Acórdão nº 3863/2005-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Maio de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução12 de Maio de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO A autora "Pedro --- - Sociedade Corretora, S.A em Liquidação", intentou acção ordinária contra os réus, Pedro ----- e mulher Maria -----, pedindo que os réus sejam solidariamente condenados a pagar à autora: a) Capital social falsamente dado por realizado de 18.000.000$00 e juros vencidos de 1.963.500$00 e vincendos à taxa de 19% e sobretaxa moratória de 2%, bem como imposto de selo à taxa lega! em vigor; b) Capital social declaradamente não realizado de 42.000.000$00 e juros vencidos de 1.592.500$00 e vincendos à mesma taxa e imposto de selo; c) Montante de 84.179.750$00 e juros vencidos de 6.089.002$00 e vincendos àquela taxa, relativo aos títulos de crédito de que os réus se apropriaram; d) Montante de 110.000.000$00 e juros vencidos de 9.047.500$00 e vincendos à mesma taxa, e imposto de selo relativo a levantamentos de dinheiro da sociedade, alegadamente por antecipação de lucros de 1992; e) Montante de 165.596.282$00 e juros vencidos de 13.620.294$00 e vincendos à mesma taxa e imposto de selo relativo aos diversos levantamentos feitos directamente pelos réus e por interpostas pessoas a mando e em favor dos réus; f) A quantia de 13.637.702$00 e juros de mora à taxa de base de 19% e moratória de 2%, vencidos desde 7 de Agosto de 1992 e, até à data (15 de Setembro de 1993), de 3.102.100$00, tudo no valor de 16.739.802$00, e juros vincendos. g) Os danos e respectivos valores a liquidar em execução de sentença, ainda não determináveis.

Em síntese, alegou que o respectivo Conselho de Administração deliberou um aumento do seu capital social de 50.000.000$00 para 200.000.000$00, não tendo o réu realizado a sua quota naquele deliberado aumento, devendo, em consequência, à autora a importância pecuniária global de 60.000.000$00.

O réu marido era administrador da autora, a qual se vinculava com apenas uma assinatura, tendo o réu usado, em proveito comum do casal constituído por ele próprio e pela ré, dinheiro e títulos de crédito que lhe estavam confiados por terceiros, clientes da autora, que exercia a actividade de intermediação de operações em bolsa de valores, tendo ordenado a retirada de títulos de crédito, pertença de clientes da autora, os quais ficaram credores desta, pelos respectivos valores.

O réu procedeu, ainda, a diversos levantamentos de dinheiro, sem conhecimento da autora, tudo em proveito do referido casal, nomeadamente dirigindo tais valores para a amortização de uma dívida contraída junto do Banco ----------, S. A.

A actuação do réu foi a causa necessária e directa da insolvência da autora.

Em consequência da conduta do réu, a autora perdeu a credibilidade que possuía, a qual era essencial para o desempenho da sociedade referida.

Por não poder cumprir as suas obrigações e por ter havido ruptura definitiva da sua credibilidade, o Governo retirou-lhe a licença de intermediação financeira, o que não teria acontecido sem os actos do réu marido.

Em aditamento à petição inicial, ainda antes da citação dos réus, a autora alegou que o réu usou o nome de terceiros para obter crédito da autora, tendo retirado através da sociedade "T------------, S.A." pelo menos 58.770.290$00 à autora. O réu transmitia à autora ordens de bolsa em nome da referida "T-----", para que a autora adquirisse em bolsa títulos que, efectivamente interessavam ao réu; não sendo depositado o preço correspondente a tal operação. Posteriormente, o réu adquiria à "T----" tais títulos, através da autora, sem pagar o respectivo preço.

Na primeira operação o preço era desembolsado pela autora; na segunda a autora ficava devedora à "T----", exigindo o réu que a autora satisfizesse de imediato tal débito. O réu depositava na sua conta pessoal os valores que a autora adquiria à "T---", tornando-se proprietário de títulos pagos pela autora, em compras da "T---", e por esta não pagos.

O réu adquiriu valores mobiliários com dinheiro da autora, aproveitando-se da circunstância de ser administrador da mesma, concretamente tendo o réu dado ordem à autora para adquirir à «SIF---- - Sociedade Gestora ------, S.A.», 19.980 títulos da dívida pública denominados ----, sem ter efectuado o prévio depósito do preço; O réu teve idêntico procedimento na aquisição de mais 19.000 títulos ------.

Contestaram os réus pedindo a sua absolvição da instância por falta de personalidade judiciária da autora, por incapacidade judiciária activa, por ilegitimidade activa da autora, bem como a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e, caso assim não se entenda, a sua absolvição do pedido por improcedência da presente acção.

Em resumo, alegaram que a subscrição de um aumento de capital não pode ser qualificada como acto de comércio e não foi feita em proveito do casal, razão pela qual não pode a ré mulher ser responsabilizada pelos pagamentos peticionados. Na parte em que a autora funda a sua pretensão na responsabilidade aquiliana, não pode também a ré mulher ser responsável, porquanto não é alegado qualquer facto ilícito praticado pela mesma. A deliberação de aumento de capital a que se reportara os autos é nula, por não mencionar o montante nominal das novas participações, a natureza das novas entradas, os prazos dentro dos quais devem ser efectuadas e as pessoas que participaram no aumento.

O réu procedeu ao levantamento de fundos na convicção de que os dividendos a que teria direito, a final, seriam superiores aos montantes levantados.

A falta de credibilidade da autora ficou a dever-se, não à conduta dos réus, mas a um conjunto de circunstâncias que lhe podem ser imputadas, designadamente a natureza volátil do mercado bolsista.

Considera o réu haver fundamento para operar uma compensação com a autora, por ter trazido para esta, da sua actividade como corretor em nome individual, além da importante autorização para exercer qualquer tipo de intermediação financeira, o seu «saber fazer» adquirido na sua actividade anterior como corretor individual, a carteira de clientes até então angariados, os estudos de viabilidade económica e financeira da autora, melhoramentos físicos nas instalações da autora, equipamentos e programas informáticos; No mais impugnaram os factos alegados pela autora.

A autora replicou, pedindo a improcedência das invocadas excepções, reiterando a sua posição já assumida na petição inicial e impugnando os factos alegados pelos réus.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou os réus a pagar à autora as quantias referidas nas respectivas alíneas a) a g).

Não se conformando com a douta sentença, dela recorreram os réus, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - No caso em apreço a deliberação da Assembleia Geral apenas determina o montante e o momento a partir do qual pode ser efectuado o aumento de capital contrariando a intenção legislativa expressa nos artigos 85º e 87º do C.S.Com. que pretende salvaguardar a competência exclusiva dos accionistas.

  1. - Tais normas referem-se ao conteúdo da deliberação da Assembleia Geral e têm uma natureza imperativa na medida em pretendem acautelar os interesses patrimoniais e sociais dos sócios evitando que estes fiquem na dependência do Conselho de Administração como sucedeu no caso sub judice e, consequentemente, os interesses dos credores e da própria sociedade.

  2. - Atendendo às omissões da deliberação da Assembleia Geral relativa ao aumento de capital verifica-se a preterição de elementos de conteúdo essenciais atinentes a uma norma imperativa, o que fundamenta a nulidade de tal deliberação nos termos do artigo 56.º n.º1 alínea d) do CSCom.

  3. - O douto tribunal "a quo" não ponderou para efeitos de concluir que as pretensas "dívidas" do recorrente correspondem a "indemnizações devidas por factos imputáveis a um dos cônjuges" a que será directamente aplicável o regime do artigo 1692.º alínea b) do Código Civil, do qual resulta que tais responsabilidades não podem ser comunicáveis ao cônjuge do recorrente.

  4. - Ainda que o artigo 1691º do Código do Civil fosse aplicável por remissão da alínea b) do artigo 1692º do Código Civil, sempre se concluiria que tal indemnização não poderá ser comunicável ao cônjuge por inexistência de proveito comum atendendo, por exemplo, ao alegado nos artigos 227º a 231º da contestação, factos dos quais resulta que fim do cônjuge marido ao praticar os actos alegados pela recorrida correspondia a evitar um litígio com o BPSM que poria em causa a actividade comercial da sociedade corretora ao impedir o recorrente de desenvolver a sua actividade comercial em benefício da sociedade.

  5. - Ao que acresce que tal aplicação remissiva do artigo 1691º do Código Civil implicaria que a recorrida fizesse prova de que, não obstante estarmos perante factos exclusivamente imputáveis ao cônjuge marido, destes resultaria um proveito comum do casal, sendo que no caso em apreço não só a recorrida não fez tal prova como os recorrentes alegaram e provaram a inexistência de proveito comum.

  6. - A conduta do recorrente deve beneficiar de uma causa de exclusão da ilicitude em virtude de se encontrar a coberto de uma situação de estado de necessidade previsto no artigo 339º do Código Civil.

  7. - No caso em apreço verificam-se os pressupostos do estado de necessidade dado que o recorrente perante o perigo de cessação da sua actividade profissional e de lesão da sua vida e dos seus familiares põem em causa bens patrimoniais - constituição de algumas dívidas na esfera jurídica da sociedade corretora - de valor inferior aos bens protegidos - bens pessoais e patrimoniais. Senão vejamos, 9ª - Por um lado, o juízo de ponderação de interesses em relação aos bens pessoais dos recorrentes não pode deixar de dar prevalência ao bem jurídico vida sobre interesses patrimoniais da sociedade corretora face ao espírito do sistema legal português.

  8. - Por outro lado, de acordo com um juízo de verificação no momento da decisão do recorrente de quais os interesses patrimoniais...

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