Acórdão nº 0110744 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Dezembro de 2001 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCLEMENTE LIMA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2001
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, precedendo audiência, na Relação do Porto: I 1. Nos autos de processo comum (singular) n.º ../..., do -.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de....., os arguidos, «C....., L.da», Natalino..... e Serafim....., pronunciados, sob acusação do Ministério Público, a 1.º arguida, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível nos termos do disposto nos arts. 24.º n.ºs 1, 2 e 5, 7.º n.º 1 e 9.º n.º 2, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, e os 2.º e 3.º arguidos, pela prática em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível nos termos do disposto nos arts. 24.º n.ºs 1, 2 e 5, 6.º n.º 1 e 10.º, do mesmo RJIFNA, acusação que contestaram, foram submetidos a julgamento vindo a ser absolvidos, por Sentença de fls. 480-490, dos crimes por que vinham pronunciados.

2. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal «a quo» interpôs recurso daquela Sentença, concluindo a correspondente motivação por dizer: 2.1. «A M.a Juíza na sentença recorrida tendo entendido que não se encontrava provado o elemento subjectivo do crime de abuso de confiança fiscal de que os arguidos se encontravam acusados, absolveu-os da prática de tal ilícito.» 2.2. Porém os factos relativos ao elemento subjectivo, especificamente a intenção de apropriação, constavam dos factos provados.» 2.3. «Estando a sentença ferida dos vícios de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, bem como a [de] erro notório na apreciação da prova, previstos no art. 410.º, n.º 2, al. b) e c) do C.P.P.» 2.4. «A qual violou o disposto nos arts. 3.º, 14.º e 205.º do C.P., 7.º n.º 1 e 9.º n.º 2 e 24.º, n.ºs 1, 2 e 5, do R.J.I.F.F.N.A. e 127.º do C.P.P.» 2.5. «Devendo ser revogada e substituída por outra que condene os arguidos pela prática dos crimes de por que se encontravam acusados.» 3. Os arguidos responderam à motivação, concluindo por dizer: 3.1. «As disposições do RJIFNA que prevêem penas de prisão para as pessoas singulares que não procedam ao pagamento de impostos e acréscimos legais são inconstitucionais, por estabelecerem uma possibilidade manifesta de prisão por dívidas.» 3.2. «Tais disposições, particularmente os arts. 24.º e 25.º do RJIFNA, violam o disposto no art. 1.º do protocolo n.º 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e art. 8.º n.º 2 e 27.º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.» 3.3. «E que se trata de uma verdadeira prisão por dívidas resulta, desde logo, do art. 3.º da lei n.º 51-A/96, de 9 de Dezembro, segundo o qual "o pagamento integral dos impostos e acréscimos legais extingue a responsabilidade criminal.» 3.4. «Por conseguinte, o bem jurídico subjacente à criminalização fiscal é o pagamento de uma dívida ao Estado.» 3.5. «Paga a dívida, extingue-se automaticamente o crime.» 3.6. «Por outro lado, o RJIFNA permite a punição simultânea de pessoas singulares que actuam como órgãos e representantes da pessoa colectiva, nos termos do art. 6.º daquele diploma, e a própria pessoa colectiva - o que constitui flagrante violação do princípio "ne bis in idem", contido no art. 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (na modalidade de dupla punição indevida pelo mesmo facto).» 3.7. «Acresce que a responsabilidade obrigacional fiscal dos administradores e gerentes de sociedades é meramente subsidiária (art. 13.º do Cód. Proc. Tributário e art. 23.º e segs. da Lei Geral Tributária aprovada pelo Dec-Lei. Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).» 3.8. «Só no caso de insuficiência dos bens da sociedade assiste ao Estado-exequente o direito de reversão contra os responsáveis subsidiários (art. 245.º do Cód. Proc. Tributário).» 3.9. «No caso dos autos, os bens da sociedade arguida não foram penhorados nem vendidos em execução fiscal - pelo que nem sequer o procedimento executivo é ainda possível e legítimo contra os gerentes arguidos.» 3.10. «O direito de punir só nasce depois de se verificar (além de outros requisitos típicos) que foram absolutamente excutidos os bens dos civilmente responsáveis - no caso concreto, a "C....., Ldª" em primeira linha, e os seus administradores, em segunda.» 3.11. «Só depois dessas fases (execução fiscal contra a sociedade, e reversão contra os administradores), frustradas que se mostrem e comprovadas que sejam as diligências de cobrança, poderia então colocar-se (hipótese que apenas se concebe) a problemática de enquadramento criminal das condutas imputadas aos arguidos.» 3.12. «Mesmo nessa última etapa, não se verificam os requisitos suficientes ao pretendido enquadramento do crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 24.º do RJIFNA.» 3.13. «Efectivamente, não se verifica o crime de confiança fiscal porque o sujeito passivo da obrigação tributária em causa é a 1.ª arguida, nos termos do art. 2.º n.º 1 a) do Código do IVA - a prestação tributária não foi deduzida de outro qualquer devedor tributário.» 3.14. «E, por outro lado, os arguidos não se apropriaram das importâncias do IVA em causa - nunca as retiveram "uti dominus" (nem tiveram intenção de fazê-lo)».

3.15. «Ao 2.º e 3.º arguidos não foi imputada qualquer responsabilidade por insuficiência do património da 1.ª arguida para assegurar o pagamento da dívida em causa - não existindo, assim, responsabilidade tributária, e, consequentemente, responsabilidade penal (art. 24.º n.º 1 a) da Lei Geral Tributária).» 3.16. «Não se verificam os pressupostos da incriminação estabelecidos no art. 24.º do RJIFNA.» 3.17. «à face de tudo o exposto, tem de concluir-se que a douta sentença recorrida não incorreu em violação de quaisquer normas legais, devendo ser inteiramente confirmada [...].» 4. Continuados os autos a esta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto apôs o seu «visto».

5. As conclusões extraídas pelo Recorrente da motivação da minuta demarcam o objecto do recurso (art. 412.º n.º 1, do Código de Processo Penal).

Não tendo sido documentados os actos de audiência, em 1.ª instância, os poderes de cognição deste Tribunal «ad quem» encontram-se restringidos ao reexame da matéria de direito (arts. 364.º e 428.º, do CPP), ressalvados os casos de conhecimento, sob impulso dos intervenientes processuais (como é o caso) ou mesmo «ex officio», dos vícios da matéria de facto a que se refere o n.º 2 do art. 410.º, do CPP [Cfr. acórdão, do STJ (Pleno), n.º 7/95, de 19-10-95, no D. R., 1.ª série A, de 28-12-95, pp. 8211 e ss., no sentido de que «é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.»].

Assim, e atenta a parcimónia [Pode, no caso e para a i. Recorrente, ter algum rédito e conveniência (repetita uivant), evocar a lição do Professor José Alberto dos Reis, no «Código de Processo Civil, Anotado», vol. V, pp. 358 - 363, referindo-se ao ónus de concluir que impende sobre o recorrente, a propósito do disposto no art. 690.º, do CPC.] (à luz do disposto no art. 412.º n.º 3, do CPP) das conclusões da motivação do recurso, o objecto do recurso cinge-se, «in casu», (como se adiantou no proémio da audiência nesta instância) a saber se a Sentença recorrida padece dos vícios de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, e de erro notório na apreciação da prova, prevenidos nas alíneas b) e c), do n.º 2 do referido art. 410.º.

Vejamos pois.

II6. A Decisão sobre a matéria de facto, em 1.ª instância.

6.1. O Tribunal recorrido julgou provado o seguinte acervo de factos: «6.1.1. A 1ª arguida tem por objecto a actividade de abate de aves e de coelhos (produção de carne), pela qual se encontra colectada na R.F. de....., para efeitos de I.V.A., no regime de periodicidade mensal.

6.1.2. Os 2º e 3º arguidos são os seus sócios gerentes em efectivo exercício de funções, competindo-lhe todas as tarefas inerentes à sua gestão e administração.

6.1.3. Apesar de ter sido remetida à Direcção de Serviços de Cobrança do I.V.A., a competente declaração periódica p. no art. 28º n. 1 , al. c) do C.I.V.A. referente ao período do mês de Julho de 1996, não foi enviado o correspondente meio de pagamento relativo ao imposto liquidado nas vendas a dinheiro que foram realizadas a diversos clientes e nas quais foi cobrado aquele imposto, nesse período, e no montante de 6.322.263$00.

6.1.4. Este valor devia ser pago até ao 20º dia do mês seguinte a que respeitavam as operações de...

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