Acórdão nº 1967/2004-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelVARGES GOMES
Data da Resolução17 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam em conferência neste Tribunal da Relação de Lisboa Relatório 1- Nos autos de inquérito do TIC de Lisboa, em que é arguido, para além de outros, (JR), foi, no dia "29-11-2002 pelas 17.40 horas", aberta "conclusão" ao Senhor Juiz do TIC de Lisboa, nele exarando o seguinte despacho : "Para os devidos efeitos faço consignar o seguinte : Fui contactado telefonicamente pelo Srº Procurador da República da 2ª secção do DIAP o qual me deu conhecimento de que necessitava que me encontrasse presente amanhã, a partir das 09 horas, no Tribunal já que os presentes autos me seriam conclusos para decisão sobre um pedido de mandados de busca o qual tinha de ser decidido de forma célere atento o perigo de perda de prova. Mais me informou o Digno Magistrado que tal contacto se deveu ao facto de estar escalado como juiz para o Tribunal de Turno à comarca de Lisboa no dia 30.11.02.

Face a tal contacto informei o Digno Magistrado que, se entendia que o caso era, de facto, muito urgente, era meu entendimento que o processo deveria ser despachado ainda hoje e que eu próprio o poderia despachar, pese embora a secretaria já estivesse fechada.

Nesta sequência foi-me entregue, em mão o presente processo.

*Quanto às considerações respeitantes à tramitação interna.

Não fora o adiantado da hora o presente processo teria dado entrada na secção central do TIC e sido distribuído por um dos 5 juízos. Considerando a hora tal já não é possível. Aconteceria então que amanhã o processo daria entrada e ser-me-ia concluso para despacho. O resultado, evidente, seria o mesmo : o processo seria sempre por mim despachado.

De uma outra feição sou juiz deste TIC e mantenho a competência necessária para a decisão de processos urgentes (como o presente - note-se que há notícia de que se poderá dar a perda de prova com a edição do jornal Expresso de manhã que vai para as bancas às primeiras horas do dia) até à meia noite de hoje e o facto da secretaria estar fechada não me retira competência funcional e material.

Por tais razões irei proferir decisão sem prejuízo de, em tempo oportuno, o processo ser distribuído no TIC.

" - fls 21 e 22.

Segue-se depois o despacho respectivo.

1.1- Vindo os autos a ser posteriormente distribuídos ao Juízo do TIC, após a competente conclusão, com data de "7/01/03" - fls 24 - neles exarou este Senhor Juiz o seguinte despacho : "Tendo em conta que o presente processo já foi despachado pelo meu Exmº Colega do Juízo deste TIC, Dr.... (cfr fls...) proceda-se ao averbamento dos presentes autos a esse Juízo, dando-se a competente baixa da distribuição do processo ao Juízo.

" - fls 24 dos autos.

1.2- Foram então, naquela mesma data, os autos remetidos "à Secção Central deste TIC nos termos e para os efeitos do douto despacho que antecede", ainda na mesma data ali se dando "baixa de espécie, tendo-se efectuado o averbamento ao Juízo, nos termos ordenados" - fls 24 e vº.

2- É daquele despacho e procedimento, referido em 1.1-, que o arguido e ora Recorrente interpõe o presente recurso, concluindo : 2.1- "1. De iure constituto e a uma interpretação conforme à Constituição, o "instituto" da distribuição, tal como regulado nos art.ºs 209º e sgs do CPC - aplicáveis ao processo penal por força do disposto no art.º 4º do CPP - e decorre em especial do art.º 209-A tem um notório conteúdo de garantia : o de assegurar a aleatoriedade no resultado da distribuição de serviço, entre as diversas "repartições" judiciais de um mesmo Tribunal ; 2. Sendo ainda certo que o referido valor mais não é, sobretudo no âmbito do processo penal, mas também no processo civil, do que a concretização do princípio constitucional vazado no n.º 9 do art.º 32º da CRP : o do "Juiz Legal ou Natural" ; 3. Princípio constitucional este que sempre seria directamente aplicável, como decorre das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2 do art.º 18º da CRP ; 4. O essencial do conteúdo de garantia do assinalado princípio constitucional e, outrossim, da aleatoriedade referida reside no direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, assim se obstaculizando ao aparecimento de jurisdições de excepção, isto é, no direito fundamental a que a atribuição de competência não seja feita a juízos ad hoc, que a sua definição não seja individual ou arbitrária, que não haja lugar a desaforamentos concretos e, portanto, discricionários. Ora, 5. Na espécie dos autos, o processo dos autos foi distribuído ao 5º A Juízo como "inquérito urgente", no âmbito do TIC de Lisboa, designadamente para os efeitos do artº 17º do CPP e mais especificamente para os dos art.ºs 268º e 269º do mesmo diploma. Por isso, 6. Quando o Mmº Juiz Legal ou Natural, por força da distribuição aleatoriamente escolhido em 7/01/03 - o do já falado Juízo do TIC de Lisboa - declinou a sua competência, ordenando de forma arbitrária e destituída de qualquer fundamentação digna desse nome, a "baixa" da distribuição e o averbamento dos autos ao Juízo do TIC de Lisboa, praticou uma gravíssima e enorme ilegalidade consistente na violação dos art.ºs 209º e sgs do CPC e 32º n.º 9 da Constituição, nos quais, pura e simplesmente, o mesmo Ilustre Magistrado Judicial não atentou ; 7. Esquecendo, outrossim, que o princípio da legalidade de toda a repressão criminal é assegurado pelo disposto no art.º 2º do CPP o qual mais não constitui do que a densificação, ao nível do processo penal legislado, do disposto no art.º 29º do diploma fundamental, normas que, igualmente, por força da já referida ilegal actuação judicial resultaram mal-feridas ; 8. E que cabe aos Juizes, como decorre do artº 97º n.º 4 do CPP e 205º n.º 1 da Constituição, o específico dever de fundamentar as suas decisões o que, no caso concreto, também não ocorreu de forma a poder afirmar-se o cumprimento desse ónus. Como assim, 9. Por rectas contas, a atrabiliária remoção do processo para o Juízo nos termos já referidos, concretizou-se num desaforamento concreto do processo e, portanto, discricionário, 10.

Desaforamento este ilícito, por não se ter verificado nas condições referidas nos art.ºs 37º e 38º do CPP 11- O que integra uma versão de gravidade potenciada da nulidade insanável da al. e) do art.º 119º deste compêndio legal. Ora, 12. Perante isto e não podendo fazer-se apelo a qualquer dos números do art.º 38º do CPP, há que aceitar ser a consequência da referida nulidade insanável a decorrente dos n.ºs 1 e 2 do art.º 122º do CPP, 13. E, por conseguinte, considerar que, nos termos do referido n.º 1, o acto da anulação da distribuição é insuperável e irremissivelmente nulo, a mesma consequência cabendo à ordem de remessa dos autos ao Juízo do TIC de Lisboa - o que, de resto, diga-se en passant, mas fazendo-o em abono da verdade, se veio a revelar das mais deletérias consequências, até para a própria pretensão punitiva do Estado e para as garantias dos arguidos. Como assim, 14. E face à circunstância de o desaforamento lícito conhecer uma forma de aproveitamento, sendo caso disso, dos actos praticados pelo Juiz desaforado, ou seja, ante a existência de um regime específico de validação dos actos processuais nas hipóteses de desaforamento (lícito), o qual não se verifica nos casos nos quais essa remoção de competência é mais gravemente subvertora das garantias dos cidadãos, 15. Então há que concluir que todos os actos processuais praticados pelo Senhor Juiz Ilegal e inconstitucionalmente aforado são nulos, 16. O que deve ser declarado, daí se sacando as legais consequências em termos do inquérito, dos actos jurisdicionais praticados no decurso deste e da própria acusação".

2.2- Contrapõe na sua resposta o MºPº concluindo : "1- O recurso interposto pelo arguido não deverá ser admitido, sendo a falta ou irregularidade de distribuição, nos termos do art.º 210º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do art.º 4º do CPP, impugnável mediante reclamação ; 2- O desaforamento pressupõe que um Tribunal com jurisdição e competência funcional, material e territorial para conhecimento e decisão de uma determinada causa, não conheça dela, remetendo a sua apreciação para Tribunal sem jurisdição/competência para o efeito ; 3- O princípio do Juiz Natural ou Legal, com consagração constitucional, tem por finalidade "evitar a designação de um juiz ou tribunal para resolver um caso determinado. As normas, tanto orgânicas como processuais, têm de conter regras que permitam determinar antecipadamente o tribunal que deve intervir em cada caso, em atenção a critérios objectivos ; não é pois admissível que norma...

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