Acórdão nº 3486/06-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução25 de Maio de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

B… intentou, no Tribunal Judicial do Cadaval, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra "Companhia de Seguros…, S. A"., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 314.496,13 bem como as quantias correspondentes a danos futuros, tudo acrescido dos respectivos juros legais, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alega, em síntese, que, no dia 07/06/2000, pelas 12 horas, no lugar de Sobrena, Cadaval, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o seu motociclo, de matrícula - - e o veículo tractor agrícola, de matricula - - , conduzido pelo seu proprietário M…, tendo o embate entre ambos os veículos ocorrido por culpa exclusiva do condutor do veículo segurado pela Ré, que inadvertidamente, saiu de um caminho de acesso situado à direita do Autor, atento o seu sentido de marcha, entrando na via onde este circulava com o seu motociclo e passando a ocupar a faixa de rodagem por onde seguia o Autor, o que cortou por completo a sua linha de trânsito, causando o embate entre os dois veículos.

O Autor imputa à Ré a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos que lhe foram causados, tendo em conta que à data do sucedido, o proprietário do veículo - - , havia transferido para esta a responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrentes da circulação em via pública do referido veículo, invocando que, em virtude do acidente ocorrido, para além de danos no seu motociclo, sofreu inúmeras lesões corporais, que implicaram avultados danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, contabilizados sem prejuízo de danos futuros, em € 314.496,13, quantia que peticiona.

A Ré contestou, impugnando a matéria alegada pelo Autor, atribuindo, na versão dos factos por si narrados, a responsabilidade pela ocorrência do acidente única e exclusivamente ao Autor, em virtude deste circular em velocidade excessiva e inadequada à via em que seguia, não tendo observado a regra de prioridade, uma vez que o veículo seguro pela Ré se apresentava pela direita.

Impugnou ainda a Ré a factualidade alegada pelo Autor em suporte do quantitativo peticionado, completando que os danos físicos alegados pelo Autor se devem ao facto do mesmo circular sem capacete no momento do embate.

Foi proferido despacho saneador, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto considerada assente e organizada a base instrutória.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal respondido à matéria de facto (262 a 267) e, em seguida, foi proferida sentença em que se decidiu: a) - Condenar a Ré, "Companhia de Seguros …, S.A" a pagar ao Autor, em virtude de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, as quantias de € 49.916,13 (quarenta e nove mil, novecentos e dezasseis euros e treze cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais e de € 30.000 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais, o que perfaz o montante global de € 81.916 (Oitenta e um mil, novecentos e dezasseis euros).

Os referidos montantes vencem juros à taxa legal (cfr. Portarias n. os 263/99, de 12/04 e 291/2003, de 08/04 e arts. 805º, 806º e 559º do CC), sendo os incidentes sobre os danos patrimoniais contados desde a data da citação e os referentes aos danos não patrimoniais contabilizados a contar da decisão ora proferida.

  1. - Absolver a Ré do remanescente do pedido.

Inconformados com esta decisão, apelaram a Ré e o Autor, formulando as seguintes conclusões: RÉ: 1ª - O condutor do tractor seguro na Ré apresentava-se pela direita do Autor.

  1. - No entroncamento das vias públicas não havia sinalização especial.

  2. - O Autor não respeitou a prioridade de passagem do tractor.

  3. - Nenhuma prova há nos autos de que o tractor tenha exercido abusivamente o seu direito de prioridade de passagem.

  4. - O acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do Autor, o qual com a sua conduta violou o art.º 483º CC e o art.º 30º, n.º 1 do Código da Estrada.

  5. - A sentença recorrida interpreta e aplica mal as mencionadas disposições legais.

  6. - A decisão recorrida viola ainda o disposto no art.º 668º n.º 1, al. c) do CPC.

  7. - Ao arbitrar valor superior a 10.000 euros para compensação dos danos morais sofridos pelo Autor, a decisão recorrida viola o disposto no art.º 496º n.º 3 CC.

  8. - A decisão recorrida deve ser substituída por outra que absolva a Ré/Recorrente do pedido.

    AUTOR: 1ª - Os factos dados como provados sob os n. os 67 (resposta ao quesito 70º) e 68 (resposta ao quesito 71º) permitem concluir que a reconstituição natural deve ser afastada no caso sub judice, devendo a indemnização ser em dinheiro.

  9. - De outra forma, não se compreenderia que tivesse sido dado por provado que não era economicamente aconselhável a reparação do motociclo.

  10. - Nesta parte, a decisão recorrida violou o disposto no art.º 566º n.º 1 do CC e 668º n.º 1 al. c) do CPC.

  11. - Deve, pois, ser considerado procedente o pedido de indemnização da quantia de € 2.000, correspondente ao valor da perda do motociclo.

  12. - O apelante peticionou indemnização por danos patrimoniais derivados da sua incapacidade temporária total para o exercício da agricultura e por ter perdido três anos lectivos, com as consequências inerentes, a qual foi totalmente desatendida por não ter sido considerado provado que o pai do apelante lhe dava a quantia mensal de € 500 como compensação pelo trabalho prestado.

  13. - Estando provado que o apelante desenvolvia tal trabalho e que em consequência do acidente não mais o pôde fazer, assim como que perdeu três anos lectivos e que esteve incapacitado nos termos constantes do quesito 50º, deve ser-lhe arbitrada a tal título, com recurso à equidade, o valor de € 25.000.

  14. - Nesta parte, a decisão "a quo" violou o disposto no art.º 483º n.º 1 do CC e 566º n.º 3 do mesmo Código.

  15. - Quanto ao dano futuro decorrente da IPP, o apelante considera que o quantitativo fixado é diminuto.

  16. - Aceitando-se o método explanado que serviu de base ao cálculo, entendemos que os parâmetros em que ele assentou não são os correctos.

  17. - Na verdade, nada justifica que se considere como rendimento para tal cálculo, somente, o salário mínimo nacional.

  18. - O M. mo Juiz "a quo" olvidou por completo as habilitações literárias do apelante, a sua idade, bem como as suas características de homem trabalhador, bem plasmados, entre outros, nos factos provados supra sob os n. os 38. 39. 44, 45, 46. 47, 52. 53, 54 e 55.

  19. - No caso sub judice devia ter-se pelo menos, por referência, um salário médio, da ordem de € 750 euros por mês.

  20. - Por outro lado, a taxa de juro considerada é muito elevada, não sendo praticada em aplicações financeiras sem ser de risco.

  21. - Esta taxa não deve ser superior a 2,5% ao ano.

  22. - Para além disso, a sentença "a quo" não considerou um agravamento de 5% na incapacidade permanente - facto 34 (resposta ao quesito 50º).

  23. - Também foi considerada a idade actual do apelante para obtenção do número de anos com que se deve entrar no cálculo, o que dava 45 anos, quando entendemos que o cálculo se devia fazer com referência à data da consolidação das lesões, o que dá 49 anos.

  24. - Seguindo-se o mesmo método utilizado pelo M. mo Juiz "a quo", mas introduzindo os novos parâmetros vindos de referir, deve ser arbitrada ao apelante como compensação pela perda da sua capacidade geral de trabalho e ganho e I.G.P.P quantia não inferior a € 110.000.

  25. - Nesta parte, a sentença recorrida violou os art. os 483º, 564º e 566º, todos do CC.

  26. - Face à gravidade dos danos não patrimoniais, que incluem o dano à integridade física, quantum doloris elevado, demais danos morais, designadamente, o prejuízo de afirmação pessoal, e o dano estético, deve ser arbitrada uma compensação de quantitativo não inferior a € 100.000 euros.

  27. - Ao fixar a compensação por danos não patrimoniais em € 30.000, a sentença recorrida violou o disposto no art.º 496º n.º 1 e 3 CC.

  28. - Deve, assim, ser alterada a sentença recorrida no sentido de que a indemnização arbitrada de € 81.916 passe para o montante de € 241.495.

    1. Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos: 1º - No dia 7/06/2000, pelas 12 horas, na Rua António Henriques, no lugar de Sobrena, freguesia do Peral, concelho do Cadaval, o Autor conduzia o seu motociclo de matrícula - - , no sentido Sobrena - Quinta de Santo António (al. A).

      1/A - O tractor agrícola de matrícula - - , conduzido pelo seu proprietário, M…, residente em Barreiras, Cadaval, seguro na Ré, circulava na Travessa D. Elvira, no sentido Sul - Norte, em direcção ao entroncamento formado entre esta via e a Rua António Henriques, pretendendo o seu condutor passar a circular por esta via, no sentido Cercal - Sobrena (al. B).

      1. - O proprietário do veículo - - havia transferido a responsabilidade civil pela circulação de tal veículo para a ora Ré, na altura designada por Companhia de Seguros …, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 60/2.520.482 (al. E).

      2. - A rua no local é em recta, asfaltada, com uma largura de cerca de 5,30 metros (al. C).

      3. - O condutor do veículo - - , segurado pela Ré, surgiu da referida Travessa D. Elvira, que se situa à direita, considerando o sentido de marcha do Autor (resposta ao quesito 2º).

      4. - (...) e entrou na Rua António Henriques pelo lado esquerdo, junto a um muro redondo lá existente, considerando o sentido de marcha Quinta de Santo António - Sobrena, passando a ocupar a faixa de rodagem por onde seguia o Autor (resposta ao quesito 3º).

      5. - Cortando por completo a linha de trânsito do "LX" (resposta ao quesito 4º).

      6. - O Autor foi embater na roda dianteira do lado esquerdo do veículo "EV" (resposta ao quesito 11º).

      7. - O embate deu-se dentro da faixa de rodagem direita, considerando o sentido de marcha do Autor (resposta ao quesito 6º).

      8. - O tractor imobilizou-se parcialmente dentro da faixa de rodagem por onde seguia o Autor (resposta ao quesito 7º).

      9. - Com o embate, o Autor e o...

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