Acórdão nº 0242126 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Abril de 2004

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução21 de Abril de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 2ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto.

***I- Relatório.

1.1. No Tribunal Judicial de Amarante, o arguido A.........., com os demais sinais nos autos, foi submetido a julgamento, em processo comum singular, pela alegada prática, como autor material, de dois crimes de violação da obrigação de alimentos, p.p.p. artigo 250º do Código Penal (vulgo CP).

B.......... deduziu pedido de indemnização civil pretendendo obter a condenação do mesmo arguido a pagar-lhe a quantia de 1.200.000$00, acrescida das quantias vincendas, à razão mensal de 120.000$00.

1.2. Efectuado o julgamento foi proferida sentença na qual, além do mais que ora não releva, se decidiu: 1.2.1. Condenar o arguido pela autoria de um crime de violação da obrigação de alimentos, p.p.p. citado artigo 250º, na pena de oito meses de prisão.

1.2.2. Suspender a execução da pena imposta, pelo período de 2 anos, subordinando a suspensão ao cumprimento pelo arguido da obrigação de entregar à queixosa, no período máximo de 18 meses, a contar da trânsito em julgado da decisão, as prestações de alimentos devidas aos menores, vencidas desde Dezembro de 2000 até á data da sentença, no montante de € 10.375,00, em seis prestações mensais.

1.2.3. Absolver, no demais, e relativamente quer à parte crime, quer relativamente à parte civil, o arguido-demandado.

1.3. Inconformado com esse veredicto, apenas e tão-só na parte em que foi o arguido condenado pela autoria de um crime, e não por dois como estava acusado, interpôs o Ministério Público o presente recurso que motivou e rematou com as conclusões seguintes: 1.3.1. De acordo com o nosso sistema penal o número de crimes praticados, é tendencialmente determinado pelo número de valores jurídico-criminais ofendidos.

1.3.2. Esta asserção é apenas limitada e esclarecida com a consideração do princípio da culpa e com o funcionamento de relações de hierarquia e justaposição (especialidade, consunção, alternatividade e subsidariedade) que possam existir entre os diversos preceitos virtualmente violados, situações essas que não se verificam no caso em apreço.

1.3.3. Com efeito, o artigo 30º do Código Penal vigente faz coincidir o número de crimes com o número de tipos de crimes efectivamente cometidos, ou com o número de vezes que o mesmo tipo foi cometido pelo agente.

1.3.4. Por isso, o que se discute no presente recurso é se o crime de violação da obrigação de alimentos protege bens de natureza patrimonial ou bens de natureza eminentemente pessoal, uma vez que nos parece indiscutível que verificando-se a segunda hipótese haverá tantos crimes quantas as pessoas ofendidas, ainda que haja uma só resolução criminosa.

1.3.5. O crime de obrigação de alimentos, previsto e punido pelo artigo 250º, nº 1 do Código Penal, visa a protecção de bens jurídicos eminentemente pessoais, na medida em que visa proteger, em primeira linha, o titular do direito a alimentos face ao perigo de não satisfação das necessidades fundamentais.

1.3.6. Necessidades fundamentais essas que se podem traduzir, no direito a ter alimentos (na verdadeira asserção da palavra), o direito à saúde, o direito a ter uma boa educação, etc. Também aqui, tal como no crime de homicídio e de ofensas à integridade física os bens jurídicos protegidos são, em última instância, a própria vida, a integridade física e a saúde dos alimentados.

1.3.7. De acordo com a factualidade dada como provada, o arguido tinha a obrigação de pagar uma prestação de alimentos a cada um dos dois menores e com o seu incumprimento violou o mesmo bem jurídico relativamente a duas pessoas diferentes, havendo, nos termos do disposto no artigo 30º do Código Penal, um concurso real de crimes.

Terminou pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a sentença recorrida apenas na parte em que absolveu o arguido de um dos crimes de violação da obrigação de alimentos de que vinha acusado, e consequentemente, se condene como autor material de dois crimes, em concurso real, de violação da obrigação de alimentos, previstos e punidos pelo citado artigo 250º, nº 1.

1.4. Admitido o recurso, o arguido não apresentou resposta.

1.5. Remetidos os autos a este Tribunal, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no qual sufragou o provimento do recurso.

1.6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), nada respondendo o arguido, de novo.

1.7. Houve documentação dos actos praticados em...

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