Acórdão nº 0210597 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Julho de 2002 (caso NULL)
Magistrado Responsável | COSTA MORTÁGUA |
Data da Resolução | 03 de Julho de 2002 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Na comarca de ....., julgado em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, mediante acusação do Ministério Público - a que aderiu a assistente Maria Cristina ..... -, o arguido Luís Filipe ....., com os sinais dos autos, foi condenado: a) como autor material de um crime de maus tratos, previsto e punível pelo artigo 152º, nº 2º, na pena de 2 anos de prisão; b) como autor material de um crime de ameaças, previsto e punível pelo artigo 153º, nºs 1º e 2º, na pena de 4 meses de prisão; c) como autor material de 2 crimes de dano, previstos e puníveis pelo artigo 212º, nº 1º, todos do CP, nas penas de 3 meses de prisão e 2 meses de prisão; d) em cúmulo jurídico na pena única de 2 anos e 1 mês de prisão; e, e) na procedência parcial do pedido de indemnização civil contra ele deduzido pela ofendida-assistente Maria Cristina a pagar-lhe a quantia de 6.000 € (1.202.892$00), acrescida de juros à taxa anual de 7% desde a data da notificação do pedido até integral pagamento.
A decisão observou os pertinentes preceitos tributários, determinando, ainda, que o arguido, nos termos dos artigos, 204º, al. c), 201º e 193º, do CPP, e até ao seu trânsito em julgado, passasse a estar sujeito à obrigação de permanência na habitação que indicou como sua residência.
* Inconformado o arguido interpôs recurso.
Na motivação apresentada formula as seguintes conclusões: 1. Afigura-se ao recorrente que nenhuma prova se fez em audiência de julgamento que pudesse conduzir à referida condenação, senão por um crime de ameaças e por três crimes de ofensas corporais simples.
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São inaceitáveis as conclusões que o Tribunal retira dos depoimentos quer da ofendida, quer de seus pais e até do Adelino, pois como se demonstrou em cima e uma leitura atenta das suas declarações permite apreender as muitas incoerências dos seus testemunhos - pelo que houve erro notório na apreciação da prova e da matéria de facto dada como provada e violação do disposto no artigo 410º, nº 2º, alíneas, a) e c) do CPP.
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O Tribunal integrou mal a factualidade descrita na hipótese legal, porque atenta a prova produzida - e as suas contradições -- certo é que estas situações não configuram um crime de maus tratos até porque, não se provaram que as ofensas à honra fossem apenas do arguido, como a própria ofendida o admitiu! 4. Acresce que, em nenhuma dessas situações - que serão certamente reprováveis, não se está aqui a querer escamotear esse facto - houve agressões graves, basta de resto verificar os relatórios periciais do IML que constam do processo nomeadamente a fls. l07, 245 e 472! 5. Ora, no caso em apreço só existem provas evidentes dessa agressões das situações referidas no dia 2/6/99, em 14/3/00 e em 17/6/00, até porque o arguido as admitiu, mesmo que limitadamente, pois que nenhuma testemunha assistiu a qualquer outra agressão que não estas, tendo inclusive a testemunha Sandra afirmado, que aquela do dia 15/3/00 foi a única agressão que presenciou - sendo que em todas as vezes existiam insultos recíprocos ou seja as ofensas à honra eram mútuas! 6. Repete-se nenhuma prova foi produzida que sem margem para dúvidas permita extrair a conclusão que antes do casamento até o nascimento da filha do casal existiam quaisquer agressões, sendo certo que como se disse ambos se insultavam quando discutiam.
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Mesmo os tiros referidos que consubstanciam de facto um crime de ameaças, surgem no decurso de uma situação especial, em que o exagero de reacção do arguido, surge após ter sido violentamente agredido pelo Adelino ....., sendo que não se comprovou que ele visasse especificamente ameaçar a sua mulher, mas sim ambos, pois no seu entender "estes seriam amantes"! 8. O arguido encontrava-se num estado de imputabilidade numa escala leve-moderada-acentuada, com a imputabilidade acentuadamente reduzida, ou seja fora do seu estado normal em que era nas palavras quer da ofendida quer de seus pais pessoa dócil e simpática!!!! 9. Tais crimes (as agressões) atenta a exposição apresentada e por um mero raciocínio de bom senso deveriam apenas ser punidos como ofensas corporais simples, sendo certo que apenas se provaram em três ocasiões e de modo algum configuraram uma violência desmesurada! 10. O Tribunal "a quo" deu ainda como provada matéria de facto que é francamente contraditória violando assim o disposto no artigo 410º, nº 2º, alínea b) do CPP, conforme supra se identificou.
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Não existem quaisquer elementos na fixação da matéria de facto e na fundamentação do Acórdão ora em crise que permitisse ao Tribunal condenar o requerente por um crime de dano alegadamente perpetrado contra o Adelino Barros, numa clara violação de um princípio fundamental em Direito Penal - in dubio pro reo, 12. Não foi apresentado documento de que o arguido fosse proprietário de tal viatura, não foi apresentada testemunha que o visse deslocar em tal carro, muito menos alguém que efectivamente o tivesse visto a atirar uma pedra à referida persiana, em suma não foi apresentada qualquer prova de que o arguido tenha cometido tal crime e o simples colocar do arguido no local nunca seria suficiente de per si para o condenar, tal constitui uma clara violação do disposto na lei e nomeadamente no artigo 410º, nº 2º, alíneas a) e c), do CPP, devendo o recorrente ser absolvido de tal crime.
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Parece-nos por isso que no que respeita á medida da pena, dir-se-á que foi arbitrada uma pena efectiva de prisão assaz pesada em nítido desequilibro com a factualidade dada como provada, atentas as condições especiais em que se encontrava o arguido e a sua dificuldade em pautar os seus comportamentos conforme a normatividade, sendo que estas capacidades se encontram, conforme perícia médico legal, na actualidade, intactas! 14. Em nosso entender, atenta a situação especial em que tais actos ocorreram, e atentas as motivações que estiveram na génese destes comportamentos desviantes, atendendo que o arguido se encontrava incapaz de pautar a sua conduta de acordo com a avaliaçio correcta que fazia sobre o grau de ilicitude dos seus actos, parece que aquela culpa será sempre diminuta.
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Quanto às consequências de seus actos, julgamos não ser exagero se referirmos que não foi apenas a Maria Cristina a sofrer com toda esta situação, mas também o próprio arguido e respectivas famílias e ainda a filha mais nova do casal e a mais velha do arguido.
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Não teve o Tribunal também em conta o arrependimento do arguido, pois que a sua confissão, embora parcial é sintoma de arrependimento, ou pelo menos reconhecimento de alguma culpa o que em última instância nunca poderá levar á conclusão de que este não existiu! 17. Não teve o Tribunal em conta a perída médico legal, que ele próprio solicitou, certamente porque lhe suscitavam dúvidas sobre o estado psicológico do requerente na altura dos factos, então para quê a perícia se não era para ser levada em conta? 18. Até porque como já se frisou, o arguido estava fora do seu estado normal em que é pessoa dócil, isto significa que não estamos perante um criminoso, muito menos um psicopata, mas apenas alguém que comprovadamente se descontrolou num específico momento da sua vida! 19. E cujas capacidades para agir dentro da normatividade se encontram actualmente intactas! 20. Conforme de resto, ele com o seu comportamento a seguir ao divórcio, e mais recentemente desde que lhe foi imposta a medida de coacção anterior, cumpriu, não mais se tendo aproximado da sua ex-mulher! 21. Quanto ao arrependimento os factos que existem, são apenas a confissão objectiva e o cumprimento de todas as obrigações processuais pelo arguido donde não pode concluir-se pelo não arrependimento, antes pelo contrário, compareceu nos actos judiciais colaborou com as autoridades, apresentou-se a julgamento quando se encontrava em liberdade, e isto são factos que se não podem escamotear quando se conclui acerca da personalidade e valores morais do recorrente.
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Foi ainda desconsiderado na medida da pena o facto de o arguido carecer de quaisquer antecedentes criminais, sendo ainda um jovem à procura de uma oportunidade de reconstruir a sua vida! 23. Também a condenação no pagamento de seis mil euros á sua ex-mulher nos parece totalmente desajustada, até porque o arguido não tem condições para a pagar, conforme o próprio Tribunal poderá reconhecer, atento ao facto, de ele ter recorrido legitimamente ao apoio judiciário, não se compreendendo que equidade foi aqui aplicada...
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Por último e quanto aos motivos que levaram à aplicação de uma pena privativa de liberdade, entendemos que o Tribunal "a quo" avaliou mal a situação e interpretou deficientemente os factos dado como provados, pois que constam dos autos, dados que permitiam verificar que a aplicação de uma sanção não privativa de liberdade seria a mais correcta no caso sub judice, violando o disposto nos artigos 70º e 71º, do CP.
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O Acórdão recorrido violou assim, entre outros, o disposto nos artigos, 31º, 50º, 70º, 71º, 73º, e 152º, todos do CP, e 410º, nº 2º, do CPP.
Termos em que deve ser revogado o Acórdão recorrido, revogando-se a decisão de primeira instância e absolvendo-se o arguido; ou dando-se tão só como provado que o arguido cometeu três crimes de ofensas corporais simples previstas e puníveis pelo artigo 143º do CP, um crime de ameaças e um crime de dano, condenado-se o mesmo numa pena especialmente atenuada; ou, caso assim se não entenda, sempre alterando a medida das penas aplicadas com a inevitável atenuação especial das mesmas, aplicando uma pena não privativa da liberdade; ou, finalmente, que seja determinada a suspensão da execução da pena aplicada, nunca deixando de revogar a decisão recorrida no que tocante á condenação por um dos crimes de dano.
* Respondeu o Ministério Público em ordem à confirmação do acórdão recorrido.
* Nesta Instância o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, nele concluindo pela inexistência de "razões válidas e sérias para alterar o decidido, salvo quanto à execução...
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