Acórdão nº 0065989 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Novembro de 2000 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelNUNO GOMES DA SILVA
Data da Resolução23 de Novembro de 2000
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)
  1. - No processo n° 24/00 do Tribunal da Ribeira Grande foi deduzi da acusação contra (A) a quem foi imputado, em autoria material, um crime de dano do art. 212º, nº 1 do C. Penal em concurso aparente com um crime de incêndio do art. 272º, nº 1, al. a) a punir por este último.

    Efectuado o julgamento foi decidido que os factos provados integravam a prática pelo arguido de um crime de dano do art. 212º, nº 1 do C. Penal atento o valor da parte destruí da do edifício em causa nos autos e o disposto no art. 202º, al. a) C. Penal, crime esse em relação ao qual o procedimento depende de queixa. Considerando a inexistência dessa mesma queixa foi entendido que existia ilegitimidade do Ministério Público para a promoção da acção penal. Em consequência, foi a acusação julgada improcedente e o arguido foi absolvido.

    Não se conformando o magistrado do Ministério Público interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões: 1ª - No acórdão recorrido foi julgado provado que o arguido, quando se encontrava no seu quarto de cama, sito no primeiro andar da casa sita na Rua (Y), (K), Ribeira Grande, ateou fogo aos cobertores da cama; 2ª - E que, como consequência imediata, directa e necessária, as chamas consumiram e destruíram a cobertura em madeira do imóvel, as janelas e parte do soalho do primeiro andar , bem como a cama, um sofá e roupas pessoais pertencentes ao arguido, tudo no valor real de 700.000$00 sendo o valor da parte do imóvel não destruída de 2.700.000$00; 3ª - Para assim decidir, diz-se no douto acórdão recorrido que o tribunal fundamentou a sua convicção, além do mais: a) nas declarações prestadas pelo arguido em audiência, que admitiu que estava embriagado e quis incendiar a cama com a intenção de morrer queimado; b) no depoimento do comandante dos Bombeiros que dirigiu a operação de combate ao incêndio; e c) no teor do relatório da avaliação do edifício, junto aos autos; 4ª - Mas, em face desses factos e dessas provas, o tribunal julgou não provado que todo o resto do edifício foi colocado em risco e que o arguido sabia que ao provocar aquele incêndio iria colocar em risco todo o resto do edifício; 5ª - Ora, perante a prova que no seu todo permitiu julgar provada a ocorrência de tal incêndio, e as suas consequências, não pode julgar-se não provado que o mesmo incêndio colocou em risco todo o resto do edifício, porque se trata de uma conclusão logicamente inaceitável; 6ª - Pelo contrário, da ocorrência do incêndio, da proporção do edifício que as chamas consumiram (mais de 20%), do facto de o incêndio só ter sido extinto por intervenção dos Bombeiros, sem o que continuaria a consumir o prédio, tudo elementos constantes do douto acórdão recorrido, impõe-se, segundo as regras da experiência comum, a necessária conclusão de que todo o prédio esteve em risco de ser consumido pelas chamas; 7ª - E o mesmo sucede quanto à decisão de julgar não provado que o arguido sabia que ao provocar aquele incêndio iria colocar em risco todo o resto do edifício. Com efeito: 8ª - O dolo não é propriamente um facto, mas uma certa posição do agente para o seu facto, capaz de ligar um ao outro e de permitir a censura em que um juízo de culpa se traduz. É um elemento subjectivo em que concorrem duas componentes, uma intelectual (o conhecimento) e outra volitiva (a vontade ), que se infere dos factos praticados pelo agente, seguindo o critério das regras da experiência comum; 9ª - No douto acórdão recorrido julga-se provado que o arguido agiu com intenção de destruir uma parte do edifício, e consigna-se como, fundamento da convicção do tribunal, as declarações prestadas pelo arguido de que estava embriagado e quis incendiar a cama; com intenção de morrer queimado, porque tudo lhe corria mal e andava desesperado; 10ª - Perante tal facto e tais provas, infere-se, segundo o critério de avaliação do homem comum, que o arguido agiu com dolo necessário: ateou o fogo à cama onde estava deitado para se suicidar, sabendo que necessariamente criava o risco de o incêndio se propagar a todo o edifício - cfr. art. 14º, nº 2 do Código Penal; 11ª - Mas no caso dos autos levanta-se ainda o problema da negligência, decorrente da estrutura legal do crime de incêndio previsto no art. 272º do Código Penal, onde se pune também a negligência, quer em relação à criação do perigo, quer em relação à própria conduta; 12ª - Estando o arguido acusado pelo tipo legal de crime fundamental - dolo de provocar o incêndio e de com ele dar causa ao risco - não pode o tribunal, ainda que considere não provado o dolo, deixar de apreciar se subsiste uma conduta negligente punível; 13ª - Com efeito, a imputação subjectiva do facto ao agente, pode ter lugar por duas formas - o dolo e a negligência - e, perante a certeza de que o agente praticou os factos, excluído o dolo em qualquer das suas formas - directo, necessário e eventual - o tribunal tem de decidir se desses factos se infere essa imputação subjectiva a título de negligência, nos casos em que também a negligência é punível; 14ª - Quanto à...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT