Acórdão nº 0110306 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Abril de 2002
Magistrado Responsável | MATOS MANSO |
Data da Resolução | 03 de Abril de 2002 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam na Relação do Porto: Na comarca do..... o Mº. Pº. acusou os arguidos Alice....., Amândio....., Augusto..... e Fátima....., identificados nos autos, imputando-lhe a prática de factos que integrarão um crime de burla agravada p. p. pelos arts. 313º, n.º 1 e 314º, c) do CP82 ou pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2, a) do CP95 (fls. 474 e segs).
Os arguidos requereram a abertura da instrução (fls. 518 e segs., fls. 532 e segs. e fls. 537 e segs.).
Concluída a instrução e realizado o debate instrutório, o M.mo Juiz proferiu a decisão instrutória de fls. 568 e segs. que, considerando estar o crime de fraude fiscal numa relação de especialidade relativamente ao crime de burla agravada, considerou o procedimento criminal extinto por prescrição e não pronunciou os arguidos.
Deste despacho interpôs recurso o M.º P.º, terminando a sua motivação com as conclusões seguintes: 1 -- Os factos constantes da acusação integram a prática, pelos arguidos, em co-autoria material, de um crime de burla agravada p.p. pelos arts. 313º e 314º, c) do CP82, (actuais arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, a) do CP, face à revisão operada pelo Dec. Lei n.º 48/95 de 15/3) 2 -- Há concurso real entre tal ilícito e os crimes de falsificação e de fraude fiscal, crimes estes que foram declarados prescritos em despacho prévio à acusação deduzida.
3 -- Com efeito, são diversos e distintos os interesses jurídicos violados.
4 -- Em causa no presente recurso está apurar o concurso entre burla/fraude fiscal, já que a douta decisão instrutória recorrida considerou que os factos constantes da acusação integram apenas fraude fiscal (já prescrito) e não burla, por inexistência de concurso real de infracções de infracções.
5 -- O crime de fraude fiscal é um crime de perigo concreto em que o resultado "é antecipado para um momento anterior ao do dano material, bastando-se com a apresentação da declaração que tem por base as facturas falsas, determinantes do apuramento da matéria colectável, nomeadamente em termos de IRC".
6 -- Os arguidos, quando fizeram constar da escrita da sociedade facturas falsas para basear as declarações para liquidação de IRC e , nomeadamente, para dedução de IVA nas declarações periódicas a que estavam obrigados, cada um desses factos já constitui execução de crime de fraude fiscal previsto no art. 23º do RJIFNA.
7 -- O facto da falsificação de facturas ocorrer como meio de o arguido cometer o crime de fraude fiscal, isso não retira autonomia ao crime de falsificação de documentos.
8 -- O crime de falsificação de documentos consuma-se com o simples acto de falsificar, não sendo exigível que o agente alcance o benefício pretendido, pois que, sendo tais documentos juridicamente relevantes, aquele acto viola a confiança no tráfico jurídico.
9 -- Ao integrarem na escrita da sociedade documentos falsos que não correspondem a quaisquer prestações de serviços só para empolar custos e desse modo diminuírem o valor do imposto a pagar em sede de IRC, os arguidos cometeram em concurso real um crime de falsificação de documentos e de fraude fiscal.
10 -- Na medida em que o Fisco presume aquelas declarações como verdadeiras para efeitos de apuramento da matéria colectável, nessa medida e nesse momento é "astuciosamente ludibriado" pelo sujeito passivo, pelo que nesse momento também é vítima de crime de burla.
11 -- Ao não pronunciar os arguidos pelo indiciado crime de burla agravada, determinando o oportuno arquivamento dos autos, a douta decisão recorrida violou os seguintes normativos legais: art. 30º, n.º 1, art. 313º, n.º 1 e art. 314º, c) do CP82 (actuais arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, a) do CP95).
Pretende a revogação da decisão recorrida e a pronúncia dos arguidos pelo crime de burla agravada.
Responderam os recorridos Fátima....., Augusto..... e Alice..... concluindo que deve ser confirmada a decisão recorrida.
O M.mo Juiz ordenou a subida dos autos (fls. 634,verso).
Nesta instância o Mº. Pº. emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Foi dada vista aos Ex.mos. Adjuntos.
*Cumpre decidir.
Os factos que a acusação imputa aos arguidos são, em síntese, os seguintes: 1 -- A sociedade "A....., L.da" dedica-se há vários anos à comercialização por grosso e a retalho de móveis para escritório.
2 -- Na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais mostrava-se, pelo menos nos anos de 1992 e 1993, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal em sede de IVA e colectada em IRC.
3 -- Nos aludidos anos, os arguidos Amândio..... e Alice..... eram sócios-gerentes da referida sociedade.
4 -- Em data não determinada do ano de 1992, os arguidos Amândio..... e Alice..... decidiram levar a efeito um plano, a concretizar-se no ano de 1993, no intuito de obterem largo proveito económico.
5 -- Para o efeito contaram com a participação dos demais arguidos.
6...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO