Acórdão nº 0231276 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B….., Ldª, com sede no Centro Comercial da …., ….. nº …, sala …, Braga, interpôs o presente recurso de agravo da decisão proferida em 15 de Abril de 2002, que decretou o despejo imediato da Ré C….., Ldª, com sede na Rua …., nº …, Braga, e da recorrente, interveniente principal na acção de despejo instaurada na 4.ª Vara Cível da Comarca do Porto, nº 65/2001, instaurada por D….., casado, com domicílio escolhido para efeitos da acção na Rua …., nº …, Espinho, onde este formulou o pedido de condenação na entrega, inteiramente devolutas de pessoas e bens, de três fracções autónomas por ele arrendadas à ré, e, no pagamento das rendas vencidas no valor de 6 000 000$00 e vincendas, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: "1. A douta decisão recorrida, ao considerar que, no âmbito do incidente previsto no artigo 58.º do RAU, a recorrente «apenas pode fazer prova documental do pagamento ou de depósito das rendas respectivas», não lhe sendo «permitido invocar quaisquer circunstâncias modificativas ou impeditivas do pagamento», fez incorrecta interpretação do citado preceito, contrariando a jurisprudência que vem sendo seguida a propósito, designadamente a constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Maio de 1998, in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, tomo 2, pág. 81, e do Acórdão da Relação do Porto, de 17 de Maio de 1994, Boletim do Ministério da Justiça, n.° 437, pág. 577.

  1. Perante a actual redacção do artigo 58.° do RAU não é mais aceitável a conclusão que prevalecia no domínio de aplicação do anterior artigo 979.º do CPC, nos termos da qual a única defesa relevante que o arrendatário pode produzir é demonstrar que pagou ou depositou a renda.

  2. Da actual redacção do artigo 58.° do RAU resulta que este artigo pressupõe que as rendas deviam ser pagas e não o foram; isto é o mesmo que dizer que não se justifica o despejo imediato previsto no artigo 58.° do RAU quando se discute se aquele que se arroga o direito de receber renda está, ou não, em situação de poder exigi-la.

  3. A providência do artigo 58.° do RAU pressupõe que se encontra assente a relação processual entre demandante e demandado.

  4. Nos presentes autos, é o próprio autor que põe em causa a validade do arrendamento em relação à recorrente C., não a reconhecendo como actual legítima arrendatária, sustentando expressamente que o trespasse realizado é ineficaz em relação a si (cfr. artigos 4.º, 13. °, 14. ° e 15. ° da réplica).

  5. Daí que, não sendo à recorrente reconhecida pelo senhorio a qualidade de actual arrendatária, não se lhe pode impor uma obrigação (pagar rendas) que apenas sobre o detentor de tal posição impende.

  6. A dar-se como assente (?) a validade do arrendamento nos termos em que o autor configurou a presente acção, então a obrigação de pagar as rendas recairia sobre a ré B. - que, nos termos da petição inicial, é a única entidade reconhecida pelo autor como legítima arrendatária (cfr. artigos 4.°, 13.º e 15.º da réplica).

  7. Sendo controversos os termos que assumiu a relação locatícia estabelecida entre as partes, o que foi levado à base instrutória dos presentes autos, nomeadamente por indefinição quanto à identidade do actual arrendatário e actual montante das rendas, não é possível impor a qualquer uma das rés uma obrigação (pagamento de rendas) sem previamente se apurar quem possui legitimidade para suportar tal obrigação e qual o actual montante mensal da renda.

  8. Por outro lado, na sua defesa, a recorrente veio alegar factos que colocam em causa o direito que o autor se arroga de receber rendas, nomeadamente por ter sido este que a dispensou do respectivo pagamento (artigo 13.° da contestação) e ainda porque se recusou a dar quitação (artigo 31.° da contestação).

  9. Assim sendo, é inaceitável que o arrendatário, não tendo pago por razões unicamente imputáveis ao senhorio, esteja obrigado a ir pagar ou depositar, com indemnização, as rendas em questão.

  10. É que o incidente previsto no artigo 58.º do RAU, «porque é de uma nova acção - incidental embora - que se trata, ao arrendatário está aberta a possibilidade de se opor ao seu senhorio do mesmo modo e nos exactos termos em que se lhe oporia numa acção autónoma» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Novembro de 1995, in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1995, tomo 3, pág. 59).

  11. Aliás, o entendimento do despacho recorrido viola as disposições dos artigos 2.°, 9.°, alínea b), 13.°, 18.° e 20.°, n.ºs 1 e 4, da Lei Fundamental, colidindo directamente contra princípios constitucionais como o do Estado de direito democrático, princípio da igualdade, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva." Por acórdão de 14 de Novembro de 2002, este Tribunal da Relação negou provimento ao agravo.

Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional onde foi proferido o acórdão datado de 6 de Dezembro de 2005 do seguinte teor: "3. Decisão Em face do exposto, acordam em: a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo...

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