Acórdão nº 10341/2004-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Abril de 2005

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução19 de Abril de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Maria...., presentemente representada pelos seus herdeiros habilitados, .....

, interpôs a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra "Clínica ... Lda.", com sede ....em Lisboa e contra M., médico.

A então A. pediu a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 31.372.O00$00, sendo 1.372.000$00 por danos materiais e 30.000.000$00 por danos não patrimoniais, bem como todas as restantes despesas com o caso relacionadas e que viessem a ser determinadas em execução de sentença.

Alegou, para tanto, que, em Maio de 1995, recorreu aos serviços da R. para a realização de exames de rotina de mamografía bilateral e eventual eco, se necessário, e uma ecografia ginecológica.

Tais exames foram realizados pelo R., que é o médico responsável da R., não tendo o relatório do mesmo diagnosticado nada de anormal.

Confiando em tal diagnóstico, a A. não adoptou qualquer outro cuidado médico não aconselhado pelo resultado do exame.

Todavia, em Maio de 1996, a A. veio a descobrir, na sequência de exames médicos, que tinha uma lesão neoplásia maligna plurifocal, em evolutividade, no seio direito.

Na sequência de ulteriores exames, veio a apurar-se que se tratava de uma disseminação metastásica óssea na calote craniana e coluna com fractura patológica de D7, não sendo já possível a abordagem cirúrgica.

Sucede que o exame feito na clínica R., e da autoria material do R. médico, revelava já sinais evidentes da existência de uma situação anormal no seio direito onde, passado cerca de um ano, veio a ser detectada a neoplasia, sendo certo que o R. nada diagnosticou no seu relatório.

As afecções suspeitas já reveladas pela mamografia realizada pelo R. aconselhariam, no mínimo, a realização de mais aprofundados exames.

Se tal diagnóstico tivesse sido feito, a A. não se encontraria na situação que está, impossibilitada de obter a cura e desprovida de forças para combater a doença.

O R. violou, assim, as legis artis da sua profissão, actuando de forma negligente.

Em consequência directa da actuação dos RR., a A. teve despesas de 700.000S00 com médicos e exames e pagou 672.000S00 a terceiros para prestação de serviços domésticos.

A título de indemnização pela prostração física e psíquica, pelas perturbações no seu equilíbrio emocional e física da família (em particular de um filho deficiente que tem a seu cuidado), pela tristeza, desespero, angústia, abatimento, a A. peticiona uma indemnização de 30.000.000$00.

**Contestando, por impugnação, os RR. argumentam que não sabem se houve ou não um erro em qualquer ponto do procedimento que conduziu à elaboração do relatório apresentado pela A., sendo certo que uma mamografía é um mero auxiliar de diagnóstico, a ser ponderado pelo médico assistente da doente, em conjunto com outros elementos, nomeadamente com o exame directo da doente, sendo que a médica de família da A. nada detectou antes da realização do exame, uma vez que este foi pedido e feito por mera rotina.

Por outro lado, dizem, é possível que ocorra o desenvolvimento de uma lesão idêntica à da A. no espaço de um ano.

Alegam ainda os RR não ser verdade que a detecção precoce de uma neoplasia permita sempre a sua cura ou que possibilite dispensar tratamentos penosos.

Concluem, assim, pela improcedência da acção.

**Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo o Tribunal respondido à matéria controvertida como consta de fls. 173 a 175.

Foi depois proferida a competente sentença, da qual foi interposto recurso.

Por douto acórdão deste Tribunal da Relação foi decidido anular o julgamento para ampliação da matéria de facto, eliminando-se parte de um facto dado como assente e inserindo-se o mesmo na base instrutória.

Na sequência, e com o âmbito, do despacho de fls. 286, repetiu-se a audiência de julgamento, tendo a prova testemunhal sido gravada.

A fls. 341 foi proferida a decisão relativa ao facto então controvertido.

Seguidamente foi proferida a competente sentença, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente e em consequência os RR condenados solidariamente a pagarem aos AA: a) a quantia de 6.843,51 euros a título de danos patrimoniais; b) todas as restantes despesas derivadas da doença da falecida, que foi autora, a determinar em execução de sentença; c) a quantia de 50.000,00 euros a título de danos não patrimoniais.

Dela recorreram os RR formulando as seguintes conclusões: A) Em causa no presente recurso está a condenação dos Apelantes a pagarem solidariamente à Apelada, em sede de responsabilidade civil, a quantia de 6.843,51 euros mais despesas a liquidar em execução de sentença a título de danos patrimoniais, bem como o montante de 50.000,00 euros a título de danos não patrimoniais, em virtude de um erro de diagnóstico cometido pelo Apelante médico; B) Para este efeito, o Tribunal "a quo", partindo do sistema do cúmulo de responsabilidades contratual e extracontratual, considerou (i) a existência de um ilícito culposo traduzido na não detecção de uma neoplasia na análise da mamografia da Apelada efectuada na Apelante Clínica em 1995, e (ii) a verificação do nexo de causalidade entre este ilícito e dois danos, a saber, a diminuição das probabilidades da A. debelar a neoplasia maligna e, em qualquer circunstância, a diminuição da esperança de vida da A.

; C) Acontece que, atenta a factualidade provada - contratação dos serviços de radiologia da Apelante Clínica - em causa está um ilícito contratual na alegada vertente de cumprimento defeituoso, o que determina, na nossa ordem jurídica a aplicação do regime consagrado para a responsabilidade civil contratual, salvo quando exista remissão expressa ou implícita para o regime da responsabilidade civil extracontratual; D) Daqui deriva que, e sem conceder, com base na causa de pedir alegada pela Apelada e na matéria provada, só a Apelante Clínica poderia ser condenada, donde a violação pela decisão recorrida do disposto no art.

800°, n° 1, do C.C; E) Depois, não basta constatar a existência de um ilícito médico, aqui erro de diagnóstico, há que verificar se este erro é culposo; F) Ora, por não ter valorado correctamente a prova produzida e por não ter tido em consideração um artigo científico constante dos autos, o qual releva como parecer técnico, e donde resulta a variabilidade e falibilidade na interpretação de mamografias por radiologistas mesmo em situação de teste, o Tribunal "a quo" cometeu um erro de julgamento, em cuja base se encontra o critério, aliás, errado, do bom profissional da categoria e especialidade do devedor, considerando de negligência grosseira a actuação do Apelante médico, quando, ao invés, não existe, com base no critério do especialista médio - homem médio - e nos referidos elementos, qualquer culpa do Apelante médico; G) A sentença recorrida viola, assim, consequentemente, o art. 487°, n° 2, ex vi art. 799°, n° 2, do CC; H) Depois, não existe nexo de causalidade entre os danos sofridos pela Apelada e o erro de diagnóstico do Apelante médico, e isto simplesmente porque quer os danos patrimoniais, presentes e futuros - despesas médicas - quer os danos morais - sofrimento - decorrem directamente da doença de que a Apelada padece e já padecia, não se demonstrando que pudessem ter sido sequer agravados com o ilícito médico cometido; I) Na verdade, no que a este nexo quanto aos danos patrimoniais especificamente concerne, entendem os Apelantes existir erro de julgamento da matéria de facto constante do quesito 11o da base instrutória, cuja resposta positiva expressamente se impugna com base nos depoimentos das testemunhas Dr.... e Dr. ..., dos quais resulta inequivocamente que tal resposta parte de dados estatísticos sendo igualmente plausível resposta diversa, donde perante a dúvida quanto à prova do facto constante daquele quesito, impendia sobre o julgador considerar tal matéria não provada por aplicação do disposto nos arts. 342°, n° 1, e 346°, do CC, que assim foram violados; J) Aliás, e agora quanto ao nexo de causalidade em matéria de danos morais, e perdoe-se a expressão, a fuga para a frente traduzida na consideração como dano indemnizável a diminuição das probabilidades da A. debelar a neoplasia maligna e, em qualquer circunstância, a diminuição da esperança de vida da A, revela justamente a ausência de nexo de causalidade adequada entre o erro de diagnóstico cometido e os danos sofridos pela Apelada; K) Ora, como se admite, mesmo que o diagnóstico do Réu tivesse sido o correcto e, na sequência de exames complementares, fosse logo detectada a neoplasia maligna, não é possível quantificar as probabilidades de cura efectiva da Autora porquanto a evolução de tal neoplasia não é absolutamente previsível; L) Só que o direito não cuida de estatísticas, nem de probabilidades, exige a prova da causalidade do dano e da sua relação com a culpa, sob pena de a culpa, e sem conceder, poder fundamentar a responsabilidade do médico por um dano que não causou com a consequente porta aberta sem limites à responsabilidade civil profissional; M) Por isso, falar do dano constituído pela perda de uma possibilidade em matéria de responsabilidade médica é um sofisma porque, dado o carácter aleatório e incerto da medicina, não se pode afirmar que existem possibilidades para um paciente concreto, só se pode falar de possibilidades estatísticas. Este extremo tem uma grande relevância: é impossível aplicar as estatísticas de uma doença determinada a um doente em particular, porque a peculiaridade de cada doente não cabe na abstracção e generalidade das estatísticas; a um paciente, que vai a caminho de um cirurgião, pode-lhe servir de consolo a constatação de que aquela intervenção tem um determinado índice estatístico de resultados positivos, porque pensa que poderá ser incluído nestes, mas isto não oferece nenhuma garantia nem ao médico nem ao doente, porque as estatísticas entendem de generalidades e o homem doente é o caso concreto; N) Decidindo o contrário, a sentença recorrida peca por má...

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