Acórdão nº 9876/2003-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Dezembro de 2003

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução11 de Dezembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. "Isopol - ---, L.

da, com sede na Rua Central da Naia, ---, Cesar, Oliveira de Azeméis, intentou, no 10º Juízo Cível de Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo sumário, para pagamento de quantia certa, contra "G. - Companhia de Seguros, S.A.", com sede na Avenida ---, Lisboa, pedindo que, julgada procedente a acção, se condene a Ré a pagar-lhe a quantia de Esc: 2.699.864$00, acrescida dos juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, ser uma empresa que se dedica à actividade de projecção e injecção de poliuretanos, poliestirenos, realização de impermeabilizações, isolamentos acústicos e etars, para além de proceder à venda de equipamentos para tratamentos de afluentes para suinicultura.

Tais actividades estão centralizadas na sua sede em Cesar, mas a prestação dos seus serviços é concretizada essencialmente em diferentes locais do País.

No âmbito daquela actividade, a autora, no mês de Janeiro de 1999, estava a prestar os seus serviços num edifício em construção, sito na Póvoa de Lanhoso, tendo para isso, nesse local, três objectos, no valor de cerca de Esc: 3.000.000$00.

Na noite de 8 de Janeiro de 1999, tais objectos foram subtraídos daquele local por desconhecidos.

Naquela data, a autora tinha válido e em vigor um contrato de seguro de danos vários celebrado com a ré, titulado pela Apólice n.º 97018617, abrangendo tal contrato de seguro o risco de furto qualificado sobre aqueles objectos.

A razão de ser que motivou a realização daquele seguro tem que ver com as especificidades dos serviços realizados pela autora, que foram sempre do conhecimento da ré, a qual, na peritagem por si efectuada, atribuiu aos objectos subtraídos o valor de Esc: 2.699.864$00, já deduzido do valor da franquia no valor de Esc: 250.000$00, pelo que a Ré tem de indemnizar a autora por aquele montante.

A ré contestou, impugnando a factualidade vertida na petição inicial.

Alegou, ainda, em síntese, que, no contrato de seguro, ficou estabelecido que o local do risco era a Rua Central da Naia, Cesar, em Cesar e que o alegado furto dos objectos ocorreu em local diverso daquele que foi indicado pelo tomador do seguro, aquando da celebração do contrato, como sendo o local do risco, pelo que aquele furto não está coberto pelo contrato de seguro em análise.

Conclui, pedindo a improcedência da acção e, em consequência, a absolvição do pedido.

A autora respondeu, concluindo que a acção deve ser julgada procedente.

Foi proferido despacho saneador, consignados os Factos Assentes e elaborada a Base Instrutória.

Prosseguindo os autos, procedeu-se a julgamento da matéria de facto, cuja decisão não sofreu qualquer reclamação, tendo, de seguida, sido proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a ré do pedido.

Inconformada, apelou a autora, finalizando a alegação, com as seguintes conclusões: 1ª - A decisão em recurso encerra lapsos de natureza jurídica susceptíveis de ponderação através do presente recurso, além de nos permitir raciocinar sobre qual o sentido último das decisões judiciais.

  1. - A prática da justiça não se faz apenas nos limites da formalidade cega esquecendo, como no caso dos autos, o ser patente e manifesto que a menção escrita do local de risco não corresponde à real vontade das duas partes (seguradora e segurado) e que a seguradora sempre tenha aceite uma realidade diversa até à sua intervenção judicial.

  2. - Tendo resultado provado, entre outros factos de relevância, que, no momento da contratação do seguro, este abrangia os vários locais onde a autora trabalha e não apenas a menção da sua sede.

  3. - Face aos factos provados, há uma disparidade entre a improcedência da acção e a real vontade de ambas as partes na contratação, cujo resultado final, juridicamente válido, terá de ser a condenação da ré.

  4. - Pela consideração da não obrigação deste tribunal em vincular-se a uma menção escrita acessória e desconforme com a vontade das duas partes, ou, em alternativa, se assim não se entender, vir a obter-se a condenação da Ré com base no instituto do abuso do direito.

  5. - Não se discute que na apólice dos autos se menciona o local de risco como sendo em Rua Central da Naia, Cesar. No entanto, dúvidas não devem existir no sentido de que o contratado pelas duas partes tinha e teve a finalidade de o seguro abranger os vários locais onde a autora executava os seus serviços.

  6. - Os factos provados não se resumem a mencionar a fase pré - contratual, referindo-se também à vontade das partes aquando da celebração do contrato e mesmo depois dele.

  7. - A menção escrita do local onde funciona a sede da autora, como sendo o local de risco, teve pois para as partes, seguramente para a autora, um sentido não restrito, mas abrangente. Tratava-se da simples menção do local da sede, por mero preenchimento, mas com um alcance interpretativo mais vasto.

  8. - A simples conjugação da denominação social da autora e dos objectos seguros faria com que qualquer pessoa de boa fé, como tem de se entender ser a pessoa da ré, compreenderia que a menção do local de risco, como sendo, apenas, exclusiva e imperativamente a sede da seguradora, seria algo não pretendido pela autora e um claro logro caso se entendesse dever sair dos ditos planos da boa fé.

  9. - A ré nunca colocou em causa que em abstracto a sua responsabilidade existia, só não tendo aceite responsabilizar-se pelo ressarcimento dos prejuízos causados à autora pelo sinistro porque entendia, segundo a própria referiu, que a participação não se enquadrava na cobertura do furto qualificado.

  10. - Apesar de as duas partes terem negociado e contratado um seguro, que ambos pretenderam pudesse operar nos vários locais onde a autora trabalhasse, sendo esta a razão de ser desse mesmo seguro, sabendo a ré que essa característica era a vontade de a autora, apesar disto, a menção escrita referia apenas a Rua Central da Naia, em Cesar, ficando no entanto ambas as partes com a convicção de que essa menção não tinha o efeito limitativo agora vertido na sentença, mas sim que o mesmo dizia o que dizia mas abrangia os vários locais onde a autora trabalhava.

  11. - A Ré, antes e depois do contrato, comportou-se como sendo essa a vontade comum e nunca colocou em questão, até à sua contestação, que a sua responsabilidade pudesse não existir fruto dessa menção escrita - carta do n.º 23 dos factos provados.

  12. - Perante este circunstancialismo o entendimento vertido na douta sentença foi no sentido de, apesar de tudo isto, a formalidade da contratação do seguro não ser susceptível de outra prova, uma vez que a apólice do seguro ser uma formalidade ad substantiam.

    E como tal todas as demais estipulações verbais acessórias são nulas. A autora discorda respeitosamente.

  13. - Há que distinguir entre o que são cláusulas essenciais do contrato e o que são cláusulas acessórias.

  14. - Entende a autora que a menção do local de risco, no caso dos autos, não é essencial mas sim acessória, não constando aliás das menções vertidas no artigo 426º do Código Comercial.

  15. - Como acessória que é podia nem sequer ter constado da apólice, o que a suceder não levaria à nulidade da contratação em questão.

  16. - E assim sendo, nenhum impedimento deverá existir quanto ao facto de se provar que a vontade das partes é diferente do vertido no documento.

  17. - A menção do n.º 4 do parágrafo único do artigo 426º do Código Comercial não se refere necessariamente ao local de risco referindo-se, sim, ao tipo de risco, por exemplo se é um furto, se é a tempestade, ou qualquer outro, não devendo interpretar tal artigo com a exaustão que a sentença pretende.

  18. - Ao concluirmos que a menção do local de risco não é obrigação específica do contrato, concluiremos também que não é exigida a forma escrita para acordar esse mesmo resultado.

  19. - Ou seja devemos concluir que a existência do preciso contrato que se encontra nos autos, sem qualquer menção ao local de risco, seria um contrato válido e não violava qualquer regra de exigência de forma escrita.

  20. - O que não impedia nem impediu de se aplicar a tal cláusula acessória a forma escrita, porque as partes assim o querem, mas não por imposição legal.

  21. - E assim sendo, nos termos do artigo 222º do Código Civil, demonstrado que está que a menção escrita do local de risco não corresponde à vontade da autora, deve acolher-se a interpretação que resulte dessa vontade dada como provada.

  22. - A qualidade da natureza da apólice do seguro como sendo ad substantiam em nada afecta a específica menção que nestes autos se discute (o local de risco), pois que a própria lei pretendeu distinguir, apesar dessa formalidade, o que é relevante e o que não é, o que é essencial e o que é secundário.

  23. - Independentemente do que atrás se disse e de tudo quanto se plasmou na sentença, outras regras existem que nos impõem uma interpretação dos factos diferente da decidida.

  24. - É do senso comum, para qualquer cidadão de boa fé, para um qualquer bom pai de família, que face a todos os factos dados como provados, face ao conhecimento da ré da pretensão da autora na realização do seguro, face à actividade da autora, face ao equipamento do seguro, face à posição apresentada pela ré previamente à existência desta acção, onde nunca colocou quaisquer ressalvas desta natureza, pelo contrário, que o resultado obtido por esta acção repugna o senso da justiça.

    26ª - Tal absurdo final não tem...

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