Acórdão nº 3602/2004-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelGONÇALVES RODRIGUES
Data da Resolução01 de Julho de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I. (A) intentou, a presente acção declarativa, com processo comum ordinário, contra (B), pedindo se anule o casamento celebrado no dia 23 de Março de 2001, entre a Ré e (C).

Alegou para tanto, em síntese que : (C), nascido no dia 3-1-1917, seu pai, ter ficado seriamente abatido psiquicamente com a morte do cônjuge, (M), ocorrida no dia 10 de Maio de 1977, pelo que passou a necessitar de assistência permanente que, depois de ter sido prestada por si, passou a ser prestada pela Ré, que lhe preparava as refeições, limpava a casa e tratava da roupa.

Há cerca de um ano, (C), começou a dar sinais de perturbação mental, não reconhecendo as pessoas íntimas, perdendo o sentido de orientação e manifestando lapsos de memória, pelo que, em Novembro de 2000, já não lhe não foi aplicado um pacemaker.

No dia 23 de Março de 2001, no mais completo segredo, às suas ocultas e dos restantes familiares, seu pai contraiu casamento com a Ré.

Esta ordenou, em 31-5-2001, a transferência do saldo total da conta a prazo n.º 0085088200/20066, que integrava todas as economias do seu pai, no valor de 5 500 000$00, para um conta a ordem no Banco Espírito Santo, em nome da filha da requerida, (L).

(C) foi vítima de um acidente, na noite de 31 de Julho para 1 de Agosto, de que resultaram lesões das quais veio falecer, no dia 9-8-2001.

O casamento é anulável por ter sido contraído com o impedimento dirimente absoluto da demência notória.

Na contestação, a Ré alegou que : A partir de Janeiro de 1998, passou a trabalhar para o seu falecido cônjuge como empregada doméstica, mas desde Fevereiro do mesmo ano passaram a viver em união de facto, em condições análogas ás dos cônjuges.

Por insistência de (C) acabou por casar com este, o qual se manteve lúcido até finais de 2001, manifestando, ás vezes, sinais de nervosismo e as limitações próprias da sua idade.

Antes de casar, trabalhou para o cônjuge sem receber qualquer remuneração ou compensação, pelo que aquele, em cumprimento de uma promessa anterior, decidiu e concordou em conferir-lhe os necessários poderes para que levantasse da conta da CGD da Amadora, e transferisse para a sua conta a quantia de 5 500 000$00.

O seu cônjuge foi vitima de uma queda, no dia 1-8-2001, tendo caído desamparado.

Na sentença, decidiu-se anular o casamento entre a Ré e (C) Inconformada, a Ré apelou da sentença.

No Acórdão do Tribunal da Relação, anulou-se o julgamento, a fim de se ampliar a matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 712 do CPC.

Inseriram-se na B.I., quesitos de acordo com o Acórdão da Relação.

No seu rol, a Ré requereu que se oficiasse ao Hospital de Santa Maria e ao Hospital Miguel Bombarda, a solicitar as informações referidas a fls. 254, o que foi indeferido ( fls. 262 ).

A fls. 305, a Ré reclamou da selecção da matéria de facto, requerendo a integração, na B.I., dos dois quesitos aí formulados, o que foi indeferido por despacho de fls. 307.

Tendo em consideração a dificuldade de obter a informação clínica pretendida pela Ré, ordenou-se a sua requisição ( fls. 309 ).

Consta de fls.324 a informação de 28-3-2003 do Hospital de Santa Maria, onde se refere : « O Sr. (C) esteve internado no Serviço de Cardiologia de 20 a 21 de Novembro de 2001.

............................................

O " pacemaker " não foi colocado porque no início da intervenção o doente teve hipotensão, com necessidade de administração de dopamina.

Também consta do processo clínico do doente que o mesmo tinha aterosclerose importante e que seu estado mental alternava períodos de lucidez com períodos de confusão e desorientação.

O doente permaneceu internado apenas 24 horas.........».

A Ré veio requerer de novo, a fls. 327 a 330, que se oficiasse ao Hospital de Santa Maria a fim de serem enviados os relatórios clínicos respeitantes ao internamento de (C) e que fosse informado se aquele foi submetido a exame neurológico por médicos da especialidade, com fundamento de que a informação prestada é incompleta quando confrontada com a nota de alta constante do doc. n.º 4 de 21-11-2000 ( fls. 31 ), e até contradição com o § 4.º dessa informação.

O Autor sustentou que deve ser indeferido o requerimento, porquanto não há contradição entre a informação clínica prestada e a nota de alta ( fls. 333 e 334 ).

Com o ofício de fls. 337, foi enviada cópia da nota de alta.

Notificada, a Ré manteve o seu anterior requerimento, ou seja, requereu que se requisitasse ao Hospital da Santa Maria - Serviço da Cardiologia cópia do processo clínico do doente da qual conste o que se refere no § 4.º daquela informação, e informação sobre se aquele foi submetido a exame neurológico, por médico da especialidade, e qual o parecer clínico na hipótese afirmativa. ( fls. 341 a 343 ).

Por despacho de fls. 346, de 23-6-2003, ordenou-se a requisição do processo clínico do falecido (C) que serviu de suporte ao aludido § 4.º da dita informação ( " que o mesmo tinha aterosclerose importante e que seu estado mental alternava períodos de lucidez com períodos de confusão e desorientação " ).

Veio a Ré requerer que se requisitasse ,também, informação sobre se o doente durante o seu internamento foi submetido a exame neurológico, por médico da especialidade, e qual o parecer clínico na hipótese afirmativa ( fls. 350 e 351 ).

Foi enviada fotocópia do processo clínico do doente que consta de fls. 359 a 366.

Notificada, a Ré veio novamente requerer ( em 30-9-2003 ) que se oficiasse ao Hospital de Santa Maria para informar se o referido doente internado foi submetido a exame neurológico, realizado por médico da especialidade ( fls.372 a 374 ).

Por despacho de fls. 379 a 383, foi indeferido o requerimento da Ré em que se pretendia a requisição daquela informação.

Inconformada, a Ré interpôs recurso deste despacho, que foi admitido como agravo ( fls. 392 ).

Após a audiência de discussão e julgamento o Tribunal decidiu, sem reclamação, sobre a matéria de facto do modo que consta de fls. 398 a 404.

Autor e ré produziram, por escrito, alegações de direito.

* FACTOS PROVADOS :1. (C), pai do autor, (A), nasceu no dia 3 de Janeiro de 1917 (A) e C) fact. ass.).

2. Há mais de um ano, (C), começou a dar sinais de perturbação mental, não reconhecendo pessoas íntimas, perdendo o sentido de orientação e manifestando frequentes lapsos de memória (resp. ques. 1º e 12º).

3. Em Janeiro de 1999, (C), em consequência da fractura de um braço, esteve internado no serviço de ortopedia do Hospital Amadora/Sintra, sendo atado à cama de braços e pernas, dado o seu estado de perturbação mental (resp. ques. 3º).

4. Face ao agravamento da saúde mental de (C), incapaz de governar a sua pessoa, a ré, que morava na mesma rua, passou a acompanhá-lo quase permanentemente, tratando da sua higiene, preparando as refeições e pernoitando, por vezes, em casa do primeiro (resp. ques. 4º).

5. (C) ficava frequentemente sozinho, saindo em trajes menores para a escada durante a noite, em estado de perturbação psíquica, chegando a bater à porta dos vizinhos que, face à situação, lhe prestavam assistência, reconduzindo-o a casa (resp. ques. 10º e 11º).

5. Os nubentes (C) e (B) casaram um com o outro, civilmente, sob o regime imperativo de separação de bens no dia 23 de Março de 2001, casamento que foi ocultado ao autor, tendo a ré, após o casamento, também ocultado ao último tal situação ( B) fact. ass. e resp. ques. 5º e 8º).

6. Antes do casamento, a ré pretendeu obter junto dos serviços médicos da PSP um...

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