Acórdão nº 0211868 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Julho de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | MARQUES SALGUEIRO |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam na Relação do Porto: No 3º Juízo Criminal da Comarca do Porto, os arguidos B............ e "C........., LDª", com os sinais dos autos, foram julgados, em processo comum singular (Proc. nº ....../96-..ª), tendo sido proferida sentença pela qual foi decidido: a) Absolver a arguida "C............, Ldª"; b) Absolver o arguido B...........da prática do crime de fraude sobre mercadoria de que vinha acusado; c) Condenar este arguido, como autor material de um crime contra a genuinidade de géneros alimentícios, p. e p. pelo artº 24º, nº 1, al. c), com referência ao artº 82º, nº 1 e 2, al. c), ambos do Dec.Lei nº 28/84, de 20.1, na pena de 120 dias de prisão, substituída por multa, à taxa diária de € 2, ou, em alternativa, 80 dias de prisão, e em 120 dias de multa, à mesma taxa diária, ou, em alternativa, também 80 dias de prisão, tudo perfazendo, assim, 240 dias de multa, à taxa diária de € 2, ou seja, € 480, ou, em alternativa, 160 dias de prisão; d) Condenar o mesmo arguido, como autor material da contra-ordenação p. e p. pelo artº 58º, nº 1, al. d), daquele Dec.Lei nº 28/84, na coima de € 124,70.
Desta decisão, interpôs recurso o arguido B........., concluindo assim: 1. Sendo o crime imputado ao arguido um crime de acção, não resulta dos factos provados, designadamente dos factos 1º, 4º, 5º, 6º e 12º, qualquer comportamento do arguido, activo ou omissivo, tendente a produzir o resultado constatado.
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A sentença é omissa quanto a todos os elementos essenciais para a imputação ao arguido de um comportamento voluntário tendente a preencher os tipos legais dos artº 24º, nº 1, al. c), e 58º, nº 1, al. d), ambos do Dec.Lei nº 28/84, de 20.1.
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O facto do arguido ser gerente da arguida e estar presente no momento em que foi feita a inspecção ao estabelecimento (ponto 1 dos factos provados) não é suficiente para lhe imputar a prática dolosa do crime e da contra-ordenação em causa.
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A norma do artº 2º, nº 1, do Dec.Lei nº 28/84, que é formal e substancialmente idêntica à do artº 12º do C. Penal, exige um comportamento voluntário, seja activo, seja omissivo, não se bastando com a mera qualidade de órgão, membro ou representante da pessoa colectiva.
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Por outro lado, não podia o Mmº Juiz a quo, na fundamentação da sentença, afirmar que o arguido se encontrava à frente do estabelecimento de supermercado denominado D..........., enquanto gerente do mesmo, e que aí detinha (...) duas embalagens de bacalhau (...), porquanto tais factos não resultaram provados; antes resultou provado que o arguido era gerente da C........., Lda. e que estava presente no momento da inspecção (pontos 1º e 12º da matéria assente).
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Aqueles factos não constam entre os factos provados, nem tão pouco do despacho de pronúncia, pelo que, ao invocá-los na fundamentação da douta sentença o Mmº Juiz violou o disposto nos artº 359º, nº 1, do C. P. Penal, originando a nulidade da sentença, nos termos do art. 379º, nº 1, al. c), do mesmo diploma.
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Tal nulidade impõe a absolvição do arguido, já que o reenvio do processo, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 426º, nº 1, do C. P. Penal, apenas seria útil, caso o Tribunal tivesse deixado de investigar toda a matéria relevante constante da pronúncia e da contestação, o que claramente não sucedeu.
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Por outro lado, apesar de se não ter provado que o arguido tivesse actuado em nome e no interesse da sociedade arguida, o que determinou a absolvição desta, o Mmº Juiz considerou provado que o arguido, enquanto gerente da arguida, bem sabia que as condutas referidas sob os nº 1º e 4º a 6º, (...) eram reprováveis e contrárias à lei - cfr. nº 12º dos factos provados.
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Não podia o Mmº Juiz, sob pena de contradição, imputar ao arguido a prática de factos enquanto gerente da sociedade, na medida em que a actuação enquanto gerente pressupõe que o arguido tenha actuado em representação da arguida, ou seja, em nome e no interesse desta, pelo que se verifica uma contradição insanável na fundamentação da douta sentença, de acordo com o disposto no artº 410º, nº 2, al. b), do C. P. Penal.
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Sendo certo que, quer da acusação, quer do despacho de pronúncia, não resulta que o arguido venha indiciado pela prática dos crimes e da contra-ordenação referidos, na qualidade de gerente.
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Muito embora, o Mmº Juiz considerasse provado que "o arguido B........., enquanto gerente da arguida, bem sabia ser as condutas referidas sob os nº 1º e 4º a 6º, que foram voluntárias e conscientes, reprováveis e contrárias à lei" - cfr. nº 12º dos factos provados -, o certo é que, no despacho de pronúncia, a redacção do ponto em análise era antes a seguinte: "Os arguidos bem sabiam ser tais condutas, que foram voluntárias e conscientes, reprováveis e contrárias à lei".
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Ao acrescentar no facto provado sob o nº 12º a expressão "enquanto gerente da arguida", o Senhor Juiz procedeu a uma alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia, suscitada com vista a colmatar a insuficiência da matéria fáctica aí descrita, sendo tal alteração relevante para a decisão da causa, pois inculca a responsabilização do arguido enquanto gerente, e não a título pessoal, conforme resulta da pronúncia, assim determinando a violação do disposto no artº 358º, nº l, do C. P. Penal, gerando a nulidade prevista no artº 379º, nº l, al. b), do mesmo diploma.
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As condutas voluntárias e conscientes, reprováveis e contrárias à lei, tanto podem ser dolosas, como negligentes, em ambos os casos se exigindo a prática voluntária e consciente dos factos e o conhecimento da sua ilicitude 14. A fórmula utilizada no nº 12º dos factos provados não é, por si só, suficiente para imputar ao arguido, a título de dolo directo, a prática do crime e da contra-ordenação, p. e p. pelos artº 24º, nº 1, al. c), e 58º, nº l, al. d), ambos do Dec.Lei nº 28/84, de 20.1.
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O dolo deve ser objecto de prova em audiência de julgamento e tem de constar da matéria de facto provada de forma explícita, não cabendo ao julgador, quando aplica o direito aos factos dados como provados, extrair deles o dolo com base em presunções ou na experiência...
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