Acórdão nº 221/2004-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelSANTOS MARTINS
Data da Resolução16 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I-Relatório "Joticasa - Sociedade de Construções, L.da" intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra E. Silva, pedindo que fosse/seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento celebrado com a ré, com fundamento na perda da coisa locada, nos termos do disposto no artº 1051º, alínea e) do Cód. Civil, que teve/tem por objecto o rés-do-chão do prédio urbano sito no Largo de .... em Lisboa, bem como a condenação da mesma ré a entregar à autora o locado, livre e devoluto de pessoas e bens.

Para tanto, no essencial e em síntese, alegou que: - É proprietária do prédio urbano sito no Largo de ... em Lisboa, onde se situa o rés-do-chão dado de arrendamento à ré; - Em Outubro de 1997, foi notificada para, no prazo de trinta dias, proceder à realização de obras de beneficiação no prédio, o que não lhe foi possível, por desconhecer quais as obras a realizar e por não possuir os meios humanos disponíveis; - Contratou um técnico que, após efectuar a vistoria, concluiu que o prédio perdeu todas as condições que permitiam o seu uso, constituindo um risco considerável a sua habitabilidade e ainda que "a sua recuperação só é possível se for sujeito a obras estruturais", o que implica a "construção de um prédio novo".

Citada a ré, esta contestou, alegando, em síntese, que: - A fracção autónoma arrendada - o terceiro andar e não o rés-do-chão - localiza-se num prédio centenário, o qual nunca foi objecto de quaisquer obras de conservação, motivo pelo qual apresenta deteriorações e alterações comportamentais, para as quais, a 18/9/90, já havia alertado a A., visando a realização das necessárias obras; - Além disso, deu conhecimento da situação ao Delegado de Saúde, a 16 de Outubro de 1990, e, a 30 de Outubro e 9 de Novembro do mesmo ano, também deu conhecimento da situação à C. M. L. ; - Na sequência dessa informação, a Câmara Municipal organizou o processo nº 78/I/91, no âmbito do qual foi a autora intimada, quer a 14 de Junho/91, quer a 27 de Novembro 96, para fazer obras de beneficiarão geral, com a possibilidade de recorrer ao RECRIA, mas nunca tais notificações foram cumpridas; - A situação invocada pela A. não é de perda do locado e do edifício, mas de graves deteriorações, que, contudo, não inviabilizam a utilização, quer parcial, quer total do locado, perturbando ou afectando, apenas, a utilização da cozinha e da sala, divisões contíguas à rede de esgotos de águas residuais do edifício, oferecendo, contudo, as restantes sete divisões do locado as condições normais de habitabilidade; - Os tectos e paredes da sala e cozinha do locado encontram-se danificados, devido ao mau estado das canalizações/rede de esgotos, com diversas rupturas, que originam infiltrações de águas residuais, provenientes dos lava-loiças e instalações sanitárias dos andares superiores; - Só a negligência e incúria da autora deram origem ao aparecimento de pequenas fendas, através das quais passou a haver infiltrações das águas pluviais, que, necessariamente, agravam o estado de conservação geral do locado e do próprio edifício; - Foi este conjunto de factos que motivou a intimação da autora, pela Câmara Municipal de Lisboa, para proceder às obras de reparação necessárias, no prazo de 30 dias; - As obras que a Câmara Municipal considerou que o prédio carecia não eram de grande complexidade, podendo serem efectuadas no prazo de trinta dias; Concluindo, sustenta, que, para além do imóvel ser considerado de valor histórico e insusceptível de demolição, também não existe perigo de ruína ou impossibilidade de uso do locado, mas, apenas uma situação de degradação, motivada pela falta de obras necessárias, e, como tal, imputável à própria autora, configurando a presente acção abuso de direito.

Na oportunidade, foi elaborado despacho saneador, com a selecção da factualidade considerada assente e organizada a base instrutória.

Procedeu-se ao julgamento, findo o qual, por despacho de fls. 312 a 318, foram dadas as respostas à base instrutória.

Proferida a sentença (fls. 320 e segs.), porque se entendeu não se mostrarem provados os factos necessários e suficientes para poder ser declarada a requerida caducidade do aludido contrato de arrendamento, foi a acção julgada improcedente, com a consequente absolvição da Ré do pedido.

Inconformada com essa decisão, dela apelou a A.

Apresentadas as alegações (fls. 341 a 344), a apelante formulou as seguintes conclusões: a)A perda total do locado foi em 1ª instância plenamente provada, não sendo um facto futuro nem incerto, e encontra-se devidamente fundamentada na própria decisão recorrida; b)A decisão deveria ter sido a de declarar a caducidade do contrato de arrendamento, por perda da coisa locada, de acordo com o previsto nos artºs 66º, nº 1, do RAU e 1051º do Cód. Proc. Civil.

Rematando essas conclusões, pediu a "alteração da decisão do tribunal recorrido, conduzindo tal alteração à declaração da caducidade do contrato de arrendamento, por perda da coisa locada", assim sendo feita justiça.

A apelada apresentou resposta, manifestando-se, em síntese, no sentido da confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentação Sendo o objecto e o âmbito dos recursos limitado pelas respectivas conclusões (no caso ora em apreço, da apelante) - artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do C.P.C. -, com relevância e no essencial, a única questão a resolver consiste apenas em saber-se se, atentos os factos dados como provados, existem ou não fundamentos justificados para que possa/deva declarar-se a caducidade do mencionado contrato de arrendamento, com fundamento na perda da coisa locada.

É a seguinte a factualidade dada como provada pelo tribunal recorrido e que esta Relação também considera assente: 1- A Autora é proprietária do prédio urbano, sito no Largo de .... em Lisboa, inscrito na matriz urbana, sob o nº 28, daquela freguesia (alínea A) da factualidade assente); 2- O prédio acima descrito foi adquirido pela autora em 11/05/84, conforme consta de escritura pública (alínea B) da factualidade assente); 3- Constituem aquele prédio seis fracções, estando o terceiro andar, arrendado à ré (alínea C) da factualidade assente); 4- À data da aquisição do prédio, aquele andar já se encontrava arrendado à ré, cuja posição lhe foi transmitida por morte de seu marido, primitivo inquilino, cujo contrato de arrendamento teve o seu começo a 01.06.1966 (alínea D) da factualidade assente); 5- O valor mensal da renda era, a 08.02.1998, de 2.303$00 (alínea E) da factualidade assente); 6- O prédio que comporta a fracção arrendada à ré foi construído há mais de 150 anos (alínea F) da factualidade assente); 7- A Autora foi notificada pela Câmara Municipal de Lisboa, para proceder a obras de beneficiação do prédio acima identificado, em trinta dias (alínea G) da factualidade assente); 8- A autora foi notificada, a 14 de Junho de 1991, pela Câmara Municipal de Lisboa, para, "na qualidade de proprietária do prédio, sito no...

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