Acórdão nº 1227/2006-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Abril de 2006 (caso NULL)
Magistrado Responsável | JORGE LEAL |
Data da Resolução | 20 de Abril de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Manuel … e consorte Maria …, intentaram, contra José …, nas Varas de Competência Mista Cível e Criminal do Funchal, acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, invocando, em síntese, o seguinte: Os Autores são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano sito …, Funchal, cujas características indicam, bem como de uma sexta parte de uma parcela ou faixa de terra com a área de 240m2, no mesmo sítio e freguesia, os quais adquiriram por doação que lhes fizeram seus sogros e pais. A parcela de terra também ficou a pertencer a outras pessoas, que identificam. Sobre o prédio urbano edificaram os Autores uma moradia unifamiliar, onde residem. O Réu, por seu turno, é proprietário de um prédio urbano que confronta com a parcela de terreno que também é pertença do Autores, na sua parte Leste. Acontece que o Réu está a fazer obras de ampliação, aumentando em dois pisos o seu prédio urbano sem qualquer afastamento da parcela de terra dos Autores, de modo a que as águas do telhado deitem directamente sobre aquela parcela. Além disso, na dita construção o Réu está a edificar duas janelas e duas águas furtadas que deitam directamente sobre aquela parcela de terreno, igualmente sem qualquer afastamento. As ditas janelas e águas furtadas deitam também sobre o prédio urbano pertença dos Autores, situam-se a menos de metro e meio deste e a uma altura superior e permitem a sua devassa. A dita obra viola também as regras do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, que enumeram, que impõem limites às distâncias e alturas entre prédios fronteiros, prejudicando o prédio urbano dos AA. e a parcela de terreno adjacente, quanto à sua insolação, salubridade, arejamento e condições urbanas e ambientais e de vida e de vistas. Por último, alegam os Autores que a referida parcela de terra de que são comproprietários é por eles utilizada como arruamento particular de acesso aos seus respectivos prédios, passando a pé e de carro. Ora, o Réu está a utilizar, indevidamente, a referida parcela de terra, utilizando-a para acesso ao seu prédio, quer a pé quer de carro, e ocupando parte da referida parcela de terreno ao parquear nela a sua viatura, por vezes duas viaturas, de modo permanente, o que impede que os Autores tenham acesso, com o seu carro, à sua garagem que dá directamente para a referida parcela. A ampliação do prédio do Réu, mantendo-se como está, diminui fortemente o valor dos dois prédios dos AA., prejuízo que deve ser indemnizado pelo R. a ser calculado em execução de sentença. O Réu é responsável ainda pelos danos irreversíveis causados por violação dos direitos de personalidade dos AA. e dos interesses juridicamente protegidos, danos esses difíceis de calcular que deverão ser calculados em execução de sentença. A conduta do R. constitui ainda abuso de direito.
Os AA. terminam pedindo que o R. seja condenado: a) A demolir a parte ampliada que levou a efeito no seu prédio, constante de dois novos pisos, por forma a garantir a distância de um metro e meio da extrema do prédio referido na al. b) do artigo 1° (parcela de terreno) e a cércea; b) A demolir a construção cuja altura exceda o limite imposto pela cércea, artigos 58° a 63° do RGEU; c) Em qualquer caso, a proceder à eliminação das janelas, águas furtadas ou outras aberturas que deitem para os prédios das als.a) (prédio urbano que constitui a casa de morada de família dos AA.) e b) do artigo 1° e se situem a menos de metro e meio destes; d) A proceder à recolha das águas das chuvas, no seu próprio prédio, de modo a que não haja possibilidade de caírem para ou sobre o prédio da dita al.b) do artigo 1° da petição inicial; e) A respeitar os direitos de propriedade dos Autores e a se abster de estacionar qualquer viatura ou colocar ou depositar materiais ou outros em tal prédio; f) A indemnizar os Autores de todos os danos causados, quer materiais, quer não patrimoniais por violação dos seus direitos de propriedade e de personalidade e pelo abuso de direito a calcular em execução de sentença.
O Réu contestou alegando, em resumo, o seguinte: O Réu também tem direito a utilizar o prédio referido na al.b) da petição inicial uma vez que também é herdeiro do mesmo, sendo certo que nasceu nesse prédio e sempre o utilizou desde o nascimento até aos dias de hoje. Além disso, as obras levadas a cabo em nada ferem a privacidade dos Autores dado que foi mantido o afastamento que sempre existiu sendo certo, também, que o facto de se deslocar de carro para a sua garagem em nada impede a livre circulação dos demais comproprietários do prédio.
Concluiu dizendo que a acção não tem fundamento e pedindo que a mesma seja julgada improcedente.
Realizou-se a audiência preliminar na qual foi proferido despacho saneador e fixados os factos assentes bem como a base instrutória, sem reclamações.
Após peripécias processuais que irrelevam para o caso, os AA. reduziram o pedido referido na alínea e), o qual passou a ter a seguinte redacção: "A se abster de estacionar qualquer viatura ou colocar materiais ou outros no prédio da alínea b) do art.º 1º da petição inicial".
Realizou-se a audiência de julgamento, tendo a final o tribunal respondido à base instrutória, com reclamação dos AA. que foi indeferida.
Oportunamente foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e consequentemente decidiu: 1º Condenar o Réu a realizar obras que impeçam que das duas janelas e das duas águas furtadas que abriu no seu prédio seja possível a devassa do prédio dos Autores identificado na alínea a) do artigo 1º da petição inicial ou, caso tal não seja possível, a demolir tais janelas e águas furtadas; 2º Absolver o Réu dos restantes pedidos.
Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões: I - A douta sentença recorrida "recusou" aplicar as normas que considera "de interesse público pelo que afastada está, desde já, a aplicação do R.G.E.U.", optando pelo ponto de vista de que "incumbe a este Tribunal aplicar apenas as normas do Código Civil", cf douta sentença, fls. 393, parágrafo segundo.
II - E com esse fundamento absolveu o Réu do pedido de condenação para demolir a construção cuja altura exceda o limite imposto pela cércea, arts. 58° a 63° do R.G.E.U., construção essa feita para mais de forma clandestina, sem projecto aprovado e sem licenciamento.
III - Tal decisão está em oposição com o douto Ac. do STJ de 28/01/2003, in C.J. N° 116, ano XXVIII- Tomo 1/2003 que conclui por: "I-0 art.59° do R.G.E.U, aprovado pelo D.L. n.° 38.382, de 7/8/51 reconhece um autêntico direito subjectivo aos proprietários fronteiros, garantindo-os contra terceiros e a eventual actuação ilícita das entidades administrativas.
-A todo o direito corresponde, nos termos do art. 2. 0, n.° 2 do C.P.C., uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a sua violação e realizá-lo coercivamente " IV - No caso dos autos, porém, é ainda mais evidente, do que daquele de que trata o Ac. do STJ por se tratar de uma construção clandestina, sem projecto préviamente aprovado pela CMF e sem o respectivo licenciamento.
V - O facto da conclusão IV torna ainda mais indiscutível a competência do Tribunal a quo para aplicar as normas do R.G.E.U.
VI - A douta sentença não tendo aplicado as ditas normas do R.G.E.U, violou os seus artigos 58° a 63° e ainda o art° 2° n° 2 do C.P.C.
VII - Os factos provados n°s. 8°, 9°, 10°, 13°, 14° e 15°, constituem violação pelo Réu de interesses legítimos dos apelantes juridicamente tutelados pelas normas dos arts 58° a 63°, e 73°, do R.G.E.U. e do art° 1.360° do C.C., todas geradoras de responsabilidade civil.
VIII -Tais violações constituem ainda violação do direito de personalidade (direitos subjectivos absolutos) ou interesses juridicamente protegidos (não degradação do ambiente, sol e vistas afectadas com construção ilegal) conforme art° 70°, n° 2 do C.C., também violadas pela douta sentença.
IX - Ao absolver o Réu de se abster de estacionar qualquer viatura ou colocar ou depositar materiais ou outros em tal prédio, comprovado que este não é dono nem comproprietário do mesmo, conforme matéria de facto provada, a douta sentença violou o art° 1.305° do C.C.
Os apelantes terminam pedindo que...
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