Acórdão nº 5451/2003-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Novembro de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | FERNANDA ISABEL PEREIRA |
Data da Resolução | 04 de Novembro de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa : 1. Relatório : F. C. intentou, em 12 de Janeiro de 1999, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Sociedade R. & G., Lda, pedindo que esta fosse condenada : - a destruir o quadro que se encontra arrolado no processo de providência cautelar n° 642/98, apenso a esta acção; - a pagar-lhe a quantia de 300.000$00 a título de direito de sequência; - a pagar-lhe, por danos não patrimoniais, a indemnização de 15.000.000$00.
Para tanto alegou, em síntese, que é um pintor consagrado a nível nacional e internacional, cuja obra se tem valorizado, sendo autor de um quadro sem título vendido, em 1973, ao restaurante B., situado em Cascais, quadro que, por ter sido repintado, foi mutilado e adulterado de tal modo que se tornou irreconhecível.
A ré contestou, alegando, em suma, que quando tomou conta do restaurante Baluarte, em 1982, havia vários objectos, entre os quais alguns quadros, na casa das máquinas, considerados lixo, tendo o calor desenvolvido pelas caldeiras, a humidade e as reduzidas dimensões do compartimento exercido acção destruidora sobre os mesmos, nos quais se incluía o quadro do autor, rejeitando qualquer responsabilidade.
Na audiência preliminar o autor foi convidado a precisar factualmente a responsabilidade que se entendeu ter imputado à ré, por não se encontrar claramente vertida em qualquer dos artigos da petição inicial, tendo o mesmo aditado àquele articulado, esclarecendo-o, os seguintes factos : foi a mando ou com o conhecimento e a anuência da ré que o quadro do autor foi repintado; a pintura referida antes foi efectuada em 1998.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.
Inconformado, apelou o autor, formulando na respectiva alegação a seguinte síntese conclusiva : 1ª O A., ora Recorrente, é autor do quadro repintado na sua forma original.
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Por culpa imputável à R., ora recorrida, o quadro foi mutilado.
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A R., ora Recorrida, é civilmente responsável pela mutilação do quadro repintado.
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A mutilação de uma obra constitui violação dos direitos morais do autor, previstos no artigo 56° do C.D.A.D.C., e é punida nos termos do artigo 198° do mesmo código, com as mesmas penas aplicáveis aos crimes de usurpação e contrafacção (artigo 197° do C.D.A.D.C.), independentemente do seu mérito (artigo 2° do C.D.A.D.C.), do local onde é comprado, da notoriedade do seu autor, ou do carácter mais ou menos cultural ou utilitário.
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Independentemente da responsabilidade criminal, o responsável pela mutilação é responsável civilmente pelos danos causados (artigo 203° do C.D.A.D.C.).
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A responsabilidade civil é independente da responsabilidade criminal.
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A responsabilidade civil pode ser imputada a pessoa diversa do responsável criminalmente.
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A R., ora Recorrida, não sendo responsável criminalmente é, como se provou, responsável civilmente.
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Uma obra mutilada que não possa ser tecnicamente restituída à sua forma original, deve ser mandada destruir pelo tribunal ( artigo 202º n° 2 do C.D.A.D.C.).
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Provou-se que a obra mutilada não pode técnica e artisticamente ser restituída à sua forma original, pelo que deve ser mandada destruir.
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As vendas iniciais e sucessivas das obras de arte não relevam para o apuramento da responsabilidade civil e/ou criminal pela sua mutilação, a, não ser para ajudar a descobrir quem violou os direitos do autor, podendo, por isso, ser pessoa diferente até do proprietário do suporte material da obra.
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O desconhecimento da lei não aproveita ao infractor, sob pena de violação do disposto no artigo 6° do Código Civil.
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A qualidade da R., ora Recorrida, perante o espaço que explora (proprietário ou arrendatário) é absolutamente irrelevante na determinação da sua culpa, já que ficou provado que foi com o conhecimento e a anuência da R., ora Recorrida que o quadro foi repintado.
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A decisão recorrida violou o disposto no n° 1 do artigo 690°-A do C.P .C., por formular e fundamentar um juízo de valor/mérito contrário à prova produzida.
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A decisão recorrida violou o disposto no n° 1 do artigo 508°-A do C.P .C., por retirar de uma faculdade processual prevista na lei os fundamentos para produzir um juízo de valor/mérito.
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A decisão recorrida violou o disposto no artigo 6° do Código Civil, quando absolve a R., ora Recorrida, com o fundamento do seu desconhecimento da lei.
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A decisão recorrida violou o disposto no artigo 483° do Código Civil quando absolveu a R., ora recorrida, da culpa na prática do facto ilícito.
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A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1° e 2° do C.D.A.D.C. por considerar fora da protecção legal as obras de pouco ou nenhum mérito, e também as decorativas.
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A decisão recorrida violou o disposto no artigo 202° n° 2 do C.D.A.D.C. ao não mandar destruir o quadro mutilado.
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A fundamentação da sentença ora recorrida é vaga, imprecisa e obscura.
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O A., ora Recorrente, sofreu danos e prejuízos alegados e provados, por não contestados, e pelos quais a R., ora recorrida, é civilmente responsável.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão ora recorrida e decidindo-se como requerido na petição inicial.
Não houve contra alegação.
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Fundamentos : 2.1. De facto : Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos : a) O autor é um pintor; b) Da década de 70 fazem parte um conjunto de quadros, criados e pintados pelo autor, que ficaram conhecidos pela "Série...
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