Acórdão nº 2517/2005-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Junho de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARLOS ALMEIDA
Data da Resolução08 de Junho de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1 - O Ministério Público, no termo da fase de inquérito do processo n.° 771/03.2TAFUN, proferiu o despacho que, na parte relevante, se transcreve (fls. 70 a 72): «Iniciaram-se os presentes autos com a comunicação proveniente do Sindicato dos Professores da Madeira, mediante a qual se denunciava a eventual prática, por banda do Governo Regional da Madeira, de factos susceptíveis de integrarem um crime de desacatamento ou recusa de execução de uma decisão de tribunal, p. e p. pelo artigo 13°, da Lei 34/87, de 16 de Julho, porquanto: - O Tribunal Constitucional, pelo acórdão n.° 161/2003, de 25 de Março, transitado em julgado, declarou com força obrigatória geral a ilegalidade das normas constantes dos artigos 7°, n.ºs 2 e 6, 11°, n.ºs 3 a 8, 14°, n.° 3, 17°, n.ºs 1 e 2, 18° a 20°, 63°, 67° e 76°, do regime de autonomia, administração e gestão de estabelecimentos de educação e de ensino públicos da Região Autónoma da Madeira, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.° 4/2000/M, de 31 de Janeiro, por contrariarem os princípios fundamentais do regime de autonomia, administração e gestão de estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, aprovado pelo D.L. n.° 115-A/98, de 4 de Maio; - Em face de tal acórdão, o Governo Regional da Madeira, aprovou e fez publicar no Jornal Oficial da R.A.M., n.° 4, de 11 de Abril de 2003, 1ª Série, a Resolução n.° 371/2003, que determina a manutenção dos actuais órgãos de gestão das escolas dos 2° e 3° C.E.B. e ensino secundário em funções, invocando a esperada publicação de nova legislação nacional, a transferência de competências para a R.A.M. sobre estas questões e uma revisão constitucional.

Por se considerar relevante, determinou-se a junção aos autos do acórdão do Tribunal Constitucional, bem como do Decreto Legislativo Regional em causa.

Encontra-se também junta aos autos cópia do Jornal Oficial onde foi publicada a supra mencionada resolução do Governo Regional da Madeira, que damos por integralmente reproduzida (fls. 7).

Efectuada a descrição dos factos em causa, importa pois verificar se os mesmos se subsumem à previsão do artigo 13° da Lei 34/87, de 16 de Julho.

Dispõe o citado preceito legal: "O titular de cargo político que no exercício das suas funções recusar acatamento ou execução que, por dever do cargo, lhe cumpram a decisão de tribunal transitada em julgado será punido com pena de prisão até 1 ano".

O ilícito penal em apreço traduz-se, pois, numa desobediência a uma decisão de um tribunal, por banda de um titular de cargo político.

Da análise dos autos resulta que o Tribunal Constitucional declarou com força obrigatória geral a ilegalidade das normas supra descritas e que na sequência de tal declaração o Governo Regional da Madeira determinou que se mantivessem em funções os membros de direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de ensino públicos, com as competências, reduções da componente lectiva e suplementos remuneratórios constantes do aludido Decreto Legislativo Regional, por entender estarem em causa razões de interesse público, atento o facto de se ter iniciado o ano lectivo e ser necessário assegurar a gestão dos estabelecimentos de ensino, evitando assim hiatos, com repercussões no Sistema Educativo, com prejuízo directo para as famílias e os alunos.

Com tal resolução o Governo Regional manteve em exercício de funções os órgãos de gestão, que vieram a ocupar tais cargos por aplicação do Decreto Legislativo Regional, acima referido.

Ora, ao Tribunal Constitucional compete apreciar a legalidade das normas, verificando se estão conformes com as leis gerais da República, como aconteceu na situação em apreço.

A decisão proferida pelo Tribunal Constitucional, não se traduz no comando, ou numa ordem que tenha que ser acatada pelo titular de cargo político, na medida em que se traduz numa apreciação de legalidade ou ilegalidade de determinadas normas, esgotando-se nessa apreciação.

Por conseguinte, não constituindo a decisão do Tribunal Constitucional um comando, no sentido de determinar urna acção ou abstenção, não se mostra preenchido um dos elementos objectivos do tipo legal em apreço.

Nesta medida, a resolução em causa terá que ser sujeita ao controlo da legalidade através dos mecanismos próprios de justiça administrativa.

Tanto assim é que os participantes interpuseram recurso contencioso de anulação junto do Tribunal Central Administrativo.

Por outro lado, o Governo Regional determinou a manutenção em exercício de tais órgãos, visando evitar que durante algum tempo os estabelecimentos de ensino ficassem, atenta a declaração de ilegalidade, desprovidos de meios de gestão e administração, que poderiam pôr em causa o seu normal funcionamento, afectando os alunos e famílias.

Ao actuar da forma descrita, visou-se salvaguardar o normal funcionamento dos estabelecimentos de ensino e as consequentes expectativas jurídicas das pessoas que podiam vir a ser afectadas.

Assim, não havendo quaisquer elementos de prova nos autos que apontem em sentido contrário, também não se mostra preenchido o elemento subjectivo do tipo legal em apreço. No crime em apreço, apenas são punidas as condutas dolosas.

Ora, verifica-se inexistir dolo de recusa de acatamento, na medida em que, subjacente a tal decisão, esteve a salvaguarda de um interesse público.

Pelo exposto, por se considerar não se ter verificado crime, determina-se o arquivamento dos presentes autos, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 277° do Código de Processo Penal».

Notificado desse despacho, o "Sindicato dos Professores da Madeira" requereu a admissão como assistente e a realização de instrução (fls. 75 a 87).

Apreciando esse requerimento, o sr. juiz de instrução criminal proferiu o despacho que, na parte relevante, se transcreve (fls. 98 a 103): «O Sindicato dos Professores da Madeira requer a fls. 75 a sua constituição como assistente (o que já havia feito a fls. 6, com apresentação da participação alegando "apesar da natureza pública do crime (...) embora o crime em causa se dirija ao Estado de Direito Democrático, deve entender-se que é também titular do interesse que a norma incriminadora quis proteger quem for afectado (não acidentalmente, como sucede com um simples lesado) pelo incumprimento da decisão do tribunal. Ora, o Sindicato dos Professores da Madeira, na sua qualidade de legítimo representante dos professores da Região Autónoma da Madeira, é prejudicado pelo desacatamento da decisão do acórdão, visto que dele decorre a não aplicação do regime de gestão democrática às escolas da R.A.M. ...) e, não se conformando com o despacho de arquivamento dos autos proferido pelo Ministério Público a fls. 70 a 72, requer a abertura de instrução nos termos constantes de fls. 76 a 87, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

O Ministério Público, nos termos de fls. 91 a 92, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, promove se indefira a constituição de assistente e consequentemente o requerimento de abertura de instrução.

Vejamos: Decorre do artigo 68°, n.° 1, alíneas a) e e), do Código de Processo Penal que se podem constituir "assistentes, além das pessoas ou entidades a quem leis especiais conferirem esse direito: - os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação (...); - Qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou...

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