Acórdão nº 3816/2004-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Junho de 2004
Magistrado Responsável | ARLINDO ROCHA |
Data da Resolução | 17 de Junho de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no tribunal da Relação de Lisboa 1. Artistas Unidos-Produção e Realização de Cinema, Teatro e Outros Espectáculos Artísticos, Ldª, intentaram no Tribunal Cível da comarca de Lisboa acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra o Município de Lisboa, em que pedem a sua condenação na quantia de 9.360.248$00, acrescida de juros.
Em síntese, alega que estabeleceu negociações com a Câmara Municipal de Lisboa para a cedência por esta à autora do Teatro Municipal de São Luiz, tendo o acordo ficado estabelecido; porém, na época em que a autora devia poder aceder às instalações, viu-se impedida por encerramento do Teatro.
O R. contestou, alegando que nada deve, pois ofereceu à autora solução alternativa, não tendo esta os prejuízos que invoca.
Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.
No decurso da audiência, pela autora foi requerida a junção aos autos de um documento (uma minuta de protocolo bianual a celebrar com o Ministério da Cultura em 10.1.97).
Essa junção foi indeferida, tendo a autora interposto recurso desta decisão, que foi admitido como agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o R. a pagar à autora nas quantias constantes dos quesitos 5º, 7º e 9º e, ainda, na importância de 3.000.000$00, a título de indemnização por danos morais, com juros, aquela e esta, desde a citação.
O R. não se conformou com esta decisão, recorrendo da mesma para este Tribunal.
Relativamente ao recurso de agravo, a autora formulou as seguintes conclusões: É permitido o oferecimento de prova documental até ao encerramento da discussão em 1ª instância; O indeferimento da junção fundamenta-se numa circunstância formal (falta de assinatura) que não é impeditiva da consideração probatória do documento em causa, não estando o tribunal inibido de lhe atribuir algum valor, nos termos do art. 366º do C.Civil; O documento em causa é relevante para a decisão a proferir e esclarece e comprova os factos constantes dos quesitos 3º e 13º; Ademais, o indeferimento consubstancia uma nulidade processual (art. 201º, nº1, do CPC), na medida em que viola as disposições conjugadas dos arts. 364º, 366º do C.C. e 523º, nº 2, do CPC e é susceptível de influir na decisão da causa.
O R. não contra-alegou.
Quanto ao recurso interposto da decisão final, o R. apresentou as seguintes conclusões: O ofício do Chefe de Divisão configura-se apenas como um acto de administração corrente, preparatório da decisão final, que competia ao Presidente da Câmara; Esse chefe não detém poderes para vincular contratualmente o R.; Razão pela qual, não se mostrando existir no caso concreto a alegada responsabilidade contratual do R., deve a presente acção ser julgada improcedente; A pretensão indemnizatória da A, a existir, só poderia ter lugar em sede de responsabilidade civil extracontratual da autarquia, desde que verificados os respectivos pressupostos; O acto praticado pela Chefe de Divisão, do qual a A sustenta terem decorrido os danos que pretende ver indemnizados pelo R. integra-se no âmbito dos actos de gestão pública; Ora, a competência para conhecer das acções sobre responsabilidade do Estado, dos demais entes públicos, dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes dos actos de gestão pública pertence ao tribunal administrativo e não ao tribunal comum, conforme decorre do disposto na al. h) do nº 1 do art. 51º do E.T.A.F.; Razão pela qual seria este tribunal absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar do pedido, devendo em consequência absolver o R. da instância; A Autora não provou a existência de prejuízos efectivos e o nexo de causalidade entre o dano e o incumprimento do alegado contrato; Consubstancia o pedido da Autora o ressarcimento de alegados danos advenientes das obrigações assumidas com o Ministério da Cultura e com terceiros contratados para a realização dos espectáculos previstos realizar no Teatro S. Luiz; Ora, nenhuma das actividades a que a Autora se vinculou para com o Ministério da Cultura a realizar durante o ano de 1997 e, assim, receber os respectivos subsídios, corresponde àquelas que estavam previstas efectuar no Teatro Municipal S. Luiz e, no que respeita à actividade para o ano de 1998, a Autora apenas estaria comprometida a apresentar o respectivo projecto artístico até 31 de Outubro de 1997; Tão pouco logrou a Autora demonstrar que tivesse assumido compromissos com terceiros em consequência do ofício da Chefe de Divisão da CML, em Agosto de 1996, confirmando a cedência do S. Luiz; Pois, a existência de um qualquer dano ou prejuízo implicaria que a A alegasse e especificasse concretamente quais os compromissos que assumiu com terceiros em consequência daquele ofício e em que momento os assumiu, o que não fez; Necessária à existência do nexo causal entre os danos e o incumprimento do contrato seria a prova pela Autora de que tinha assumido compromissos em relação ao Ministério da Cultura e em relação a terceiros quanto à realização de determinados espectáculos, em determinadas datas, como consequência da expectativa de cedência do Teatro S. Luiz para a realização desses mesmos espectáculos, e que, em virtude do rompimento das negociações, teria sofrido prejuízos, pois encontrava-se obrigada a levar a cabo aqueles espectáculos em virtude dos compromissos assumidos anteriormente com terceiros; Pelo que se conclui que a Autora realizou os espectáculos porque compreendidos no seu programa de acção e não porque a tal estivesse obrigada em virtude de obrigações anteriormente assumidas com o Ministério da Cultura e com terceiros contratados para a realização dos espectáculos previstos realizar no Teatro S. Luiz; Assim, a sentença, ao decidir pela existência de um contrato e pela verificação dos prejuizos em razão do seu incumprimento, incorreu na nulidade a que se refere a al. c) do art. 668º do CPC.
Nas contra-alegações, a autora sustenta que a decisão deverá ser mantida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: A A. é uma sociedade por quotas que tem como objecto social a produção e realização de cinema, teatro e outros espectáculos artísticos (alínea A).
No ano de 1996, a A. e a Câmara Municipal de Lisboa iniciaram negociações com vista à cedência, a título gratuito, pela segunda à primeira, do teatro Municipal São Luiz, para apresentação de vários espectáculos e um seminário, a ter lugar nos anos de 1997/1998 (alínea B).
Na sequência dessas negociações, a R. enviou à Autora o oficio que consta dos autos a fls. 24 que diz o seguinte: "Na sequência da nossa reunião confirmo a cedência, a titulo gratuito, do Teatro Municipal de São Luiz, para apresentação de vários espectáculos, conforme se segue Março/1 a 6 - Ensaios de "O Fim ou Tende Misericórdia de Nós" 7 - Estreia 24 - Desmontagem Fover do Balcão de 1ª Ordem A partir de 11 de Março - 1ª fase do seminário de dramaturgia "Prometeu um" Aguardo marcação da apresentação na Sala Principal Sala Principal 1998 - Fevereiro 5 a 21 - Coriolano; (alínea C).
A cedência do Teatro Municipal de São Luiz era efectuada englobando o pessoal de sala, técnicos de palco, material de iluminação e de som (alínea D).
A Autora apresentou ao Ministério da Cultura um projecto de realizações teatrais para o biénio de 1997/1998, a ser apoiado por aquele Ministério e nos termos do qual a A. assumia a obrigação de realizar os espectáculos referidos, contando com a sala de espectáculos referida (alínea E).
A Ré enviou à A., aos 09 de Set. 96, o oficio que se encontra nos autos a fls. 113, no qual a Ré escreve: "Solicito que entre em contacto com o Chefe de gabinete do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Tomás Vasques, a propósito da cedência do Teatro Municipal de São Luiz, em 1997 e 1998" (alínea F).
No dia 2 de Fevereiro de 1997, a A. soube através da referida Dra. Vanda Freitas que a Ré havia assinado um protocolo com o Teatro Mais, nos termos do qual cedia a este a utilização do Teatro Municipal São Luiz, encontrando-se tal Companhia Teatral já a utilizar as instalações daquele Teatro (alínea G).
Veio a constar à A., em finais de 1996, através de notícias saídas na imprensa e através de pessoas dos serviços da Ré que o Teatro Nacional de São Luiz estaria comprometido e já atribuído a outrem, nas datas referidas (1º da BI).- No dia 16 de Janeiro de 1997, a A. contactou telefonicamente a Ré na pessoa da Sra. Dra. Vanda de Freitas, que lhe referiu que o teatro em causa iria entrar em obras pelo que não seria possível o cumprimento do acordado, solicitando que a A. aguardasse até dia 22 daquele mês ( 2º da BI).
A A. assumiu obrigações com o Ministério da Cultura e em relação a terceiros contratados para a realização dos espectáculos referidos (3º da BI).
No que diz respeito ao espectáculo "O Fim ou Tende Misericórdia de Nós", o mesmo veio a realizar-se numa sala sem habituação de público, a antiga Litografia de Portugal, tendo sido iniciado na Culturgeste 4º da BI).
Tendo a A. suportado os seguintes custos: Arrendamento da sala das antigas oficinas da Rua da Rosa da Litografia de Portugal, no montante de 1.392.300$00 (Um milhão, trezentos e noventa e dois mil e trezentos escudos); Despesas...
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