Acórdão nº 665/2005-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Abril de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARLOS ALMEIDA
Data da Resolução06 de Abril de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1 - O assistente J. (fls. 74), no final da fase de inquérito do processo nº 8946/99.0TDLSB, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 285º do Código de Processo Penal, deduziu, contra o arguido D., a seguinte acusação: 1. O arguido, em entrevista concedida ao jornal "S.", publicada no dia 16 de Março de 1999, cuja cópia se encontra junta aos autos, aqui se dando por integralmente reproduzida, referindo-se ao participante, proferiu, entre outras, as declarações a seguir transcritas: "Provavelmente o Sr. J. não tem disto culpa nenhuma porque já nem sequer saberá o que diz, não estará, enfim, em condições ... de controlar o que lhe passa pelo espírito".

(..) "Como referi, o Sr. J. é hoje, na minha opinião, praticamente um inimputável".

(..) "A convocação do Sr. J. ao Conselho Fiscal e Disciplinar não teria que ter em vista uma qualquer sanção disciplinar - o seu estado aconselha, a meu ver, o abandono de qualquer intuito disciplinar ... ". (sublinhado do assistente) 2. O teor das afirmações acima reproduzidas é manifesta e objectivamente ofensivo da honra, dignidade, reputação e consideração pessoal do assistente.

  1. E tais ofensas foram proferidas através um meio de comunicação social bem sabendo o arguido que, veiculando-as através de um jornal, as mesmas seriam mais facilmente divulgadas.

  2. O assistente, que foi presidente do X. no período de 1973 a 1986, é uma figura pública, considerando-se pessoa respeitada, cidadão de passado impoluto e respeitador da lei, com plena capacidade jurídica e no pleno gozo dos seus direitos e deveres, cumpridor das suas responsabilidades quer como cidadão, quer como pai de família, quer ainda como activo empresário e banqueiro, de boa reputação na praça e com uma considerável carteira de negócios no país e no estrangeiro.

  3. O arguido, ao apelidar o assistente de "praticamente inimputável", referindo-se ao seu "estado" e afirmando que o mesmo "já nem sequer saberá o que diz" e que "não estará em condições de controlar o que lhe passa pelo espírito", colocou abusiva e ilicitamente em causa a capacidade de querer e entender do visado, tratando-o como pessoa incapaz, irresponsável e cuja palavra não é digna de crédito.

  4. Toda a entrevista em geral e os mencionados juízos de valor em especial, para além de claramente ofensivos da honra e consideração pessoais do assistente, ofendendo igualmente o seu bom nome e reputação.

  5. Assistente sente-se profundamente ofendido e chocado com as palavras difamatórias e caluniosas que a seu respeito foram proferidas pelo arguido.

  6. O abalo moral causado ao Assistente é tanto mais grave quanto o facto de, às referidas ofensas, ter sido dada publicidade e divulgação.

  7. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

  8. Não obstante saber que as ofensas por si verbalizadas são destituídas de fundamento, a verdade é que, até à presente data, o arguido não se retractou publicamente nem demonstrou, a qualquer título, o menor sinal de arrependimento.

    Face ao exposto constituiu-se o arguido em autor de um crime de difamação, com publicidade e calúnia, p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, nº 1 e 183º, nº 1, als. a) e b) e nº 2 do Código Penal.

    O Ministério Público, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 285º do Código de Processo Penal, acompanhou a acusação deduzida pelo assistente (fls. 78 e 79).

    No termo da fase de instrução requerida pelo arguido foi proferida a decisão instrutória que, na parte para aqui relevante, se transcreve: «A matéria factual do ilícito imputado ao arguido sintetiza-se na peça acusatória no que se encontra vertido no artigo 1º. Ali se referem expressões que, numa entrevista concedida jornal "S.", o arguido proferiu. Este não põe em causa o teor da entrevista.

    A questão a resolver nos presentes autos é saber se tais expressões são ou não objectivamente ofensivas da honra ou consideração do assistente, nos termos a que se reporta o artigo 180º do Código Penal (versão revista).

    As ditas expressões não imputam ao assistente qualquer facto mas formulam um juízo. Da leitura da entrevista, verifica-se que esta foi concedida num período de acesa polémica sobre o património imobiliário do X e na sequência de uma outra entrevista concedida pelo assistente ao jornal "R."" e publicada na edição de 13.3.99. Nesta, o assistente afirma, além do mais: "Depois do Eng. G., toca agora a vez a outro engenheiro, D. de seu nome, declarar o mesmo solenemente e com total falsidade. Por isso, tenho de me apressar uma vez mais a desmentir outro autor, agora com a estatura e a responsabilidade de dirigente do X e ainda de conselheiro do Estado a quem, por isso mesmo, se tem de pedir dignidade, idoneidade, urbanidade e exemplar escrúpulo nas suas declarações" (...) "só a verdade tem direitos que nenhuma imaginação doentia, com interesses ocultos, pode criminosamente enterrar".

    Da leitura das duas entrevistas resulta evidente que, no que toca ao X, assistente e arguido não se relacionam com "punhos de renda". Mas, da delicadeza na linguagem até ao insulto, vai pelo menos a distância da descortesia.

    Não podemos esquecer a frequência com que os ânimos exaltados das paixões clubísticas levam a guerras de palavras fomentadas pela publicidade de que são objecto nos meios de comunicação social.

    A afirmação do arguido - na sequência da já citada entrevista publicada no "R." - de que o assistente não está em condições de lhe controlar o que lhe passa pelo espírito não é delicada mas também não é insultuosa: o arguido não afirma que o assistente é um louco ou que se encontra em estado de insanidade mental. E a verdade é que a falta de capacidade de controlar o que ao ser humano passa pelo espírito pode ser consequência de factores diversos da loucura ou insanidade como é o caso da paixão de vários anos por um clube desportivo de que se foi dirigente e se pretende ver defendido. Como o arguido afirma "... uma história de amor ao X. como aquela que o Sr. J. viveu...".

    Por outro lado, a afirmação de que, na opinião do arguido, o assistente é hoje praticamente um inimputável, não passa disso mesmo, uma opinião. A imputabilidade é a qualidade daquele a quem se pode atribuir culpa ou responsabilidade por um acto; a inimputalidade é a falta desta qualidade. Se, em direito penal, a inimputabilidade se encontra estabelecida em...

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