Acórdão nº 0310495 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Maio de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelBORGES MARTINS
Data da Resolução28 de Maio de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam os juízes neste Tribunal da Relação: No proc. comum singular n.º../.. , Tribunal Judicial da comarca de..... -.º Juízo Criminal, foi proferida sentença na qual: - foi declarado extinto o procedimento criminal, por ter sido declarada a falência, contra a sociedade por quotas "J..... Lda", com sede na rua da....., .....; - foi condenado o arguido Joaquim....., como autor de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 27.º -B e 24.º, n.ºs 1 e 5 do RJIFNA, na pena de um ano de prisão, suspensa pelo período de três anos; - suspensão esta com a condição de o arguido pagar a quantia em dívida à segurança social, ou seja, 31 471 270$00 (156 978.03 E), e juros de mora nos termos do pedido cível julgado procedente.

Interpuseram recurso o M.º P.º da parte da decisão que julgou extinto o procedimento criminal e o arguido Joaquim..... apenas da aplicação desta última condição.

Formulou o M.º P.º as seguintes conclusões: 1. Decorre do disposto no artigo 141.º, n.º 1, alínea e) do CSC que as sociedades comerciais se dissolvem pela declaração de falência e do artigo 146.º, n.º 2 deste diploma, que as sociedades em liquidação mantêm a personalidade jurídica; 2. Por sua vez, dispõe o artigo 160.º, n.º 2 do CSC que "A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo encerramento da liquidação".

  1. Só com o registo da liquidação a sociedade se considera extinta.

  2. Assim, a declaração de falência não extingue a personalidade jurídica, bem como a responsabilidade criminal das sociedades comerciais.

  3. Não há que recorrer à aplicação analógica do artigo 127.º do CP. O qual é dirigido à morte das pessoas singulares.

  4. Existe norma expressa a regular esta situação, não havendo que recorrer à interpretação analógica.

O assistente "Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social", na sua resposta, considerou que deve manter-se o despacho que declarou a responsabilidade criminal da falida, aduzindo os seguintes argumentos: "Contudo e bem, foi declarada extinta a responsabilidade criminal prevista neste artigo quanto à firma J....., Lda por declarada falida com sentença transitada em julgado.

É que, com a declaração de falência extinguiu-se o ente colectivo a quem poderia ser imputada a responsabilidade criminal, com efeitos idênticos ao da morte de uma pessoa singular, acarretando a extinção do procedimento criminal.

Com efeito, concretizando o que dispõe o art.º 1007.º, aI. e) do CC, entre os casos de dissolução imediata das sociedades enumera o art. 141.º do CSC a declaração de falência (causa de dissolução que, diversamente das hipóteses previstas no n.º 2 do mesmo art.º e no art.º 142.º do CSC, não tem de ser declarada em acção de dissolução ou reconhecida por deliberação dos sócios - nem se compreenderia que assim não fosse, pois a causa de dissolução foi já judicialmente reconhecida). Poder-se-ia objectar que, estando a sociedade em liquidação, a mesma mantém personalidade jurídica, como dispõe o art.º 46.º n.2 do CSC.

Inequivocamente é assim, para efeitos civis.

Porém, não deve importar-se o conceito civilístico de personalidade jurídica das pessoas colectivas para o domínio jurídico criminal sem a sua adequada adaptação às valorações a este subjacentes.

De facto, a responsabilização criminal das pessoas colectivas fundamenta-se não só em razões pragmáticas de política criminal mas também no pressuposto de que também os entes colectivos são capazes de acção e culpa criminalmente relevantes.

Isto pressupõe que se veja a pessoa colectiva como "(...) uma realidade, constituindo o modo de expressão de uma verdadeira vontade colectiva reconhecida em direito civil e comercial e capaz de dolo ou culpa visto que é susceptível de ser dirigida, por quem de direito, para o mal como para uma actividade licita" - Lopes Rocha - A Responsabilidade Penal das Pessoas Colectivas - Novas Perspectivas, In Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, voI. I, p. 436.

É por isso que as pessoas colectivas podem ser encaradas como centros ético-sociais de imputação juridico-criminal, porque são o resultado de vontades - necessariamente livres, para vontades serem - individuais dirigidas a uma finalidade comum.

Diz o autor Faria Costa que "(...) para se assumir como pessoa jurídica, uma pessoa colectiva tem de actuar necessariamente através dos seus órgãos ou representantes.

(...) As pessoas colectivas "só têm sentido e intencionalidade jurídico penal no momento em que se estabelece o nexo indissociável entre aquilo que se quer construir e os órgãos reais de ligação ao mundo jurídico. A relação pessoa colectiva e os seus órgãos ou representantes assume, um carácter essencial (...). Só pelo órgão ou representante a pessoa colectiva ascende à discursividade juridico-penalmente relevante" Com a declaração de falência, ainda que no decurso da liquidação, todos os poderes são retirados aos seus órgãos representativos, assumindo o liquidatário a representação do ente falido para efeitos patrimoniais (art.º 147° CPEREF), não podendo assim para efeito puramente pessoal, como a responsabilização criminal, e não sendo o representante dessa vontade colectiva capaz de cometer crimes tanto como a vontade individual, resultado das deliberações dos seus órgãos sociais representativos e que determina a pratica do ilícito criminal.

Assim atenta a referida e essencial ligação aos seus órgãos ou representantes, com a falência e os seus efeitos o ente colectivo capaz de cometer e ser susceptível de juízo e censura juridico-penal deixa de existir. Apenas subsiste uma realidade puramente patrimonial (um conjunto de bens, a massa falida). Até porque, uma hipotética aplicação de pena à pessoa colectiva falida, acabaria por sancionar não o ente colectivo que praticou o hipotético crime mas os credores da sua massa falida e ainda a maior parte das penas acessórias legalmente previstas nenhum efeito útil teriam.

Assim sendo, também não merece reparo a douta sentença recorrida nomeadamente quanto á extinção da responsabilidade criminal da falida pelas razões expostas, nem a sociedade seria nunca a...

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