: a) ser de contrato individual de trabalho o vínculo estabelecido, a partir de 15.06.93, entre o Autor e a Ré; b) ser ilícito o despedimento do Autor operado pela Ré, com efeitos a 31 de Dezembro de 2000; e, por via disso, ser a Ré ser condenada: - no pagamento, com base na última retribuição média mensal, da importância correspondente ao valor das retribuições devidas até à data da sentença, ou em quantitativo a liquidar em execução de sentença, acrescido dos juros de mora à taxa legal contados desde cada um dos respectivos vencimentos até ao efectivo pagamento, bem como na reintegração do Autor ao serviço da Ré, atribuindo-lhe funções inerentes à sua categoria profissional, sem prejuízo da sua antiguidade e com a retribuição correspondente, caso este não venha a optar oportunamente pela indemnização de antiguidade; - nas diferenças de retribuição das férias, e nos subsídios de férias e de Natal, já vencidos e não pagos antes do despedimento - período de 15.06.93 a 31.12.2000 -, no valor de Esc. 8.502.578$00, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde os respectivos vencimentos até ao efectivo e integral pagamento; - em sanção pecuniária compulsória à razão de Esc. 100.000$00, por cada dia de atraso na readmissão do Autor, em cumprimento da decisão que haja condenado a Ré na sua reintegração, destinando-se tal quantia em partes iguais para o Autor e para o Estado.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte: Exerce a sua actividade como médico-cirurgião da especialidade de Ortopedia, tendo sido contratado, em 15.06.93, para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização do Grupo de Seguradoras de cuja fusão resultou a Aliança UAP - Companhia de Seguros, S.A., a qual alterou a sua denominação, em 1997, para AXA PORTUGAL - Companhia de Seguros, S.A., ora R..

Refere que a sua contratação visou a prestação da actividade clínica no Posto Clínico da Ré, em Lisboa, para tratamento de sinistrados por acidentes de que a Ré é responsável, complementada com uma outra prestação adicional de trabalho à Ré no Hospital da Ordem Terceira, onde lhe cumpria operar e acompanhar os sinistrados da Ré ali internados.

Apesar da Ré ter formalizado a sua contratação através de um escrito que intitulou de "Contrato de Prestação de Serviços", tratou-se de um verdadeiro contrato de trabalho, em execução do qual cumpria ao Autor desempenhar as funções que sempre lhe foram atribuídas pela Ré, trabalhando em regime de turnos organizados pela R..

Desde 15.06.93 até 19.09.99, esteve obrigado a cumprir, no Posto Clínico da Ré em Lisboa, 7 horas de trabalho por semana, distribuídas por dois dias, tendo a partir de 20.09.99 e até 31.12.2000, passado a prestar, a pedido da Ré, 10 horas semanais, igualmente distribuídas por dois dias.

A Ré sempre lhe destinou um período certo, em cada semana, para, no Bloco Operatório de que dispunha no Hospital da Ordem Terceira, operar os sinistrados da R., e que tanto no Posto Clínico de Lisboa como no Hospital da Ordem Terceira, sempre utilizou o material, as aparelhagens, os utensílios, objectos e demais instrumentos de trabalho fornecidos pela Ré, sendo também esta que assegurava o apoio do pessoal para-médico, de enfermagem, auxiliar e administrativo.

A Ré pagava-lhe uma retribuição mensal composta de parte certa e de parte variável, destinando-se a parte certa a remunerar tanto o trabalho no Posto Médico da Ré, como as operações que, actuando como cirurgião, realizava no Hospital da Ordem Terceira a sinistrados de acidente de trabalho da Ré.

Salienta, também, a existência de uma estrutura organizativa na qual se integrava, trabalhando com subordinação à sua chefia hierárquica, da qual recebia ordens e instruções sobre o modo como o seu serviço devia ser cumprido, sem prejuízo da autonomia técnica requerida pela natureza da sua actividade, e sujeito à disciplina da Ré.

A Ré denunciou o contrato do Autor por carta de 30.11.2000, para a denúncia produzir efeitos «a partir de 31 de Dezembro de 2000», o que configura um despedimento sem justa causa e sem precedência do processo disciplinar.

Realizada a audiência de partes, nela não foi obtida a conciliação.

Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, invocando, no essencial, que: Autor e Ré celebraram um contrato de prestação de serviços, de livre vontade e em plena consciência, sabendo o Autor que não estava a celebrar um contrato de trabalho, o que também não pretendia; As funções a que se vinculou o Autor através de tal contrato não lhe foram impostas pela Ré, pois são as inerentes à sua profissão de médico e era com total autonomia que o Autor as exercia; O Autor operava os sinistrados, em tratamento na Ré, no Hospital da Ordem Terceira, sendo pago, como confessa, por cada acto, O local para a realização das cirurgias não lhe era imposto pela Ré, mas fazia parte do acordo entre ambos celebrado; O Autor comprometeu-se a atender os sinistrados da Ré no posto médico, dentro de um determinado período do seu funcionamento, sendo este de conveniência mútua; O Autor chegava frequentemente atrasado, por ter de compatibilizar a prestação de serviços à Ré com o seu horário no Hospital de Vila Franca de Xira, onde também prestava serviço; Cabia ao Autor, para além de todas as outras prescrições de tratamento e de medicamentos, determinar se devia submeter o sinistrado a intervenção cirúrgica, bem como determinar o período de internamento, as datas das consultas dos sinistrados e a alta; Para além dos honorários que auferia da Ré, o Autor auferia também remuneração, pelo menos, pelo trabalho que prestava no Hospital de Vila Franca de Xira, onde era empregado; O Autor nunca esteve integrado na estrutura organizativa da Ré; Nunca esteve sujeito ao poder disciplinar da Ré; O médico chefe apenas visava a necessidade de uma intervenção cirúrgica proposta pelo Autor, por necessidades de gestão, dando o acordo da cliente à iniciativa que lhe era proposta pelo Autor; A passagem de recibos verdes não foi imposta pela Ré ao Autor, antes correspondendo a uma exigência da legislação fiscal; A Ré apenas pedia ao Autor e a outros prestadores de serviços que a informassem do período ou períodos em que gozariam as suas férias anuais por necessitar de contratar outros profissionais que substituíssem a sua prestação de serviço nesses períodos; Não havia controlo de absentismo em relação ao Autor; Nunca a Ré exigiu do Autor a justificação de faltas.

O contrato estabelecido entre as partes era de mera prestação de serviços Conclui pela improcedência da acção.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos: "Em face do exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, em consequência do que se decide: a) ser de contrato individual de trabalho o vínculo estabelecido, a partir de 15.06.93, entre o A. e a R.; b) ser ilícito o despedimento do A. operado pela R., com efeitos a 31 de Dezembro de 2000; e, consequentemente, c) condenar a R., AXA PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a reintegrar o A. ao seu serviço, com a categoria e antiguidade que teria se não tivesse sido despedido; d) condenar a R. a pagar ao A. a quantia de 162.354,01€ (cento e sessenta e dois mil, trezentos e cinquenta e quatro euros e um cêntimo), a título de retribuições em dívida até à presente data, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas anuais de 15% até 29.09.95, 10% desde 30.09.95 até 16.04.99, 7% a partir de 17.04.99 até 30.04.2003 e 4% a partir de 01.05.2003 e até integral pagamento; e) condenar a R. no pagamento da sanção pecuniária compulsória de 200€ (duzentos euros) por cada dia de incumprimento da presente decisão de reintegração; f) absolver a R. do restante peticionado.

Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento".

x Inconformada com o decidido, veio a Ré interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: 1º O critério distintivo entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços é, essencialmente, o da subordinação jurídica, entendida por Monteiro Fernandes ("Direito do Trabalho", 1991, Vol. I, pág. 105) como consistindo numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.

2º O mesmo autor (ob. cit., pág. 114) entende que a colocação do acento tónico do contrato de prestação de serviços no resultado do trabalho, implica que o processo conducente à produção do resultado, a organização dos meios necessários e a ordenação da actividade que o condiciona estão fora do contrato, não são vinculados, mas antes determinados pelo próprio fornecedor do trabalho.

3º Porém, casos há em que o trabalhador autónomo se encontra contratualmente obrigado a utilizar certos materiais, ou a seguir um dado modelo ou figurino ou até a realizar pessoalmente a actividade necessária à consecução do resultado, tratando-se, então, não de um contrato de trabalho, mas sim de condições contratualmente estabelecidas, fundadas no consenso das partes e não na autoridade directiva de uma perante a outra».

4º Nesta perspectiva, a douta sentença sobrevalorizou alguns aspectos da prestação do A., não dando a devida relevância a outros que igualmente mereciam ponderação, como sejam os preliminares do contrato; a designação expressa do documento que titula o contrato como sendo de prestação de serviços; a independência económica do A. em relação à R.; a actividade do A. para terceiros, fora da prestação a que se vinculou à Ré; a execução consensual do contrato; a emissão de recibos verdes; o gozo de férias remuneradas só pela parte fixa da retribuição, sem direito a...

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