Acórdão nº 2118/2002-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução21 de Outubro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: A e mulher, residentes em Lisboa, intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra B e mulher, residentes na Parede, formulando os seguintes pedidos: 1- Fosse declarada a caducidade do contrato de arrendamento que identificam e, consequentemente, os Réus condenados a entregarem aos Autores a respectiva fracção, livre e devoluta; 2 - Fossem os Réus condenados a pagar-lhes, a título de indemnização, a quantia de Esc. 3.771.100$00, pelos prejuízos decorrentes do incêndio que ocorreu na referida fracção e correspondente à parte dos danos não coberta pela indemnização, liquidada ao abrigo do contrato de seguro contra incêndio; 3 - A condenação dos Réus a liquidarem aos Autores, nos termos do artº 1045º, nº 2 do Código Civil, o valor, em dobro, correspondente à quantia paga, a título de renda - Esc.7.644$00 - desde 1 de Setembro de 1994, até à restituição da fracção, que, no momento da apresentação da petição em Juízo, ascenderia a Esc. 733.824$00; 4- A condenação dos Réus a liquidarem aos Autores, a título de indemnização, pelos danos emergentes e lucros cessantes, resultantes da não restituição da fracção: a) o valor correspondente à reparação dos danos causados nas fracções que compõem o prédio, provenientes das infiltrações de água nas mesmas, provocados pela impossibilidade de reparação da fracção e reconstrução da cobertura, no montante de Esc. 7.200.000$00; b) o montante correspondente ao valor locativo do imóvel e não inferior a Esc. 135.000$00 mensais, desde 1 de Janeiro de 1995, até à efectiva entrega aos Autores do locado e que, na data da apresentação da petição, já totalizariam Esc. 6.075.000$00; Para tanto, no essencial, alegaram que: - Os Autores são os únicos herdeiros de todos os bens da propriedade do referido João, entre os quais se inclui a fracção correspondente ao segundo andar direito do prédio urbano sito, em Lisboa ....

- Assumiram, assim, os Autores a posição de senhorios, no contrato de arrendamento que teve por objecto a mencionada fracção, celebrado a 25 de Novembro de 1953; - Sucede que, a 29 de Maio de 1994, ocorreu um incêndio num dos quartos daquela fracção, o qual se propagou às restantes dependências de mesma e ao sótão, tendo destruído quase na totalidade essa fracção autónoma; - Tal incêndio teve origem numa tomada, à qual se encontrava ligada uma televisão, e que, por não estar nas devidas condições, entrou em sobrecarga, provocando um curto-circuito; - Daí que esse incêndio seja imputável aos Réus, por violação, por parte destes, dos deveres de cuidado, manutenção e vigilância a que estavam obrigados, por força do contrato de arrendamento, respondendo, consequentemente, por todos os danos causados à fracção e ao prédio, na qual aquela se integra; - Como, à data do incêndio, tais danos ascendiam a cerca de Esc. 10.450.190$00, deduzido o valor recebido, a título de indemnização, por parte da respectiva Seguradora, no valor de Esc. 6.679.090$00, os autores reclamam dos Réus a quantia de Esc. 3.771.100$00; - Os Réus recusam-se a entregar as chaves do andar, impedindo, assim, que fossem feitas as necessárias obras de reconstrução e reparação do imóvel, sendo que tais obras demorariam dois meses e meio; - Dada a não restituição da fracção pelos RR aos AA, viram-se estes impossibilitados de proceder a novo arrendamento, estando privados de auferir os respectivos rendimentos; - Considerando-se o valor locativo de Esc. 135.000$00, pretendem que a indemnização a pagar pelos Réus contemple o valor das rendas que deixaram de receber, desde 01.01.95 e até à efectiva entrega da fracção e que, à data da apresentação da petição, contabilizaram em Esc. 6.075.000$00.

** Citados os Réus, estes contestaram, alegando, em síntese, que: - Aceitam que ocorreu um incêndio, com origem no quarto de trás da casa, e que destruiu o tecto desse quarto e se propagou ao sótão e ao telhado; - Contudo, esse incêndio não ocorreu por causa imputável aos Réus, nem ficou destruída a quase totalidade do locado; - Após o incêndio, os senhorios continuaram a receber as rendas, até Janeiro de 1997, e até procederam às actualizações anuais daquelas, nos termos da lei, e, posteriormente, sem que nada o justificasse, optaram por defender a tese de que o arrendamento tinha caducado, negando-se a receber as rendas; - Os senhorios devem realizar as necessárias obras de reparação do locado de forma a que os RR o possam habitar.

Concluindo, pediram que fossem julgados improcedentes os pedidos formulados pelos autores e procedente o pedido reconvencional, condenando-se os autores a mandar efectuar as reparações necessárias à reposição do andar no estado anterior ao do incêndio.

Procedeu-se a audiência de julgamento. E por despacho de fls.292 a 295, foram dadas as respostas à matéria de facto contida na base instrutória, não tendo havido qualquer reclamação.

Proferida a sentença (fls.298 a 308) foi a acção julgada parcialmente procedente, com a seguinte decisão: "1- Condeno os Réus a pagarem aos Autores a quantia de Esc. 3.771.000$00, a título de indemnização, pelos prejuízos decorrentes do incêndio; 2 - Absolvo os Réus de todos os restantes pedidos formulados; 3 - Julgo procedente o pedido reconvencional e, consequentemente, condeno os Autores a mandarem efectuar todas as reparações necessárias à reposição do andar locado, no estado anterior ao existente antes do incêndio".

Inconformados com esta decisão, dela apelaram os Autores e os Réus.

(...) Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1- Os Autores são os únicos herdeiros de todos os bens da propriedade de João..., entre os quais se inclui a fracção correspondente ao 2º andar direito do prédio em regime de propriedade vertical, sito ...em Lisboa...

2- Entre o Réu marido e o anterior proprietário do imóvel foi celebrado, em 25 de Novembro de 1953, o contrato de arrendamento com as cláusulas constantes do documento de fls.20-22, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

3- Em 29 de Maio de 1994, ocorreu um incêndio no locado, que teve início no quarto de trás daquela fracção.

4- Na sequência do contrato de seguro celebrado com a Companhia de Seguros ..., esta pagou aos Autores a quantia de Esc. 6.679.000$00, a título de indemnização.

5- Desde a data do incêndio, os Réus recusam entregar as chaves do locado aos Autores, não obstante terem deixado de usar e fruir a fracção em causa.

6- Em Novembro de 1994, os Autores remeteram aos Réus a carta para avisarem a actualização da renda para o ano seguinte - conforme doc. de fls. 63, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

7- Em Novembro de 1995, os Autores remeteram aos Réus nova carta para avisarem a actualização da renda para o ano de 1996 - conforme doc. de fls. 76, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

8- Os Autores continuaram a receber as rendas pagas pelos Réus, até Dezembro de 1994.

9- O pedido das chaves, por parte dos Autores, em consequência da caducidade do contrato de arrendamento, teve por resposta, por parte dos Réus, o envio de uma declaração para os Autores assinarem, no sentido de que as chaves seriam entregues, única e exclusivamente, para efeitos de os Autores procederem a obras de reparação na fracção, assumindo estes o compromisso de as devolverem posteriormente ( Doc.9).

10- Responderam os Autores com a carta que constitui o doc. de fls. 32.

11- Desde a data do incêndio, os Réus têm vindo a proceder ao pagamento da renda conforme docs. de fls. 56-101.

12- À data do incêndio, a renda era de Esc. 7. 644$00.

13- 0 incêndio propagou-se ao sótão.

14- Em consequência do incêndio referido em 3, as paredes ficaram enegrecidas, as portas, janelas, aduelas e aros ficaram danificados.

15- Os tectos dos vários compartimentos ficaram abaulados, com partes em falta e outras em vias de aluírem.

16- O sótão ruiu na sua quase totalidade e o que resta ficou calcinado.

17- Grande parte da cobertura ruiu e as zonas existentes ficaram calcinadas e com os vigamentos carbonizados.

18- Do quarto de trás o incêndio transmitiu-se ao sótão e deste ao telhado.

19- No telhado, alguns barrotes queimaram-se e outros encontram-se chamuscados, tendo-se partido cerca de 250 telhas.

20- Ardeu ainda o papel de parede, as aduelas e os aros das portas do quarto de trás e postigo de ligação com o quarto interior e o próprio tecto.

21 - O chão não ardeu.

22- As paredes necessitam de serem reparadas e pintadas e os tectos preparados, estocados e pintados.

23- Em consequência do incêndio, ficou afectada a instalação eléctrica.

24- O referido incêndio teve origem numa tomada, à qual se encontrava ligada uma televisão.

25- À data do incêndio, os danos provocados ascenderam a Esc. 10.450.000$00.

26- Os Réus não entregaram as chaves da casa para que os Autores procedessem à realização das obras de reparação dos estragos causados pelo incêndio.

27- Para evitar as infiltrações de águas das chuvas, foi colocada uma cobertura de lona sobre o telhado do prédio.

28- As infiltrações de águas das chuvas, não evitadas pela colocação da lona a que se refere a resposta anterior, causaram danos no prédio, de montante não apurado.

29- As obras necessárias à reconstrução do locado demoram dois meses e meio.

30- O valor locativo mensal da fracção situa-se entre 81.650$00 e 120.000$00.

O DIREITO.

(...) II Sendo o objecto e o âmbito dos recursos limitados pelas respectivas conclusões (artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do C.P.C.) no essencial, são as seguintes as questões a resolver:

  1. Relativamente à apelação dos autores: - A questão do alegado erro na apreciação da prova, ou erro de julgamento, nomeadamente, em relação às respostas aos quesitos 1º, 2º, 6º, 7º, 8º, 10º, 16º e 19º da base instrutória; - A invocada caducidade do contrato de arrendamento, por impossibilidade do gozo e utilização do imóvel pelos Réus, atentos os fins a que se destinava, em consequência do incêndio ocorrido no locado, e a sua...

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