Acórdão nº 7079/2004-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Setembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCID GERALDO
Data da Resolução23 de Setembro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na 9 ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. - No processo de inquérito n.º 101/03.3 TAPDL do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, em que é arguido, dentre outros, (JS), acusado de 1 crime de actos homossexuais com adolescente p. e p. art° 175° do Cód. Penal (RC) em concurso real com outros de igual natureza, com o mesmo menor; 1 crime de actos homossexuais com adolescente p. e p. art° 175° do Cód. Penal (HF); 4 crimes de abuso sexual de criança p. e p. art° 172°, 1 do Cód. Penal (CE); 2 crimes de abuso sexual de criança p. e p. art° 172°, 2 do Cód. Penal (CE); 1 crime de actos homossexuais com adolescente p. e p. art° 175° do Cód. Penal (CE); 1 crime de actos homossexuais com adolescente p. e p. art° 175° do Cód. Penal (José Arraial); 1 crime de actos homossexuais com adolescente p. e p. art° 175° do Cód. Penal (JB), cujo procedimento criminal se iniciou com base na iniciativa processual do MºPº nos termos do art.º 178º, n.º4 CPP, foi proferido, no seguimento do requerimento de desistência de queixa apresentado por HF, despacho que julgou válida e relevante a referida desistência de queixa e declarou extinto o procedimento criminal contra aquele arguido, relativamente ao crime em que o mencionado desistente era ofendido.

Inconformado com esta decisão, interpôs recurso o MºPº junto do Tribunal "a quo" concluindo, na motivação que apresentou, que: - Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual previstos no CP têm, em regra natureza semi-pública, uma vez que o procedimento criminal depende de queixa do ofendido ou de outras pessoas; - É o caso dos crimes de abuso sexual de criança e actos sexuais e homossexuais com adolescentes, p. e p., respectivamente, pelos art°s 172°, 1, 174° e 175° do Cód. Penal, de que se encontra acusado o arguido (JP).

- Quando os crimes forem praticados contra menor de 16 anos de idade pode o MºPº dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser (art.º 178º, n.º4 CP); - No caso presente foi o MºPº que, depois de ter tomado conhecimento dos factos pela imprensa e, depois através de uma participação da Comissão de Protecção de Menores e Jovens de Lagoa, deu início ao procedimento criminal contra este arguido e outros, ao abrigo do disposto no art.º 178º, n.º4 CP, invocando o interesse das vítimas, menores de 16 anos de idade e fundamentando a sua posição (cfr. fls 8 e 682); - Pelo que, não podem relevar as desistências de queixa do menor HF.

- É que, nos termos do art.º 116º, n.º2 CP, só o queixoso, isto é quem tenha legitimamente exercido o direito de queixa, pode desistir dela; - Ora, tendo o processo sido iniciado, oficiosamente, pelo MºPº, no interesse das vítimas, o respectivo procedimento criminal deixou de estar na disponibilidade do ofendido, isto é do menor/ofendido atrás referido ou dos seus representantes legais ; - Nesta conformidade, a desistência de queixa apresentada é irrelevante; - A Mm.ª Juiz de instrução não podia, pois, considerar a desistência válida e relevante, declarando extinto o procedimento criminal contra o arguido (JP). - O douto despacho judicial interpretou erroneamente a lei e, devido a essa deficiente interpretação violou o disposto nos art.ºs 178º, n.º1 e 4, 116º, n.º2 e 113, n.º 6 do Cód. Penal.

* Neste Tribunal, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto elaborou parecer, no qual entende que poderá ser de aceitar a vontade de desistência manifestada pelo menor HF, face ao seu próprio e actual interesse em não comparecer na audiência de julgamento, o que não repugna que seja tido como preponderante, com o que o recurso improcederá, sendo certo que não existe impedimento à desistência manifestada, decorrente da dita natureza semi pública do dito crime em causa.

* Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º CPP.

* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

* 2. - O objecto do recurso, tal como se mostra configurado pelas conclusões da motivação, reporta-se a uma única questão: a definição da natureza do crime em causa, imputado ao arguido, com efeitos na decisão de apreciação da validade e relevância processual da declaração de desistência de queixa do ofendido.

A este propósito, foi já objecto de decisão neste Tribunal da Relação recurso em tudo idêntico ao ora em apreço - proferida a 1/5/04 nos autos de recurso 4021/04 da 5ª Secção Criminal em que foi relatora a Ex.ma Desembargadora Filomena Lima e disponível em www.dgsi.pt/jtrl -, decisão esta que, por economia processual e com a devida vénia, seguiremos.

Aquando das primeiras práticas sexuais, o ofendido HF tinha a 14/15 anos de idade.

A iniciativa da instauração do procedimento criminal pertenceu ao Ministério Público (fls 8 e 682).

Tendo, aqueles crimes, tendencialmente, a natureza semi pública, a iniciativa do Ministério Público teria de ter suporte legal (art°s 178°, 5 e 113°, 6 do Cód. Penal).

A forma, a persistência e a inteira liberdade com que os crimes eram praticados, logo deixavam ver a desprotecção dos menores e a improbabilidade de cessarem, pela iniciativa dos próprios menores ou por desistência do arguido.

Intervindo, o Ministério Público fê-lo, para salvaguardar valores inerentes à personalidade dos menores que, de outro modo, continuariam a ser desrespeitados, face ao incumprimento do dever de vigilância pelos pais, no momento da factualidade.

Fê-lo porque o interesse das vítimas o impunha, com o que estava legitimada a intervenção, como desde o início deixou consignado no processo.

Não foi até ao momento posta em causa a legitimidade processual do MºPº para impulsionar o inquérito, sem que os menores ou seus representantes legais manifestassem qualquer intenção nesse sentido ou sem que tivessem formalmente deduzido as suas queixas.

Na versão original do CP 1982, os crimes sexuais que tivessem por vítima menor de 12 anos possuíam natureza pública (art.º 211º, n.º2 CP) podendo o MºPº desencadear oficiosamente o procedimento criminal e exercer com total autonomia a acção penal.

Tal como refere o MºPº, na actual legislação penal, os crimes sexuais têm em regra natureza semi pública, dependendo o procedimento criminal da queixa do ofendido ou de outras pessoas definidas por lei.

Essa natureza foi reforçada pela reforma do CP de 1995 (DL 48/95) que permitiu (art.º 178ºCP) que o MºPº desse início ao processo "se especiais razões de interesse público o impuserem", no tocante a crimes previstos no seu n.º 1 e se a vítima fosse menor de 12 anos. E o art.º 113º, n.º5 CP dispunha igualmente que o MºPº poderia dar início ao processo se especiais razões de interesse público o impusessem sempre que o direito de queixa não pudesse ser exercido por a sua titularidade caber ao agente do crime.

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