Acórdão nº 0230934 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Dezembro de 2002

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução12 de Dezembro de 2002
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia do Bom Jesus de... veio propor esta acção, com processo ordinário, contra a Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de....

Pediu que: 1. seja declarado o direito de propriedade da autora sobre o identificado edifício designado por Igreja do Bom Jesus de..., sito Avenida..., com a composição e inscrição matricial indicadas na p.i.; 2. seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos existentes sobre o referido prédio incompatíveis com o pleno direito de propriedade da A.; 3. a R. seja condenada a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o prédio sub judice, abstendo-se de, sobre ele, praticar quaisquer actos que ponham em causa tal direito.

Sem prescindir, e quando assim não se entenda: 4. seja declarada a nulidade da descrição nº..., que, sob a Ap. nº 43, foi apresentada na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos em 17.08.99, bem como da sua inscrição G1, através da qual a Igreja Paroquial de Matosinhos foi inscrita a favor da R..

A R. contestou e, no que interessa ao presente recurso, veio invocar a falta de capacidade judiciária da A., por falta de autorização da autoridade eclesiástica competente para a propositura desta acção, alegando que: A autora é, de um ponto de vista jurídico, uma associação diocesana pública de fiéis, constituída e integrada na ordem jurídica canónica, da instituição da Igreja Católica - cfr. art. 1º, nº1 do seu Compromisso e Cânones 298, 301, 3º e 312 do Código de Direito Canónico.

Não é, por isso, uma associação de direito privado, resultando o seu reconhecimento da participação da sua erecção canónica feita pelo Ordinário Diocesano aos serviços competentes do Estado Português - cfr. art.1º, nº3 do seu Compromisso e art. 45º do DL 119/83, de 25/2.

Por outro lado, todos os "bens temporais" que pertençam a pessoas jurídicas públicas na Igreja são havidos como "bens eclesiásticos" e regem-se pelos cânones do Livro V do Código do Direito Canónico e pelos estatutos próprios - Cânone 1257, 1º.

Donde se segue que os bens eclesiásticos são administrados pela associação pública legitimamente erecta, em conformidade com os Estatutos, mas sob a direcção superior da autoridade eclesiástica, isto é, do Ordinário Diocesano - Cânones 319, 1º, nº3, e art. 1º, nº4 do Compromisso da autora.

Dispõe a legislação eclesiástica, que os administradores não podem propor nem contestar nenhuma acção no foro civil em nome da pessoa jurídica pública na Igreja sem licença prévia do Ordinário próprio, dada por escrito - Cânone 1288.

Autorização que a autora nem pediu, nem alegou tê-la pedido.

Assim a autora, enquanto pessoa jurídica pública na Igreja, não podia intentar a presente acção sem para tal possuir licença ou autorização prévias do Ordinário diocesano - Cânone 1288 e art1º, nº4 do seu Compromisso - o que constitui excepção dilatória determinante de suspensão, primeiro e de absolvição da instância, depois, se não for sanada no prazo que for determinado - art. 25º, 495º d) e 288º nº1 e) do CPC.

Na réplica, a A. defende que é uma associação privada de fiéis, pelo que tem inteira autonomia para intentar a presente acção, sem carecer de autorização do Ordinário Diocesano.

Ainda que assim não fosse, a verdade é que, versando os presentes autos sobre o direito de propriedade de um prédio urbano sito em território português, a nossa Lei Civil considera-se exclusivamente aplicável e competente, com exclusão de qualquer outra, nos termos do disposto no art. 46º do CC.

Ora, se se pudesse entender que a A., para propor a presente acção - que, note-se, é movida contra a Fábrica da Igreja de..., que é uma Instituição pública da Igreja -, carecia de prévia autorização do Ordinário Diocesano, estar-se-ia a legitimar uma violação do disposto no supra referido art. 46º do CC, porquanto bastava que o Ordinário Diocesano não conferisse a dita autorização, para a questão de saber se a A. é ou não proprietária da Igreja do Bom Jesus de..., deixar de poder ser resolvida em conformidade com a Lei Portuguesa.

Aliás, ainda que houvéssemos que entrar em conta com o regime do Código de Direito Canónico para resolver esta questão, e segundo o douto Parecer do Ilustre Canonista Dr. José G. Silva Marques, a verdade é que a ausência da autorização prescrita no cânone 1288, não provoca a nulidade do acto, mas sim a sua ilicitude, o que, nos termos do cânone 128, implicaria, tão somente, a obrigação do seu autor, in casu, a Autora, de reparar eventuais danos que daí adviessem para o património eclesiástico, obrigação esta que, convenhamos, nada tem que ver com a alegação da R. no que toca à suposta (in)capacidade judiciária da Autora.

No saneador, a Sra. Juíza concluiu que a A. é uma associação diocesana pública de fiéis ou uma pessoa jurídica pública canónica; como tal está sujeita ao prescrito no Cânone 1288 carecendo de autorização do Ordinário...

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