Acórdão nº 11602/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Maio de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJOSÉ ADRIANO
Data da Resolução23 de Maio de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em audiência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: (…) d) Segundo o arguido, a sua conduta não preenche os requisitos do crime de difamação, porquanto, sendo o assistente figura pública, com acrescida responsabilidade de cidadania - devendo pautar o seu comportamento público pelo bom exemplo, tal como este é entendido pelo homem médio - ao desnudar perante o público toda a sua personalidade (incluindo a vida privada e íntima), renuncia à protecção da sua honra e consideração e dá um inequívoco sinal à comunidade que a ofensa à honra e consideração das pessoas e instituições é licita e legítima e que ele tacitamente a aceita quando a si dirigida.

Há que destrinçar, logo à partida, os valores que estão em causa, pois parece haver alguma confusão nesta matéria.

A maior parte dos bens jurídicos pessoais configuram expressões concretizadas e estabilizadas da liberdade geral de acção ou do direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Trata-se, por outro lado, "de bens jurídicos de estrutura intrinsecamente relacional e dialógica, que só alcançam a realização na comunicação intersubjectiva, à margem de formas ilegítimas de coerção e alienação", nas palavras de Costa Andrade (1), sendo, por isso, analisados numa dupla dimensão: positiva (liberdade para empreender com os outros a acção querida) e negativa (liberdade para excluir da comunicação os outros indesejáveis).

Como frisa o mesmo autor, "os bens jurídicos como a honra, o segredo, a privacidade/intimidade, a palavra ou a imagem configuram no direito penal contemporâneo bens jurídico-penais autónomos e distintos entre si (2), cada um deles protegido em si e de per si, como referente típico da ilicitude penal material. Isto sem prejuízo de alguns e significativos momentos de comunicabilidade que medeiam entre eles e que perpetuam e assinalam a memória de uma matriz antropológico-cultural comum.

Na verdade, muitos destes bens jurídicos chegaram à luz do dia do reconhecimento como autónomos bens jurídico-penais no termo de um processo de gestação no seio de outros primeiramente decantados. Exemplar o processo de emergência do bem jurídico privacidade/intimidade no contexto da experiência legislativa, jurisprudencial e doutrinal da tutela penal da honra. Um processo que viria a repetir-se, praticamente com as mesmas vicissitudes e o mesmo ritmo na gestação de bens jurídicos como a palavra ou a imagem no seio da privacidade/intimidade. E que, tudo permite sugeri-lo, há-de continuar a verificar-se"(3).

Só que, a emergência de tais direitos tem conduzido, na prática, a situações de conflitualidade com outros direitos, nomeadamente com o direito de informar, de molde a que o exercício de um leva, não poucas vezes, à compressão ou mesmo à eliminação do outro.

Num Estado de Direito, "baseado na dignidade da pessoa humana e na vontade popular" (art. 1.º, da CRP), empenhado na construção de uma sociedade livre, emerge como um direito fundamental, como elemento essencial de um estado democrático, a liberdade de imprensa, surgindo esta como uma manifestação paradigmática das liberdades de expressão e de informação, todas elas com assento constitucional, nos arts. 37.º e 38.º, da CRP.

O estatuto de direito fundamental que assiste à liberdade imprensa reflecte-se em aspectos decisivos do seu regime, nomeadamente no que concerne à sua estrutura e densidade normativa, bem como quanto aos respectivos limites.

Como ensina, mais uma vez, o Prof. Costa Andrade (4), quanto ao primeiro aspecto convirá reter que «à semelhança do que acontece com todas as liberdades, também a liberdade de imprensa comporta uma dimensão negativa. A par do direito de expressar uma opinião, de informar e de se informar, a todos assiste - a igual título e com igual dignidade - o direito de recusar pronunciar-se, informar ou informar-se. Descontada a situação própria dos titulares de cargos públicos, o acto de comunicação deve valer como expressão de autonomia pessoal, não podendo ser heteronomamente imposto, por via de coerção ou fraude. De igual modo, ninguém pode, contra a sua vontade, ser convertido em fonte de informação».

Por outro lado, no que ao segundo aspecto concerne, acompanhando aquele mesmo autor, «o estatuto de direito fundamental da liberdade de imprensa prejudica também o alcance e a consistência dos limites que ela comporta. De forma sincrética, impõe limites aos limites a impôr à liberdade de imprensa.

Em primeiro lugar, nada menos adequado do que a representação da liberdade de imprensa como um direito ou valor absoluto e, como tal, invariavelmente legitimada a impor-se e sobrepor-se a todos os direitos ou valores. Este é, em definitivo, um atributo que a ordenação jurídica não reconhece a qualquer direito. Em circunstâncias e sob pressupostos que caberá definir com a aproximação e o rigor possíveis, também a liberdade de imprensa terá, não raro, de ceder perante a salvaguarda de valores ou interesses pessoais.

O Tribunal Constitucional Federal alemão apelou, a tal propósito, para o...

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