Acórdão nº 0042885 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Junho de 2000 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução20 de Junho de 2000
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Recurso 4288/00 Comum singular 321/99 do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada Recorrente: MP Arguido/recorrido: (A) 1. A DECISÃO RECORRIDA No dia 26JANOO, o 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada absolveu o arguido (A) da acusação, que lhe movera o MP, de um crime de tráfico de droga de menor gravidade (art. 25º, 1 A do Dec. Lei 15/93 de 22JAN): No dia 22 de Outubro de 1997, cerca das 11h 45m, a P.S.P. efectuou uma operação de fiscalização no "Café Roquista", sito na Rua (K), nesta comarca, por ter recebido uma denúncia de que alguém ali procedia a tráfico de estupefacientes. Na altura dessa diligência o arguido encontrava-se no referido café e, quando se apercebeu da presença da PSP, atirou com uma carteira de cigarros vazia para o caixote do lixo, no interior da qual se encontravam 11 embalagens - conhecidas como "panfletos" -, em papel estanhado, com o peso bruto de 0,829 g., contendo um pó que, submetido a teste rápido, resultou positivo para heroína, tendo o arguido sido detido. Em exame toxicológico às referidas 11 embalagens feito no LPC, concluiu-se que a substância nelas contida tinha o peso líquido de 0,241 gramas, e era constituída por heroína, com um grau de pureza de 16%. Em busca domiciliária realizada na residência do arguido, foram apreendidos: 3 navalhas; 1 tesoura; 2 colheres com vestígios de estupefaciente; 2 seringas; 1 corta-papel; 8 papéis de prata já cortados; 3 sacos plásticos de carteiras de cigarros; 2 facturas de televisores; 3 três cartas em inglês; 1 caderneta da CGD; 1 agenda; 155.000$00 em dinheiro português e uma balança de pratos iguais, com uma pequena pinça e acessórios. O arguido conhecia as características e natureza das substâncias estupefacientes que foram encontradas na sua posse. Era consumidor de heroína e destinava o produto acima referido ao seu próprio consumo, sendo que consumia, na altura, cerca de 1 grama por dia. Sabia que tal conduta não lhe era permitida e agiu deliberada, livre e conscientemente. No momento da intervenção policial o arguido preparava-se para sair do café onde tinha estado a tomar uma cerveja, sendo que não tinha consigo qualquer importância em dinheiro. O seu certificado do registo criminal regista duas condenações, uma delas, em 28.03.1995, por um crime de ameaças e um crime de detenção de arma proibida, em penas de multa. A outra, em 02.03.1998, pelo crime de tráfico de estupefacientes, pp. pelo art 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, esta na pena de 5 anos e 6 meses de prisão que actualmente se acha a cumprir. É solteiro, mas vive maritalmente com uma companheira -de quem tem um filho de 3 anos- em casa dos pais daquela. Trabalhava, antes de preso, como segurança no Clube Desportivo de Santa Clara, onde auferia cerca de 90.000$00 mensais, e numa discoteca no Pópulo, onde auferia cerca de 140.000$00 mensais. Confessou os factos dados como provados. (...) Vem imputada ao arguido a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo art 215º, nº 1, al. a), do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro. Todavia, os factos provados não permitem concluir que se ache preenchido tal tipo-de-ilícito. Deles apenas se retira que o arguido detinha na sua posse 0,241 gramas (peso líquido) de heroína que destinava ao seu próprio consumo. Sendo certo que tal produto é um dos incluídos na Tabela I-A, anexa ao DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, estamos apenas perante a hipótese do art 40º do mesmo DL. É que o arguido apenas detinha tal produto para seu consumo. Aliás, este era um dos crimes pelos quais o arguido vinha acusado. Todavia, como se referiu já, por decisão proferida a fls. 208, transitada em julgado, foi declarado extinto o procedimento criminal contra o arguido por este crime, ao abrigo do disposto no art. 7º, d), da Lei nº 29/99 de 12 de Maio (amnistia) e art. 127º do CP. Assim, o arguido terá de ser simplesmente absolvido do crime que lhe é imputado.

  1. FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA «Nenhuma das testemunhas ouvidas viu o arguido vender qualquer produto estupefaciente ou, sequer, oferecê-Io para venda. Nem naquele, nem em qualquer outro dia. Ficamos, então, apenas com os objectos apreendidos em sua casa, de entre os quais pelo menos a balança poderá levar a pensar-se que o arguido a utilizava para actividades de tráfico; e com a divisão do produto em 11 panfletos, que também aponta no mesmo sentido. Porém, contra esses indícios, deparamos com a negativa peremptória do arguido, que afirma que, na altura, era consumidor de cerca de 1 grama por dia e tinha adquirido o produto apreendido nessa noite para satisfazer esse seu consumo. Diz que o adquirira durante a noite na discoteca onde trabalhava. De manhã regressou a casa do trabalho, tomou uma dose e foi, depois, tomar uma cerveja ao café levando consigo o produto, altura em que foi detido. De entre as duas hipóteses, propendemos a aceitar o declarado pelo arguido. Na verdade, em face da fragilidade dos elementos que apontam no sentido do tráfico - e a cuja afirmação só poderíamos chegar invocando regras da experiência e presunções judiciais - há um outro elemento que nos cria a dúvida, dúvida razoável e que só pode ser interpretada em favor do arguido: na altura da detenção o arguido não tinha consigo qualquer quantia em dinheiro - "um único tostão", no dizer da testemunha (B), corrobada por alguns agentes da PSP, entre os quais o próprio Subchefe (C), que comandou a operação policial. Este facto é estranho. Pode ser interpretado no sentido de que o arguido não levava dinheiro porque pretendia adquiri-lo com a venda do produto. Mas tem também outra leitura, mais lógica, quanto a nós: o arguido não tinha dinheiro porque o acabou de gastar na aquisição do produto, porventura no próprio 'Café Roquista" (e não em qualquer outro local como ele diz...). É que só assim compreendemos que tendo o arguido dinheiro em casa- 155.000$00 que até lhe chegaram a ser apreendidos - tenha ido ao café tomar uma cerveja sem um tostão no bolso. Como pagaria a cerveja que tomou na companhia do (B) ? (B) que refere que lha não pagou nem sabe quem a pagou ? (B) que chegou a ser detido por suspeita de tráfico; que tinha 75.500$00 consigo, mas que, quanto a si, viu arquivado o processo por falta de indícios. E, no meio disto, como interpretar as cartas de fls. 70 a 76, que faIam, claramente de contactos com vista ao tráfico, assinadas por um (D) e por um (E) (com endereço do mesmo (D))? Lidas elas, nota-se que elas são um pedido constante de que o arguido adira a um projecto de venda de estupefacientes. Mas é patente, na sua sequência, a falta de resposta do arguido: "Tenho tentado entrar em contacto contigo. Não sei o que é que se passa..." - fls. 70; "Se estiveres interessado escreve-me..." - fls. 71; "...preciso de uma resposta.... Dá-me uma resposta. Sim ou não. Não te esqueças..." - fls. 73. De notar ainda, que das cartas acabadas de citar; resulta corroborado o facto do arguido ser consumidor, como diz: "...Não lhe digas que te drogas. Estes tipos não negaceiam com drogados..." - fls. 73 - o que, aliás, a própria acusação reconhece, pois que até deduziu acusação por consumo, não se sabe, porém, alicerçada em que factos. Surge-nos, assim, uma dúvida razoável que, em abono do princípio "in dubio pro reo" teria de ser valorada em favor do arguido, dando-se como provado que o produto se destinava ao seu consumo, como ele declara, e não ao tráfico, como se diz na acusação. É certo que o arguido já foi condenado por tráfico, e que cumpre actualmente pena de prisão por esse facto. Mas não basta. Recorda-se que, no caso dos autos, o arguido está a ser julgado pela concreta posse de 0,241 gramas de heroína (peso líquido), e que ele justifica essa posse como destinada ao seu consumo. E é sobre este facto concreto que o tribunal se deve pronunciar; designadamente se o arguido destinava aquele produto ao tráfico ou ao consumo, não valendo, por si só, considerações como as do conhecido ditado popular "cesteiro que faz um cesto faz um cento"» 3. O RECURSO 3.1. Inconformado, o MP recorreu em 9FEVOO a este tribunal superior, pedindo a condenação do arguido, como autor de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade (art. 25º, 1 do Dec. Lei 15/93), em pena de prisão não inferior a dois anos de prisão: Encontra-se provado que no dia 22Out97, cerca das 11:45, o arguido - que era consumidor de heroína, consumindo 1 g por dia e conhecia as características e natureza das substâncias estupefacientes que foram encontradas na sua posse - detinha em seu poder 11 embalagens («panfletos») de heroína, com o peso líquido total de 0,241 gramas e, em sua casa, uma balança de precisão (de pratos com pinça e acessórios), 8 papéis de prata já recortados, 3 navalhas e 2 seringas. E que o arguido se encontra, actualmente, a cumprir pena de 5 anos e meio de prisão por crime de tráfico de estupefacientes ( art. 21º, 1 do Dec. Lei 15/93 de 22JAN). O tribunal a quo, ao dar como provado que o arguido destinava a heroína ao seu consumo e como não provado que a destinasse a venda, não apreciou a prova segundo as regras da experiência. Com efeito, um mero consumidor - pois que a adquire já acondicionada - não necessita de balanças de precisão nem de recortar papéis de prata para acondicionar a heroína. Tal tipo de instrumentos encontra-se associado ao tráfico. Por outro lado, consumindo o arguido 1 grama de heroína por dia, não faz sentido que divida em onze partes uma porção de apenas 0,241 gramas (a não ser, claro, que destine tais «panfletos» à revenda). O facto de o arguido não trazer consigo qualquer seringa é revelador de que se dirigira ao local (um «café») no propósito de vender e não de consumir a droga que levara consigo. Aliás, o seu passado era notoriamente conotado com o tráfico. O tribunal violou o disposto no art. 127º do CPP e incorreu em erro notório na apreciação da prova (art. 410º, 2, c) do CPP).

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