Acórdão nº 9776/2003-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução16 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:I No Processo Sumário do 4.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada, foi proferida sentença, em que, entre o mais, se decidiu: - condenar o arguido (A) como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por 18 (dezoito) períodos (fins de semana) de prisão por dias livres; - declarar perdido a favor dos Estado o veículo de matrícula 95-...-MS, nos termos do artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal.

Da sentença traz o arguido o presente recurso, pedindo que se decrete a suspensão da execução da pena de três meses de prisão e se declare sem efeito a perda da viatura a favor do Estado, para o que formulou, a terminar a motivação, as seguintes conclusões: 1 - A pena aplicada ao arguido é excessiva.

2 - Embora tenha antecedentes criminais pelo mesmo tipo de crime, o arguido encontra-se bem integrado socialmente, tem trabalho fixo, sendo o único que sustenta o seu agregado familiar.

3 - A Meritíssima Juiz a quo valorou os seus antecedentes criminais, pois não o devia ter feito, violando assim o art.º 75.º do C.P.

4 - A aplicação de uma pena curta em nada vem ressocializar, recuperar, formar espiritualmente o arguido, despertá-lo para a consciência da responsabilidade, pelo contrário, virá estigmatizá-lo, despertá-lo para os ensinamentos da prática de crimes resultante do convívio com outros reclusos, sendo sobejamente reconhecido que as prisões são verdadeiras escolas do crime.

5 - Deveria o arguido ter sido condenado numa pena que seria suspensa por um período de 3 anos com a obrigação de frequentar cursos de prevenção rodoviária.

6 - O arguido pouco sabe ler e escrever.

7 - Não foi interveniente em acidente de viação.

8 - A declaração de perda do veículo a favor do Estado foi desproporcionada e excessivamente determinada.

9 - A matéria de facto assente não é bastante para concluir que o veículo automóvel conduzido pelo arguido ofereça sérios riscos de poder ser utilizado por ele no cometimento de novos factos ilícitos típicos, pesem embora os seus antecedentes criminais.

10 - Embora o arguido tenha anteriormente à data dos factos ora em apreço sofrido já duas condenações por crimes de condução sem habilitação legal, a verdade é que não resulta que tenha utilizado para a prática de tais crimes a mesma viatura.

11 - O agente que conduz sem estar legalmente habilitado não utiliza o veículo para cometer um crime, ele, desde logo, comete um crime independentemente da utilização que dê ao veículo.

12 - Na condução sem habilitação legal o uso do veículo não "facilita" a prática do crime, sendo antes um elemento constitutivo do próprio crime.

13 - "Dificilmente o veículo representa por si mesmo perigo para a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública", conforme refere Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários/Pena Acessória e Medidas de Segurança, pág. 71.

14 - Tendo uma natureza análoga à medida de segurança, não sendo aplicável neste tipo de crime a sanção acessória de inibição, conforme vasta jurisprudência, Ac. R.L. de 10 de Abril de 2002, pág. 144, C.J. Ano XXVII, 2002, tomo II "A prática do crime de condução de veículo motorizado, sem possuir licença para o efeito, não é passível de pena acessória", na mesma sequência veja-se o Ac. R.E. de 5 de Março de 2002 C.J. Ano XXVII, de 2002 tomo II, pág. 271, pela mesma razão não será de aplicar o art.º 109.º do C. Penal.

15 - Existe uma enorme desproporção entre o valor da viatura e a natureza ou gravidade do ilícito praticado.

16 - A viatura que o arguido conduzia tem reserva de propriedade.

17 - "A reserva de propriedade vem referida no art.º 409.º do C. C., podendo ser definida como a convenção pela qual o alienante reserve para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento - art.º 409.º, n.º 1" (Direito das Obrigações, pág. 58, Vol. III, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão).

18 - Sendo a viatura pertencente a terceiro, alheia à prática da infracção, não deve ser perdida a favor do Estado, deve sim ser restituída ao seu proprietário.

19 - Não deve ser aplicado o art.º 109.º do C. P., pois existe lei que regula a apreensão de veículo a favor do Estado, D.L. 31/85, de 25 de Janeiro, com as alterações do D.L. 26/97, de 23-1.

20 - Foram violados os art.

os 71.º, 75.,º 109.º do C. P. e o art.º 409.º do C. C., conforme supra especificado.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público, na primeira instância, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, conclui a douta resposta que apresentou do seguinte modo: 1. A pena de 3 meses de prisão substituída por 18 períodos de prisão por dias livres, é a adequada quando, num período de cerca de 3 anos, o arguido sofreu duas condenações anteriores pelo mesmo crime, em penas de multa e de prisão suspensa na sua execução, e vem a cometer novamente o mesmo tipo de crime; 2. Não estão verificados os pressupostos da reincidência nem tal foi considerado na sentença recorrida; 3. A ineficácia de tais anteriores condenações, em termos de prevenção especial, faz com que se verifique in casu, sério perigo que o veículo automóvel do arguido seja por si utilizado em novas infracções da mesma natureza; 4. Está, pois, verificado o condicionalismo previsto no art.º 109.º n.º 1, do CP, pelo que a decretada perda do veículo a favor do Estado tem fundamento legal e é adequada ao caso concreto; 5. O facto de sobre o veículo pender reserva de propriedade registada a favor de terceiro não afasta o facto de tal veículo pertencer ao arguido (que até é o proprietário inscrito); 6. A MM. Juíza fez criteriosa aplicação do Direito, não tendo violado qualquer das invocadas disposições legais.

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Efectuado exame preliminar e corridos os vistos, foi designado dia para a audiência, que teve lugar com observância do rito legal.

IIApreciando:

  1. O recurso versa exclusivamente matéria de direito, incidindo sobre a modalidade da pena de substituição (prisão por dias livres ou prisão com a execução suspensa), por um lado, e, por outro, sobre a admissibilidade e pressupostos da perda favor do Estado do veículo automóvel.

  2. Os factos que se consideram definitivamente fixados, por não ocorrer nenhum dos vícios da decisão a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, são os que a douta sentença impugnada declarou provados, nos termos que se transcrevem: (...) a) No dia 04 de Julho de 2003, cerca das 07:50 horas, o arguido, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 95-...-MS, na Rua Teófilo Braga, freguesia de Santa Clara, concelho de Ponta Delgada, b) Nas mencionadas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido conduzia o identificado veículo, sem possuir carta de condução ou documento que legalmente o habilitasse a...

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