Acórdão nº 6821/2003-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Janeiro de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | CARLOS ALMEIDA |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1 - O arguido F. foi julgado no Tribunal Judicial da Comarca de Cascais e aí condenado, por acórdão de 7 de Maio de 2003: - como autor de um crime de homicídio simples p. e p. pelos artigos 131º, 72º, nº 2, alínea b), e 73º do Código Penal na pena de 7 anos de prisão; - como autor de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, conduta p. e p. pelo artigo 1º, nº 1, alínea b), e nº 2, e artigo 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, na pena de 4 meses de prisão; - em cúmulo, na pena única de 7 anos e 2 meses de prisão.
Nessa peça processual considerou-se provado que: «1 - 0 arguido e o B. mantinham más relações desde que o arguido namorou uma irmã e, posteriormente, uma prima do B., sendo que não podiam frequentar os mesmos locais sem que o B. começasse a provocar o arguido, verbalmente.
2 - Desde há cerca de dois anos a situação agravou-se, em virtude de o B. ter fantasiado que o arguido mantinha um relacionamento amoroso com a sua companheira.
3 - Durante algum tempo o B. deixou de perseguir o arguido, até à data em que este sofreu um acidente de viação, ficando incapacitado, por ter fracturado um braço e uma perna, ficando com dificuldades na marcha, coxeando, necessitando de nova intervenção cirúrgica.
4 - O B., a partir dessa altura, sempre que encontrava o arguido, nomeadamente no café de C., procurava provocá-lo, chamando-lhe coxo, chegando a dar pontapés na canadiana de que o arguido necessitava para se deslocar, por forma a que este ripostasse.
5 - O arguido não respondeu às provocações do B., tentando evitá-lo, tendo mesmo decidido sair daquele Bairro, para evitar tais confrontos.
6 - Para o efeito, arrendou uma casa em S. Domingos de Rana, para onde pensava mudar-se em breve.
7 - No dia 9 de Junho de 2002, pelas 20 horas e 45 minutos, depois de chegar de uma excursão a Torres Vedras, o arguido dirigiu-se para a sua residência, sendo que, porque nem os pais, nem o irmão aí se encontravam, decidiu sair novamente.
8 - Quando o arguido estava a sair de casa, pela porta lateral, surgiu o B., perguntando-lhe agressivamente "aqui há passagem ou não?", pelo que o arguido se encostou, para que aquele passasse.
9 - O B. não ficou por aqui, pois uma vez mais, em tom ameaçador, disse ao arguido "você sabe que está coxo?".
10 - O arguido não respondeu e, quando aquele se dirigiu para o carro e arrancou, o arguido, aliviado, começou a andar em direcção a uma espécie de beco que leva a uma ruela muito estreita, com cerca de um metro de largura, que conduz ao exterior do Bairro.
11 - Só que, e porque o B. decidiu envolver-se em contenda com o arguido, estacionou o veículo fora do bairro e foi esperar por este na ruela, à saída do beco.
12 - Assim quando o arguido entra na ruela, surge-lhe pela frente o B..
13 - Já no beco, o B. e o arguido travaram luta corporal, no decurso da qual o B. desferiu ao arguido murros e pontapés, empurrando-o contra a ruela até chegar ao beco.
14 - Uma vez aí, agarrou o arguido pelo braço que este havia fracturado e mandou-o para o chão, colocando-se por cima dele, travaram luta corporal, no decurso da qual lhe provocou luxação ao nível do ombro esquerdo e provocando-lhe ainda escoriações na face posterior do cotovelo direito e na face anterior de ambos os joelhos, lesões que determinaram ao arguido 85 dias de doença, sendo 75 dias de incapacidade para as actividades normais.
15 - No decurso da luta corporal travada entre ambos, o arguido decidiu então tirar a vida a B..
16 - Para isso empunhou uma pistola de calibre 6,35 mm de que vinha munido e cujas deflagrações sabia serem aptas a causar as mais graves lesões na saúde das pessoas contra as quais fossem efectuadas.
17 - O arguido efectuou três disparos com a dita pistola.
18 - Um dos três atingiu o peito de B..
19 - O projéctil foi disparado com a arma perpendicular à superfície do corpo e a uma distância compreendida entre 1 cm e 75 cm.
20 - O projéctil descreveu um trajecto horizontal/transversal pelo corpo da pessoa atingida.
21 - O projéctil causou uma ferida perfurante com orifício de entrada no hemitórax esquerdo, dois centímetros abaixo do mamilo, de orifício circular com 3 mm de diâmetro, de bordos regulares circundado por orla regular e circular, escura, de contusão.
22 - Este orifício é continuado por trajecto canalicular que atravessa o quinto espaço intercostal e segue até ao ventrículo direito perfurando-o junto ao bordo direito.
23 - O coração sofreu hemopericárdio e perfuração.
24 - A ferida do coração foi causa de hemorragia (hemopericárdio) e conduziu a grave situação de hipovolémia, o que deu adequada e directamente causa à morte.
25 - O arguido visou a zona do coração por saber que a mesma contém órgãos essenciais à vida e de difícil defesa, ciente de assim causar, como causou, a morte.
26 - O arguido sabia que a detenção de armas de fogo está sujeita a registo e que o respectivo uso está limitado pela lei às pessoas que são titulares de licença para tanto.
27 - Nunca registara a arma e sabia que não era titular de licença para usá-la.
28 - Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
29 - Os invólucros das três munições foram depois encontrados no local, desconhecendo-se o destino de dois dos projécteis.
30 - Compareceu no local uma equipe dos Bombeiros Voluntários de Carcavelos e outra do CODU - Centro de Orientação de Doentes Urgentes de Lisboa do Instituto Nacional de Emergência Médica que procedeu à transferência de José Santos Mendes para o Hospital Distrital Condes de Castro Guimarães, em Cascais.
31 - 0 médico de urgência móvel prestou tratamento ao doente mas durante o trajecto verificou-se o falecimento do mesmo.
32 - A pistola usada pelo arguido foi por ele lançada ao solo enquanto corria e se afastava do local, e nunca foi recuperada.
33 - Outrossim, foram recuperados no local da ocorrência o bilhete de identidade, o telefone móvel, o relógio de pulso, a agenda telefónica e a autorização de residência do arguido.
34 - Em consequência da luta corporal travada com o B., o arguido F. sofreu luxação do ombro esquerdo, bem como duas escoriações da face posterior do cotovelo direito e na face anterior de ambos os joelhos, lesões que determinaram um período de 85 dias de doença, sendo os primeiros 75 com incapacidade para as normais actividades.
35 - Atingiu o mais alto grau de curabilidade e há que extrair material de osteossíntese.
36 - Por razão de ter efectuado as referidas deflagrações, o arguido apresentava na sua mão direita partículas características dos disparos com composição compatível com a composição das partículas das cápsulas de balas encontradas no local.
37 - O arguido vivia com os pais e com a filha, de 12 anos de idade, que se encontra exclusivamente aos seus cuidados desde 1 ano de idade.
38 - O arguido exercia a profissão de pedreiro, por conta própria, auferindo, à data, a média de 100.000$0 a 200.000$00 mensais.
39 - Após o acidente de viação, ficou de baixa médica, em convalescença.
40 - Tem a 4ª classe.
41 - Era considerado no meio em que vivia e nas relações profissionais como uma pessoa calma e pacata.
42 - Por sentença de 15/2/02, proferida no Proc. Sumaríssimo nº 376/01, do 2° Juízo Criminal de Cascais, foi o arguido condenado pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo disposto nos artigos 1º, nº 1, da Lei nº 22/97, de 27/6, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 800$00, no montante de 40.000$00, com a prisão subsidiária de 40 dias de prisão».
Simultaneamente, o tribunal considerou como não provado, nomeadamente, que: «A - Um dia, tomado pelos sentimentos de ciúme e raiva, o B. entrou pela casa do irmão do arguido, F., puxou aquele para a rua pelo pescoço e agrediu-o com um murro.
D - Já no beco, o B. partiu-lhe o braço, e por isso o arguido, cheio de dores no braço, pela violência da agressão a que estava a ser sujeito, vendo-se na impossibilidade de se defender por ter o braço partido, pediu ao B. para parar, gritando por diversas vezes "larga-me que me matas", porém aquele não fez caso de tal pedido e continuou, mais uma vez, com as ditas agressões.
E - Foi neste momento que, num estado de desespero extremo, o arguido se lembrou que tinha trazido consigo a pistola, e, para se defender, para conseguir afastar o B., que, a esta altura, já lhe tinha provocado para além de outras escoriações e hematomas, luxação do ombro, pensou em empunhá-la, por forma a assustar aquele, para se defender.
F - Pelo que, o arguido levou a mão ao bolso direito, para tirar a referida arma.
G - O B., ainda em cima do arguido, ao aperceber-se da existência da pistola, tentou tirar-lha, torcendo-lhe os pulsos, sendo nesta altura, que aquela se vai disparando, quando ambos lutavam pela sua posse.
H - Seguidamente. o arguido, em estado de choque e assustado, apercebendo-se de que o B. já não estava em cima de si, aproveitou para fugir, sem saber ao certo se os disparos o tinham atingido ou não, estava com medo e só queria sair dali.
L - Nunca o arguido intencionou matar o B., apenas pretendendo assustá-lo, por forma a que aquele parasse com as violentas agressões que lhe estava a infligir.
M - Mas, porque ambos estavam caídos no chão e lutavam corpo a corpo pela posse da arma, esta foi-se disparando».
2 - O arguido interpôs recurso desse acórdão.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões: «A) o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na...
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