Acórdão nº 4678/2002-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Março de 2004
Magistrado Responsável | SIMÕES DE CARVALHO |
Data da Resolução | 09 de Março de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: No processo n.º 21/98.1PASNT do 3º Juízo Criminal de Sintra, por sentença de 21-12-2001 (cfr. fls. 251 a 288), no que agora interessa, foi decidido: «...Nos termos expostos o Tribunal decide julgar a douta acusação procedente e, em consequência, condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo art. 137° do Código Penal, em conjugação com os arts. 15° do Código Penal e 24º e 25° do Código da Estrada, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 600$00, ou seja, num total de 120.000$00; e ainda na sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir pelo período de 5 meses.
Vai o arguido ainda condenado nas custas (crime) do processo, fixando-se em 40.000$00 o valor da taxa de justiça e em 20.000$00 a procuradoria. Acresce o equivalente a 1% da taxa de justiça fixada, nos termos do n° 3 do art. 13° do DL 423/91, de 30 de Outubro, a reverter a favor do CGT.
*Decide o Tribunal ainda julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado e assim condena a demandada "Companhia de Seguros Tranquilidade" a pagar, a título de indemnização por danos patrimoniais ao demandante cível a quantia de 423.942$00; e a título de indemnização pelos danos não patrimoniais: - 3.000.000$00 pelo dano morte, conjuntamente ao demandante cível e à interveniente principal provocada; - 600.000$00, pelo sofrimento da própria vítima e que antecedeu a sua morte, conjuntamente ao demandante cível e à interveniente principal provocada; - l.000.000$00, pelo sofrimento com a morte da sua mãe, ao demandante cível.
A todos estes valores acrescem juros de mora à taxa legal desde 2/6/2001 até integral pagamento. No mais se absolvendo a demandada do peticionado.
Custas cíveis na proporção do respectivo decaimento, pelo demandante e demandada.
*Mais vai o arguido advertido de que deverá entregar, no prazo de 10 dias sobre o trânsito em julgado da presente decisão, na secretaria deste tribunal, a sua carta de condução, bem como qualquer documento que o legitime a conduzir veículos motorizados na via pública, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência; bem como se deverá abster de no período e condições fixadas conduzir qualquer veículo motorizado.
Remeta Boletins à DGSJ e comunique à DGV.
Notifique. ...
».
O arguido (A) e o demandante cível (E) não aceitaram esta decisão e dela recorreram (cfr. fls. 318 a 330 e 346 a 353), extraindo da motivação as seguintes conclusões: I - Do arguido (A) «I -. Verificou-se erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do número 2, al. a) e al. c) do art.° 410.° do Cód. Proc. Penal, porquanto: A) Não obstante não se ter provado que o arguido seguisse em excesso de velocidade ou que o embate tenha ficado a dever-se exclusiva ou essencialmente à velocidade que o arguido imprimia ao seu veículo, concluiu o Tribunal a quo que o arguido violou os arts. 24.° n.° 1 e n.° 3 e 25.° n.° 1 c) e d) do Código da Estrada.
A.1) De resto a d) do referido art.º 25.° alude a "aproximação de aglomerações de pessoas ou animais", não tendo ficado provado ser esse o caso.
B) O facto de ser noite no momento em que ocorreu o embate deveria ter sido apreciado no sentido de se considerar a visibilidade mais reduzida, não obstante a boa iluminação da via, tal como resulta dos dados da experiência.
C) Apesar de a testemunha (C) ter sofrido, no lapso temporal de três semanas, que mediou as primeira e segunda sessões do julgamento, de esgotamento nervoso, que a impediu de depor na segunda sessão, não deveria o Tribunal a quo ter olvidado o seu depoimento prestado na primeira sessão, porquanto o problema superveniente de saúde em nada o afectou, já que em nada é contraditório com o depoimento prestado pela mesma testemunha, às autoridades policiais, na fase de inquérito, sendo igualmente consonante com o depoimento do arguido.
D) Referindo a testemunha (D) que apenas viu a vítima quando esta atravessava, a passo, por entre os veículos que se encontravam imobilizados em fila compacta, no sentido oposto ao que o arguido seguia, e que só voltou a olhar para a vítima posteriormente, quando ouviu o chiar dos travões, não pode daqui extrair-se que tal testemunha observou todo o percurso da vítima e concluir-se que a mesma atravessou, não a correr, mas sempre a passo, como fez o Tribunal a quo.
D.1) Afirma-se ainda na douta sentença recorrida, referindo-se ao depoimento de (D), que "tal testemunho isento confirmou também a parte do veículo do arguido que embateu na vítima, parte em que o seu depoimento foi confirmado pelo de todas as demais testemunhas ouvidas...", não se percebendo a que "demais testemunhas ouvidas" se faz referência, já que, para além da testemunha (D), existe apenas mais uma única testemunha presencial - (C) - cujo depoimento foi ignorado! E) O Tribunal a quo olvidou o contributo da vítima para a produção do acidente, irrelevando os deveres que as regras estradais impõem aos peões na travessia de vias destinadas a veículos, designadamente o dever de certificação de que a travessia pode ser efectuada sem perigo de acidente, o que, é manifesto, por óbvio, a vítima não fez, pois se era exigível ao arguido que a visionasse, também à vítima se impunha o dever de visionar o veiculo e de, consequentemente, não efectuar a travessia, perante a circulação daquele.
E.1) Provado que a vítima saiu de entre os carros que se encontravam imobilizados na faixa contrária, (o que faz com que ao sair de entre eles já se apresente na faixa onde circulava o arguido) e que era noite, não se deveria, como fez o Tribunal a quo, ter concluído pela exigibilidade de o arguido visionar a vítima a tempo de evitar o embate.
F) O Tribunal a quo deveria ter apreciado a travagem que arguido efectuou para evitar o embate, como sendo a manobra que lhe era exigível e possível naquelas circunstâncias, sendo-lhe inexigível que, para além disso, desviasse o veículo para a esquerda.
F.1) O facto de a vítima se encontrar em movimento, do lado esquerdo para o lado direito, não se encontrando estática, aliado ao facto de tudo se desenrolar em fracções de segundos, inibiu o arguido de não guinar o volante para a esquerda, direcção de onde a vítima vinha, por receio de a atingir.
F.2) O instinto natural nestas circunstâncias é o de travar e, quando muito, desviar o carro para o sentido oposto àquele de onde a pessoa vem, in casu direita e não esquerda, como resulta dos dados da experiência.
F.3) Qualquer condutor médio colocado naquelas circunstâncias, confrontado a travessia súbita de um peão que surge à sua frente, saído de entre os carros imobilizados, teria dificuldade em evitar o embate.
F.4) Seria de acolher a conclusão formulada pelo Tribunal a quo, da exigibilidade de o arguido guinar o veículo para a esquerda, se a vítima se encontrasse imobilizada, constituindo um obstáculo a contornar.
G) O Tribunal a quo considerou o relatório policial apenas relativamente à parte do veículo que embateu na vítima, ignorando o seu restante conteúdo, designadamente a restante descrição fáctica do acidente, a qual confirma a versão dos factos apresentada pelo arguido e pelo depoimento inconsiderado da testemunha (C).
II) Verifica-se insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, não se podendo extrair da mesma, pelas razões expostas, que "agiu livre e conscientemente, não tomando assim as necessárias cautelas ao conduzir num local onde sabia ser maior o risco de se lhe depararem peões, não tendo previsto, como podia, as consequências de tal acto..." III) A sentença recorrida violou, assim, o princípio in dúbio pro réu e o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.° do Cód. Proc. Penal, ao inconsiderar as supra referidas regras de experiência comum, condenando o arguido com base em meras presunções e deduções.
IV) O arguido deverá ser absolvido da prática do crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo art.º 127.° do Cód. Penal, em conjugação com os arts. 15.° do referido diploma legal e 24.° e 25.° do Cód. da Estrada, pelos quais vem acusado.
V) Porém, não se entendendo assim, o que por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá que o Tribunal a quo, na fixação do quantum da sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir não adequou verdadeiramente o disposto nos arts. 71.° e 72.° do Cód. Penal à factologia provada.
A) Tendo em conta, a experiência profissional de taxista do arguido, por mais de 50 anos, a provecta idade do mesmo, o decurso de quase 4 anos sobre a data dos factos, a inexistência de antecedentes criminais, o ambiente familiar estruturado em que se insere e a sua personalidade (pessoa pacata, bem considerada e estimada na sua comunidade de amigos, vizinhos e conhecidos), deveria a pena acessória de inibição de conduzir ser fixada em apenas um mês ou, pelo menor, período mais curto do que o fixado.
Nestes termos, nos melhores de direito, deverá a douta sentença recorrida ser substituída por acórdão em que se conclua pela absolvição do arguido relativamente aos referidos crime e contra-ordenações por que vem acusado ou, mantendo-se a decisão recorrida, seja o quantum da sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir ser reduzido para um mês ou para período inferior ao fixado, com o que se fará JUSTIÇA.».
II - Do demandante cível (E) «a) O montante de uma indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado, nos termos do art. 496°/3/1a parte do CC, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, nomeadamente a extensão e gravidade dos danos, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado, assim como a todas as outras circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, indicadores de entre os quais sobressai especialmente o grau de culpa do agente; b) A vida humana é um bem sempre de igual valia, não valendo em...
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