Acórdão nº 7995/2001-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Novembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMÁRIO MORGADO
Data da Resolução09 de Novembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM, em conferência, na 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

Em 19/4/05, o arguido JCP veio arguir a inexistência jurídica das decisões proferidas pelo relator, considerando, v.g. que "não se submeteu a concurso curricular de recrutamento ou habilitação para o exercício do cargo de juiz da Relação" (fls. 581 - 587).

Tal questão já fora anteriormente suscitada nos autos pelo arguido em 18/2/05 (fls. 554 - 558) e julgada improcedente pelo acórdão proferido em 30/3/05 (fls. 574 - 575), no qual se decidiu que "todos os signatários, nomeadamente o relator, exercem as suas funções ao abrigo do Direito vigente no Estado Português, pelo que é evidente - como já foi bastamente explicado ao arguido em vários processos - que as suas decisões não padecem de qualquer vício, v. g. a invocada inexistência".

Consequentemente, por acórdão proferido em 18/5/05, decidiu-se não tomar (novamente) conhecimento de tal questão.

  1. O incidente assim suscitado não pode dissociar-se da globalidade da conduta processual que o arguido vem adoptando nos presentes autos.

    Na verdade, ele vem tentando transformar o processo num interminável "carrossel" de requerimentos/reclamações/decisões/recursos em que, circularmente, em todos os patamares de decisão do poder judicial, são suscitadas, sem qualquer fundamento real, sucessivas questões, sendo certo que [como já se escreveu no acórdão de fls. 564 - 566, proferido em 9/3/05] é legalmente inadmissível fazer dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal [v.g.

    a prescrição do procedimento criminal], entorpecer a acção da justiça ou protelar/impedir, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [cfr. art.º 456.º CPC], como - em termos flagrantes e ostensivos - aqui vem ocorrendo[1].

  2. Tendo invocado mais uma vez a "inexistência jurídica das decisões proferidas pelo relator", sem qualquer fundamento real, com argumentação já contrariada por decisão anterior, o arguido fez, de forma deliberada, um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de entorpecer a acção da justiça e protelar o trânsito em julgado da decisão, pelo que agiu como litigante de má-fé [art.º 456.º, n.º 2, d), CPC, ex vi do art.º 4.º, CPP].

    Será que a aplicação do instituto da litigância de má-fé ao processo penal - e concretamente ao arguido - consubstancia alguma «desarmonia com o processo penal»? Temos por seguro que não.

    Com efeito: O processo penal constitui um campo privilegiado de antinomia e tensão, dada a real impossibilidade de integral harmonização das suas finalidades primárias - a saber: por um lado, a realização da justiça, a descoberta da verdade e o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo crime; por outro lado, a protecção dos direitos fundamentais das pessoas, maxime do arguido.

    O remédio para esta conflitualidade teoricamente irredutível reside na concordância prática de todas as finalidades em conflito.

    Mas "erigir qualquer uma das finalidades conflituantes em finalidade única ou mesmo absolutamente determinante da estruturação do processo coloca-o em conflito irremível com os mandamentos do Estado de Direito" (Figueiredo Dias, Os princípios estruturantes do processo e a revisão de 1998 do CPP, in RPCC, Ano 8, Fasc. 2º, 202).

    A realização da justiça no processo não prescinde - não pode prescindir - de um mínimo de eficácia na condução do processo, pelo que, em abstracto, não se vê como possa sustentar-se qualquer incompatibilidade entre os direitos do arguido e a utilização pelo tribunal de meios efectivamente adequados a prevenir/neutralizar o uso do processo ou dos meios processuais em termos manifestamente reprováveis, com o fim de v.g.

    conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

    Em concreto, também é evidente que inexiste perigo da mais leve beliscadura dos direitos do arguido: este já foi condenado em 1.ª e 2.ª instância e, após várias vicissitudes, já foi determinada, nos termos do art.º 720.º, CPC, a baixa dos autos à 1.ª instância para execução da pena aplicada ao arguido (encontramo-nos agora no âmbito de um mero traslado).

  3. Notificado, nos termos do art.º 3.º-A, CPC, para, querendo, se pronunciar sobre esta questão, o arguido nada disse.

  4. Em face do exposto, acorda-se, em condenar o arguido, como litigante de má-fé, na multa de 30 UCs [cfr. n.º 1 do citado art.º 456.º, CPC, e art.º 102.º, CCJ].

    Notifique.

    Lisboa, 9 de Novembro de 2005 Mário Belo Morgado Maria Teresa Féria Gonçalves de Almeida Maria da Conceição Simão Gomes - Vencida.

    [1] Na 1ª instância o processo foi julgado já em 26/4/2001...

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