Acórdão nº 8665/2004-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Março de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDO ESTRELA
Data da Resolução30 de Março de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - No proc.º 132/023.0TALRS, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Loures, por sentença de 27 de Abril de 2004 foi decidido condenar o arguido A.

, pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180°, n.°1, e 184°, ambos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, a taxa diária de € 50 (quarenta euros), no montante global de € 6.000 (seis mil euros).

II - Inconformado, o arguido A.

veio a interpor recurso da referida decisão formulando as seguintes conclusões: l.

O crime de que vinha acusado o Arguido e Recorrente é um crime doloso; 2.

E o aqui Recorrente não agiu e nem se provou que tivesse agido - com dolo, isto é, com intenção e vontade de atingir a honra e consideração pessoal e profissional do Magistrado denunciante; 3.

Mas tão somente se ocupou e quis atacar e obter a censura e a revogação da sentença, da peça processual produzida pelo órgão de administração da justiça, o tribunal colectivo da Vara Mista do Tribunal de Loures; 4.

A prova produzida (e cuja renovação se requer nos termos acima expostos) impõe a eliminação da alínea g) dos factos dados como provados; 5.

No exercício das sua funções o advogado está legitimado - e pode e deve, se a defesa da causa o exigir em sua consciência - usar de expressões e palavras que, usadas por outros cidadãos, seriam crime de injurias e difamação; 6.

No exercício das suas funções o advogado goza de imunidade civil e criminal e deve beneficiar da presunção de actuar com animus defendendi que paralisa e consome o animus injuriandi; 7.

A sentença impugnada incorre em contradição ao julgar, quanto às mesmas palavras e expressões - " deselegante ", "desleal, imoral" e "quase obsceno"- por um lado que tais palavras e expressões são dirigidas contra a sentença e, por isso, legitimas e não ilícitas e, por outro lado, que são dirigidas contra a honra e consideração pessoal e profissional do Sr. Juiz denunciante e, por via disso, ilícitas e puníveis como difamação, 8.

A palavra "postura", usada pelo Recorrente, não pode e nem deve ser entendida como referida à conduta ou ao perfil a qualidades éticas ou morais do Sr. Juiz denunciante que o Recorrente nem sequer conhecia mas sim e só como sinónimo de actuação processual, de concreta intervenção judicial, de escolha e de opções técnicas no acto de interpretar e decidir e fixar os factos e o direito em sede de sentença; 9.

Os especiais conhecimentos, formação jurídica e experiência do Arguido, como advogado, não podem ser invocados como argumento de um especial dever do Arguido de não cometer ilícitos criminais nem como presunção de especial consciência de ilicitude ou obrigação de maior facilidade ou maior clarividência na separação entre palavras dirigidas a atacar a sentença - essas licitas - e outras que atinjam o magistrado dela autor - essas ilegais, segundo a sentença; 10.

Tal entendimento, expresso na sentença e ali declaradamente usado como elemento ou fundamento principal e determinante da formação da convicção da Sr° Juíza recorrida no sentido da existência de dolo da parte arguido, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade e dos artigos 13° e 26° da CRP; 11.

A sentença não atendeu e nem aplicou a causa de exclusão de ilicitude e de culpa esgrimida expressamente pelo Recorrente e prevista nos artigos 154° n 3 do CPC e 31° n° 1 alíneas b) e c) do CP; o ponto 20, relativo à imunidade dos advogados e contido nos "Princípios básicos Relativos à função do Advogado" recebidos pelo nosso ordenamento penal; e os artigos 208° da CRP e 144° da LOTJ.

12.

A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra decisão que absolva, sem qualquer reserva, o Recorrente.

III - Em resposta o Ministério Público na 1.ª instância pugnou pela manutenção do decidido.

IV - Transcreve-se a decisão recorrida : Relatório.

Para julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o Sr.Juiz de Instrução pronunciou A.

imputando-lhe a prática de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180°, n.°1, e 184°, ambos do Cod. Penal, pelos factos descritos na acusação de fls.65-66, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.(…) I. Fundamentação.

1. De Facto.

1.1. Factos provados.

1.1.1. da acusação.

a) O denunciante é Juiz titular da 1a Vara de Competência Mista da Comarca de Loures.

b) No exercício dessas suas funções, presidiu ao Tribunal Colectivo que procedeu ao julgamento do processo comum n.°545/98.0TALRS, com audiência a iniciar-se aos 26.04.2001 e a concluir-se com a leitura do Acórdão aos 16.07.2001.

O arguido no processo acima referido, B., constitui como seu defensor o ora aqui arguido A..

c) No âmbito do aludido processo, o ai arguido B. veio a ser condenado.

d) Do aludido Acórdão condenatório interpôs recurso, através do seu ilustre Defensor, aqui arguido.

  1. Na motivação do dito recurso, o arguido A. produziu as seguintes afirmações: "O presente recurso vem interposto da sentença de fls. (...), em que se decidiu julgar a acusação procedente e condenar o arguido na pena ali mencionada (...).

    Foi o coroar de um extenso rol de arbitrariedades e incorrecções técnicas, com denegação gritante dos direitos de defesa do arguido (...).

    Não se resiste a fazer desde já um comentário a afirmação deselegante, desleal e imoral da sentença (...).

    Deixa-se a apreciação da deslealdade e quase obscenidade desta postura para quem de Direito.

    (...) tanto mais arbitraria e iníqua a sentença".

  2. Ao proferir tais afirmações, sabia o arguido que estava a ofender a honra e consideração pessoal e profissional do denunciante; o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que infringia o direito.

    1.1.2. da contestação.

    h) No âmbito do processo identificado em b), tendo sido notificado da marcação da audiência de julgamento para 18 de Maio de 2000, o aqui arguido, na qualidade de Defensor, apresentou contestação escrita, tendo requerido, entre outros meios de prova, o exame a escrita das assistentes, a junção de diversos documentos pelas assistentes e por alguns bancos e uma perícia para comprovação da inexistência de rasura de determinados documentos.

    i) O aludido requerimento probatório veio, nesta parte, a ser indeferido, por despacho datado de 16.05.2000.

    j) Na qualidade de Defensor, o aqui arguido foi notificado do teor do referido despacho no dia 18 de Maio de 2000, por termo no processo.

    k) De acordo com os seus próprios termos, a decisão de indeferimento fundamentou-se, entre outros, no facto de as diligencias requeridas não se compadecerem com a celeridade do processo-crime e, bem assim, na circunstancia de as diligencias requeridas serem demoradas e a audiência se encontrar já agendada para o dia 18 de Maio seguinte.

    l) O despacho aludido em i) foi proferido por Magistrado diferente do Sr. Juiz denunciante.

    m) Na afirmação reproduzida na segunda parte da al.f), o arguido referia-se, alem do mais, ao despacho aludido em i).

    n) A dado passo do Acórdão visado pelo requerimento de interposição de recurso aludido em f ), escreveu o M.mo Juiz denunciante: "(...) julgamos ter evidenciado que as diligencias de prova requeridas pelo arguido, sobretudo os exames das escritas das sociedades denunciantes, não tinham qualquer interesse para a decisão da causa".

    o) O referido trecho correspondente a afirmação a que se refere o arguido na terceira parte do excerto do requerimento de interposição de recurso reproduzido em f).

    1.1.3. outros factos com relevo para a decisão da causa.

    p) O arguido exerce a profissão de advogado, dispondo de um rendimento mensal líquido de cerca de € 6.000. Reside em casa própria juntamente com a sua companheira, a qual, como (…), aufere o vencimento mensal de € 3.000. O casal tem a seu cargo o pagamento de uma prestação no valor mensal de € 1.000 a título de amortização de empréstimo contraído no âmbito do crédito a habitação. O arguido não tem antecedentes criminais. É tido como profissional combativo, empenhado, corajoso, honesto, firme e estudioso.

    1.2. Factos não provados.

    Com eventual relevo para a decisão da causa nenhum outro facto se demonstrou. Em especial, não se demonstrou, dos factos descritos na acusação, que: o M.mo Juiz denunciante exerça funções na 1a Vara Mista de Loures desde Outubro de 2000.

    1.3. Motivação.

    A convicção do tribunal formou-se, no que aos factos provados respeita, com base na análise, conjugada e critica, da prova produzida em audiência de julgamento e carreada para os autos, com especial destaque para o teor das certidões extraídas do processo-crime a cujo julgamento presidiu o M.mo Juiz denunciante e em cujo âmbito exerceu funções de Advogado de defesa o arguido Dr. A..

    Objecto de especial ponderação foram ainda as declarações prestadas pelo próprio arguido. Através de um discurso que pretendeu dar a conhecer as razões da sua indignação para com o teor das decisões, intercalares e final, proferidas no âmbito do referido processo, o arguido, para alem de ter assumido a autoria da peça processual em questão, deu essencialmente conta de que todas as afirmações por si produzidas no requerimento de interposição de recurso se destinaram exclusivamente a atacar o Acórdão impugnado, jamais tendo sido sua intenção tecer qualquer consideração desprimorosa para com a pessoa do M.mo Juiz relator.

    Ainda segundo a versão sustentada pelo arguido, as expressões utilizadas foram as consideradas aptas a exprimir, com a veemência pretendida, as razões da sua discordância, não tendo sido sequer colocada a possibilidade de as mesmas poderem vir a ferir a susceptibilidade do Juiz relator da peça processual sob escrutínio.

    Ora, e justamente quanto a uma tal alegada ausência de representação que, pelas razões que passaremos a explicar, a versão trazida pelo arguido não pode ser por nós acompanhada.

    Conforme sabido é, o dolo - ou o nível de representação ou de reconhecimento que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico...

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