Acórdão nº 0210702 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Setembro de 2002

Magistrado ResponsávelCLEMENTE LIMA
Data da Resolução25 de Setembro de 2002
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, precedendo audiência, na Relação do Porto: I 1. Nos autos de processo comum n. ../.., do -.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial - -da comarca de....., o arguido, JOSÉ......, com os sinais de fls. 676, foi acusado, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, com a adesão do assistente, VITOR....., da prática, em autoria material e concurso real, (a) de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto nos arts. 22.º, 23.º n.ºs 1 e 2, 73.º n.º 1 al. a) e b), 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2 al. d) e g), do Código Penal (CP), (b) de um crime de detenção de arma proibida, este p. e p., ao tempo dos factos acusados, nos termos do disposto nos arts. 275.º n.ºs 1 e 3, do mesmo Código (redacção da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro) e 3.º n.º 1 al. d), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, agora p. e p. nos termos do disposto no art. 275.º n.º 1, do CP (redacção da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto); e (c) de um crime de falsas declarações sobre os antecedentes criminais, p. e p. nos termos do disposto no art. 359.º n.º 1 e 2, do CP.

Nos mesmos autos, o arguido foi civilmente demandado pelo assistente, pelo HOSPITAL..... e pelo HOSPITAL DE....., para reparação de danos resultantes dos factos ilícitos que lhe vinham imputados.

No proémio da audiência, em 5 de Fevereiro de 2001, a Senhora Juíza presidente do Colectivo fez exarar em acta despacho (fls. 667), determinando, designadamente, sob ponderação da inimputabilidade do arguido, «a extinção do procedimento criminal e o consequente [arquivamento?] dos autos relativamente aos crimes de homicídio na forma tentada e de falsas declarações».

Corrido o julgamento, a que se procedeu sem documentação dos actos de audiência, o Tribunal veio a decidir, por acórdão de 14 de Fevereiro de 2002 (fls. 676 a 679) e no que ao presente recurso importa, (a) condenar o arguido, como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 275.º n.ºs 1 e 3 (na redacção da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro), do CP e 3.º n.º 1, al. d), do DL n.º 207-A/75, de 17 de Abril, na pena de 9 meses de prisão; e (b) absolver o arguido dos pedidos de indemnização civil por que vinha demandado.

  1. O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo interpôs, em 25 de Fevereiro de 2002 (fls. 695 a 708), recurso do referido despacho de 5 de Fevereiro de 2002, extraindo da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - Ao arguido José..... foi imputada a prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, em concurso real, com um crime de detenção e uso de arma proibida e de um crime de falsas declarações sobre os antecedentes criminais.

    1. - No inicio da audiência e "para os efeitos previstos nos arts. 338.º, 350.º e 351.º do Código de Processo Penal", foi determinado pelo tribunal recorrido que o perito convocado prestasse esclarecimentos.

    2. - Por despacho exarado em acta de audiência de julgamento, e considerando que se tratava de questão prévia, declarou a inimputabilidade do arguido por virtude de anomalia psíquica, manifestando perigosidade e julgou extinto o procedimento criminal, no que respeita ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada e ao crime de falsas declarações sobre os antecedentes criminais, determinando o prosseguimento da audiência para julgamento do crime de detenção e uso de arma proibida, o que veio a verificar-se.

    3. - O art. 338.º do Código de Processo Penal determina a disciplina dos actos introdutórios e fá-lo, tendo em vista evitar a eventual inutilidade do julgamento, o que não é o caso.

    4. - De facto, a questão decidida pelo tribunal não constitui uma questão prévia ou incidental, antes constitui uma questão de fundo do processo, que haveria de ser decidida, após a produção da prova, e não tratada (a inimputabilidade) como causa de extinção do procedimento criminal.

    5. - Assim, quer se trate de agente imputável ou inimputável, o Tribunal terá de apurar da prática do crime, e só, posteriormente, poderá e deverá emitir um juízo sobre a (in)imputabilidade do agente e respectiva perigosidade, decretando, se for caso disso, a adequada medida de segurança, acto decisório que devia revestir a forma de sentença (leia-se acórdão).

    6. - Destarte, declarando o douto tribunal a quo a inimputabilidade do arguido em despacho exarado em acta de audiência de julgamento, proferido antes da produção de prova quanto aos elementos integradores dos tipos penais imputados ao arguido, ou seja, não procedendo à audiência de discussão e julgamento e não proferindo acórdão quanto a tal questão, violou o disposto nos arts. 338°, n.º 1 e 368°, n.ºs 1 e 2, 374.º e 376.º, todos do Código Processo Penal.

    7. - Por outro lado, a existência ou inexistência de dúvidas sobre a integridade mental do agente constitui matéria de facto.

    8. - Pelo que, afigura-se-nos claro que, mesmo no decurso da audiência de julgamento, como é o caso dos presentes autos, pode proceder-se a uma alteração dos factos descritos na acusação, conquanto seja essa alteração comunicada ao arguido e lhe seja concedido o tempo necessário para a preparação da defesa, conforme o prevê o art. 359.º do CPP.

    9. - Na medida em que o despacho em crise é omisso quanto às razões de facto e direito que conduziram a tal decisão, esta carece de fundamentação, como o exige o art. 97.º n.º 4 do CPP.

    10. - Ademais, dado que três relatórios de perícia psiquiátrica não são totalmente coincidentes entre si, haveria o tribunal que, optando pelo teor do último deles, fundamentar a sua discordância relativamente aos demais, como é exigido pelo art. 163.º do CPP.

    11. - Existe contradição insanável da fundamentação sempre que se dão como provados factos contraditórios, isto é, quando se dá como provado e não provado o mesmo facto; quando existe incompatibilidade entre os próprios factos provados, ou entre estes e a respectiva fundamentação probatória, ou ainda, quando do contexto da matéria de facto se denote uma contradição irredutível que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo ou com recurso às regras da experiência comum.

    12. - No caso concreto, consideramos existir contradição insanável na fundamentação, porquanto, o Tribunal, referindo tão só ter "em conta os elementos probatórios colhidos", declarou extinto o procedimento criminal por inimputabilidade do arguido, mas apenas quanto aos crimes de "homicídio na forma tentada e falsas declarações", ordenando o prosseguimento dos autos quanto ao crime de detenção e uso de arma proibida pelo qual o arguido também estava acusado.

    13. - Na verdade, afigura-se-nos que, tomando como certo que o arguido sofre da afecção referida no último exame efectuado e que serviu de suporte à decisão posta em crise, o que por, tal afecção naturalmente far-se-á sentir por igual forma na faculdade de representação da ilicitude de qualquer uma das três condutas imputadas ao arguido, as quais são contemporâneas e, por isso, passíveis de serem afectadas pela (im)possibilidade de tal representação, o que gera oposição no decidido.

    14. - Assim, o tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 97.º n.º4, 163.º, 338.º, n.º 1, 359.º, 368.º, n.ºs 1 e 2, 374.º e 376.º, todos do Código Processo Penal.

    Pretende que se revogue o despacho recorrido e que se ordene o julgamento do arguido por toda a matéria constante da acusação.

    O recurso foi admitido por despacho de 27 de Fevereiro de 2002 (fls. 726).

  2. O assistente, em 26 de Fevereiro de 2002 (fls. 709 a 724), interpôs também recurso do referido despacho, extraindo da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - Não foi feita a documentação da prova produzida em audiência de julgamento, sendo certo que a gravação da prova, em julgamento perante Tribunal Colectivo, é obrigatória, nos termos dos artigos 363 e 364 do C.P.Penal, pelo que, no caso sub judice, ocorre tal irregularidade, que, nos termos do n° 2 do artigo 122 do C.P.Penal, afecta a validade do acto e só poderá ser sanada com a realização de novo julgamento.

    1. - O Tribunal a quo omitiu diligências de prova ou realizou outras, mas de modo insuficiente, diligências essas que eram e são essenciais para a descoberta da verdade material, sendo certo que, segundo a estrutura do nosso sistema jurídico processual penal, "não só ao Juiz mas também à própria acusação pública compete fundamentalmente alcançar a verdade material".

    2. - Neste sentido, o despacho recorrido viola o disposto nos artigos 151, 152, 154, 155, 156, 157, 158, 159 e 163 do C. P.Penal, já que as omissões ocorridas eram e são essenciais para a descoberta da verdade material, pelo que, nos termos da alínea d) do artigo 120 e 122 do C.P.Penal, deverão ser anulados todos os actos praticados a partir da não notificação do mandatário do assistente do despacho que ordenou a realização da última perícia ou...

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