Acórdão nº 1973/2006-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Abril de 2006

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução06 de Abril de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

J… instaurou a presente acção declarativa de simples apreciação negativa, seguindo a forma de processo ordinário, contra o Estado Português, onde, com base nos termos e decisões de um anterior processo - crime, pede que seja «declarada a (sua) inocência em relação aos factos da acusação do MP e adquiridos pela pronúncia, que o indiciaram pela prática do crime de burla agravada, com a consequência de o Estado Português reconhecer que o Autor é uma pessoa íntegra e não um criminoso».

O Estado Português contestou, suscitando as excepções dilatórias de falta de interesse em agir do Autor e de ilegitimidade passiva, ou, caso assim se não se entendesse, deduziu diversos argumentos no sentido de se concluir pela inviabilidade da acção.

O Autor replicou.

Findos os articulados e dispensada a audiência preliminar, o Exc. mo Juiz "a quo" lavrou douto despacho saneador, constante de fls. 1050 a 1071, nos termos do qual julgou as excepções dilatórias deduzidas pelo Réu Estado e decidiu: A improcedência da excepção de ilegitimidade passiva; A procedência da excepção de falta de interesse em agir do Autor.

Não obstante o reconhecimento da indicada excepção dilatória, ao abrigo do disposto no artigo 288º, n.º 3 do CPC, foi seguidamente lavrado o douto saneador - sentença, constante de fls. 1072 a 1108, nos termos do qual a presente acção foi julgada improcedente, com a decorrente absolvição do Réu do pedido.

Inconformado com a sentença, apelou o Autor, formulando as seguintes conclusões: 1ª - O tribunal a quo considera que ao Autor falta o interesse em agir, considerando que ninguém tem o direito a ver reconhecida, por via judicial, que não é criminoso.

  1. - O Tribunal a quo toma em consideração que pela aplicação do n.º 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, que constitui o corolário do princípio da presunção de inocência, é expresso quanto ao pedido do Autor na presente acção.

  2. - No entanto o Tribunal a quo considera que a presunção de inocência é o estado típico e normal de qualquer cidadão, quando é constituído arguído no âmbito de um processo crime até à sentença com trânsito em julgado.

  3. - Acontece que no caso do Autor não aconteceu.

  4. - O Autor foi perseguido durante 18 anos, para no final o procedimento criminal terminar em prescrição; 6ª - Ao contrário do que deveria de acontecer num procedimento criminal típico, previsto na C.R.P, que finda com uma sentença transitada em julgado; 7ª - O Autor viu-se acusado, ofendido na honra e apontado como o tal que se "abotoou" com o dinheiro do Estado, sem sequer ter tido a oportunidade da absolvição, ficando irremediavelmente em causa o direito ao bom nome e à reputação, art.º 26 n.º 1 da C.R.P.; 8ª - As normas ínsitas na C.R.P não podem ser só palavras bonitas que servem para ser proclamadas, quando há interesse nisso, mas vazias de conteúdo. Pelo contrário, as normas da C.R.P têm de ser normas com alcance efectivo, que no caso em apreço foi esquecido; 9ª - Ao Autor não foi dada a oportunidade de demonstrar à sociedade a sua inocência, visto que, o Réu não permitiu que o procedimento criminal chegasse ao fim, pois invocou a prescrição do procedimento criminal, que veio a ser declarada e posteriormente transitou em julgado; 10ª - Assim sendo, o Autor mantém, perante a sociedade a imagem de criminoso, situação que foi criada pelo Réu (Estado Português); 11ª - O Réu violou, claramente, o art.º26 n. 1 da C.R.P, nomeadamente o direito ao bom nome e à reputação do autor, bem como o n.º 2 do art.º 32º C.R.P, quando deixou que o procedimento criminal demorasse 18 anos para no final não haver sentença com trânsito em julgado; 12ª - Pelo exposto, assiste ao Autor o direito a interpor a acção declarativa de simples apreciação negativa, para que o tribunal pondere a sua situação de inocência; 13ª - A forma como o tribunal a quo interpreta o n.º 2 do art.º 2º do CPC é inconstitucional; 14ª - A todo o acusado criminalmente assiste o direito a um julgamento que definisse a sua culpabilidade ou não e no caso de extinção do procedimento criminal que obstasse à apreciação do mérito, neste caso a prescrição, subsiste, ainda assim, o direito subjectivo de o acusado ver o seu bom nome defendido e eventualmente ilibado; 15ª - Ao Autor não pode ser coarctado o direito à acção a pretexto de que não lhe assiste qualquer direito subjectivo nem interesse substantivo juridicamente atendível; 16ª - Ao interpretar os artigos 2º, n.º 2 e 26º, ambos do CPC, em termos tais que impedem ao Autor de agir em juízo em ordem de ser ilibado o seu bom nome, conspurcado, publicamente, por uma acusação frustrada e não submetida a julgamento, a decisão recorrida não só violou estas normas legais como as aplicou concretamente a violação do princípio constitucional da presunção de inocência.

O Réu Estado Português contra - alegou, concluindo que deverá ser julgada improcedente a apelação e...

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