Acórdão nº 6591/2003-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução28 de Outubro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

A propôs contra M acção declarativa de condenação (despejo), com processo ordinário.

Para tanto, o A. invoca a qualidade de proprietário de um conjunto de armazéns situado em Sintra Desse conjunto, os armazéns assinalados pelos nºs 1, 2, e 5 foram dados de arrendamento pela antiga proprietária, mãe do ora A. a quem este sucedeu por morte, a S.

Os estabelecimentos que a arrendatária S tinha istalados nos referidos armazéns vieram a ser penhorados pela Repartição de Finanças de Sintra e adquiridos por E, que, por via dessa aquisição, ficou constituída na qualidade de locatária desses espaços.

Entretanto, a partir de 1/7/95, E deixou de pagar quaisquer rendas pela utilização dos aludidos armazéns, as quais se cifravam então em 42.009$00 para o armazém nº 5 e em 59.096$00 para os armazéns nºs 1 e 2 conjuntamente, não tendo sido posteriormente objecto de aumento.

Por ofício de 16/12/99 da 1ª Repartição de Finanças de Sintra, o A. veio a tomar conhecimento que, em 11/11/99, os estabelecimentos da E sitos nos armazéns em causa haviam sido penhorados no âmbito de uma execução fiscal.

Por requerimento que deu entrada em 30/12/99 na mesma Repartição de Finanças, o ora A. comunicou que as rendas devidas pela ocupação dos referenciados armazéns não eram pagas desde Julho de 1995 e que tal situação constituía fundamento de despejo.

Em 6/4/2000, o A. comunicou à referida Repartição de Finanças que se mantinham em atraso todas as rendas até esse mês.

Por fim, o A. veio a ser notificado da aquisição pela ora R. do estabelecimento sito nos armazéns nºs 1 e 2.

Na sequência dessa aquisição, a R. comunicou ao A., por carta datada de 27/6/2000, que adquirira o estabelecimento e solicitou a emissão de recibos em seu nome, ao que o A. respondeu, em 3/7/2000, comunicando o valor da renda, o local de pagamento e as rendas que se encontravam em dívida.

A R. enviou ao A. a quantia correspondente a uma renda e ao valor que disse ser de caução, num total de 100.464$00, pagamento esse que o A. devolveu, por se encontrarem rendas anteriores em dívida.

Em 27/7/2000, o A. foi notificado do depósito pela R. na CGD da quantia de 150.695$00, englobando uma renda (sem indicar o mês), caução e indemnização no valor de 50%.

Tendo em atenção que o senhorio tem o direito de recusar o recebimento das rendas, nos termos do art. 1041º nº 3 do CC, enquanto houver rendas em atraso, o depósito da renda é, nas circunstâncias em que foi efectuado, irrelevante. Considera o A. que a situação descrita é de molde a justificar a resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, no momento e local próprios, ou de depósito liberatório, nos termos do art. 64º al. a) do RAU.

Em termina o autor pedindo: A) que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento relativo aos referidos armazéns nº 1 e 2, por falta de pagamento das rendas vencidas no ano anterior à propositura da acção, isto é desde Agosto de 1999; B) a condenação da R. no pagamento à A. das rendas vencidas desde 1/7/95 e não pagas até à entrega do arrendado, as quais, até Agosto de 2000 inclusive, somam 3.723.048$ C) A declaração do depósito de rendas efectuado pela R. como insubsistente e irrelevante.

** A R. contestou, sustentando, no essencial, que, com a aquisição da posição da arrendatária dos armazéns em causa, não se lhe transmitiu o passivo da anterior locatária.

Tal transmissão, defende a R., só ocorre quando o adquirente tenha assumido a obrigação de pagamento do passivo, o que não sucedeu no caso em apreço.

Portanto, a R., por via da aludida aquisição, não ficou constituída devedora das rendas anteriormente vencidas, que a primitiva arrendatária tenha deixado de pagar e que só a esta podem ser exigidas.

Assim sendo, não assistia ao A. o direito de recusar a renda cujo pagamento lhe foi oferecido pela R., pelo que esta, em face dessa recusa, procedeu ao depósito das rendas na CGD conforme lhe incumbia.

Conclui, pugnando pela improcedência da acção e pela sua consequente absolvição do pedido.

O A. impugnou os depósitos efectuados pela ré.

No despacho saneador foi a acção julgada improcedente e a ré absolvida do pedido.

Desta decisão recorreu o autor, que formulou as seguintes conclusões: 1 - O recorrente formulou, na acção dois pedidos distintos: - um primeiro, na condenação da recorrida inquilina na resolução do contrato de arrendamento de dois armazéns, titulado por escritura de 1 de Setembro de 1978, de que a recorrida passou a ser titular por aquisição do estabelecimento comercial, em que se integravam, por venda judicial em junho de 2000, como fundamento quer na falta de pagamento de rendas após a venda judicial, quer por o posterior depósito delas não ser liberatório, já que a oferta de pagamento de rendas pode ser licitamente recusada pelo recorrente senhorio, como o foi, nos termos do art. 1041º nº 3 do código civil, por existirem rendas em divida, ainda que devidas pelo inquilino trespassante: - Outro, na condenação da actual inquilina no pagamento das rendas vencidas e não pagas até à data da venda judicial (e naturalmente nas rendas posteriores) de que passou a ser devedora em virtude de ter adquirido o estabelecimento, abrangendo tal arrendamento, por trespasse ou por venda judicial (artº 115º do RAU) estando tais rendas nele incluídas...

2 - Os pedidos são distintos e autónomos um do outro, e envolvem questões diferentes, que todavia a sentença recorrida não considerou e decidiu apenas um.

3 - A aquisição de um estabelecimento em processo executivo reconduz-se no essencial e para o que caso interesse , à figura negocial do trespasse.

4 - Mesmo que se admita que com o trespasse não houve transmissão do passivo, a verdade é que, infringindo o inquilino o contrato de arrendamento, a transmissão da sua posição contratual de inquilino não impede o senhorio de obter a resolução do contrato de arrendamento, com base em infracção anterior a sua transmissão.

5 - No que respeita especificamente ao pagamento das rendas, este é a primeira e principal obrigação do inquilino, é o direito mais importante do senhorio, é essencial e estruturante do próprio contacto de arrendamento.

Por isso, no caso da infracção ao arrendamento constituir falta de pagamento de rendas, a lei foi mais longe, conferindo não só essa possibilidade de reacção pela acção de despejo, mas também conferindo ao senhorio expressamente, o direito de se poder opor ao recebimento de novas rendas, se outras anteriores estiverem em falta (artº 1041º, nº 3 do CC).

Tal direito é válido para qualquer inquilino titular do arrendamento, pois a lei não o restringiu 6 - No caso de cedência, por trespasse, ou venda judicial, como é óbvio e por definição, tal direito do senhorio só é materialmente oponível e só tem como destinatário, o cessionário, o transmissário.

De outra forma seria mesmo um contra-senso o senhorio ser obrigado a aceitar as rendas do novo inquilino, o trespassário, e simultaneamente ter o direito de fazer extinguir o mesmo contrato de arrendamento que passou a cumprir por falta de pagamento de rendas anteriores, do trespassante, quando a lei, justamente, lhe permite recusar o recebimento de novas rendas por as anteriores estarem em falta...

Não pode entender-se que o mesmo contrato de arrendamento, mantendo o mesmo titular, o senhorio, se tem como cumprido ou não cumprido, quanto ao pagamento das rendas, consoante o outro contraente, o inquilino, for um, o transmitente, ou for outro, o transmissário.

É o próprio contrato em si que é que se tem por cumprido ou não cumprido, independentemente do inquilino que é em dado momento o titular.

7 - A possibilidade de o senhorio recusar o recebimento de rendas pelo novo inquilino decorre ainda do facto de ele ser um sucessor do transmitente que adquire um contrato não cumprido e com características que ele possuía, como tem sido decidido pelo STJ, pelo seu Acórdão de 10.05.1988, sumariando na Tribuna da Justiça, nº 34, pag. 42, que "transmitido o direito ao arrendamento por trespasse, o adquirente sucede ao transmitente, mantendo o arrendamento todos os vícios de que porventura venha inquinado".

Igualmente "transferido por trespasse o estabelecimento comercial, a posição de arrendatário transmitiu-se para o trespassário tal como ela existia no trespassante, portanto com todos os direitos e deveres" (acórdão da Relação do Porto de 26.09.91, BMJ...

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