Acórdão nº 0325357 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Dezembro de 2003 (caso NULL)
Magistrado Responsável | FERNANDO SAMÕES |
Data da Resolução | 02 de Dezembro de 2003 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório Manuel..... e esposa Ana....., residentes na Estrada de....., ....., instauraram, em 24/1/2002, no Tribunal Judicial da Comarca de....., onde foi distribuída ao -º Juízo, acção com processo sumário contra José..... e mulher Helena..........., residentes na Rua......, ......, pedindo: a) que os réus sejam condenados a reporem imediatamente o locado no estado em que o receberam de arrendamento, destruindo todas as inovações feitas sem consentimento escrito do senhorio e procedendo à sua eficaz reparação; b) que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento; c) e que os réus sejam condenados a despejarem imediatamente o locado, entregando-o livre de pessoas e bens.
Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte: António...... deu de arrendamento ao réu, para habitação deste, a casa n.º -, sita na referida Rua..... e inscrita na respectiva matriz sob o artigo..., por contrato de 1 de Janeiro de 1966, pelo prazo de um ano, mediante a renda mensal de 250$00, casa essa que hoje pertence aos autores.
Os réus, sem autorização dos senhorios, fizeram obras no logradouro da casa locada, alterando substancial e significativamente a sua estrutura externa e a disposição interna, e instalaram lá uma indústria têxtil, sem qualquer licença.
Os réus contestaram por excepção e por impugnação.
Excepcionaram a caducidade e o abuso de direito, dizendo que os autores têm conhecimento das obras há vários anos e que as mesmas foram realizadas com consentimento dos primitivos senhorios.
Sustentam que tais obras não alteram substancialmente o locado, já que são de fácil remoção sem causar estragos, e que a indústria ali desenvolvida é doméstica.
Concluem pela improcedência da acção.
Na resposta, os autores negaram os alegados conhecimento e autorização e pugnaram pela ilicitude das obras e da actividade desenvolvida no locado, concluindo como na petição inicial.
Dispensadas a audiência preliminar, a elaboração do despacho saneador e a organização da condensação, prosseguiram os autos para julgamento, ao qual se procedeu, tendo a matéria de facto sido decidida pela forma constante do despacho de fls. 117 a 120, que não mereceu reparo das partes.
Seguiu-se douta sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus dos pedidos.
Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram recurso de apelação para este Tribunal e apresentaram a respectiva alegação com as seguintes conclusões: 1ª - O Réu contratou (cls. 4ª do contrato de arrendamento) não fazer obras no locado (excepto com autorização escrita e devidamente reconhecida do senhorio).
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- Ao realizar as obras no locado o Réu violou o contrato por si celebrado e o senhorio tem o direito de, independentemente do despejo, exigir judicialmente o cumprimento escrupuloso do contrato (artigos 406°, 817º e 829º do Código Civil) pois, ainda que as obras sejam anteriores à transmissão do direito de propriedade, pode o novo titular pedir a sua demolição (nesse sentido, Ac. do STJ de 08.10.1998 in www.dgsi.pt. - JSTJ00034614).
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- Sem a prévia demolição das obras, os AA estão impedidos de licenciar junto da Câmara o loteamento ou a propriedade horizontal das casas gémeas inscritas no artigo 740 da matriz, embora separadas, com entradas próprias e com distintos números de polícia (docs. 2 e 3 da p.i).
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- Não há abuso de direito na pretensão dos AA que actuaram prontamente logo que tiveram legitimidade com a aquisição do prédio, nem pode ser-lhes negado o direito de exigir o cumprimento do contrato escrito e de reagir contra uma situação ilícita, protegendo a ilicitude dos RR. Como decidiu o STJ em Ac. de 09.05.1991 «Não pode ser qualificado como abuso de direito o exercício de um direito quando constitua reacção contra uma situação ilícita» (BMJ n° 407, pág. 551). O direito de transformação do arrendado é monopólio do senhorio proprietário.
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- Uma indústria para ser doméstica tem de ser explorada dentro da sua residência pelo inquilino.
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- Os RR não exploram uma indústria na sua residência mas sim no exterior da mesma em pavilhão expressamente construído para o efeito. Não se trata pois de uma indústria doméstica, mas de uma indústria a funcionar em instalações especialmente construídas para o efeito, no exterior da habitação e que ocupam o logradouro e até um prédio vizinho e contíguo pertencente a terceiro.
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- O licenciamento das actividades industriais é obrigatório e a obrigatoriedade de licenciamento para a laboração das indústrias tem como principais objectivos a protecção da saúde pública, a segurança e a higiene dos locais de trabalho, a segurança das pessoas e bens, mas, também, o correcto ordenamento do território, a protecção e a defesa do ambiente, através da prevenção e redução da nocividade da poluição.
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- A fábrica têxtil construída pelos RR não está licenciada (não podendo laborar) e não obedece aos requisitos mínimos imperativamente estabelecidos para o exercício da actividade industrial.
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- A lei não permite que uma fábrica têxtil com teares e urdideira possa funcionar em qualquer residência pelo que não é uma indústria doméstica e a sentença não pode validamente ser um acto jurídico que proteja uma actividade contrária à lei (proibido pelos artigos 280°, 294° e 295° do CC).
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- Tal fábrica, funcionando precariamente e sem acesso directo à via pública, escondida por uma garagem por onde se tem de passar, com matérias-primas e produtos que ardem facilmente, constitui um risco iminente de incêndio para o prédio dos AA.
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- Foi dado como provado que o locado é usado também como estabelecimento comercial de exposição e venda ao público onde os consumidores finais vão ver e comprar as mercadorias - o que é proibido e constitui motivo para a resolução do contrato.
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- A resposta dada aos artigos 2°, 9º e 20° da contestação - facto 2.1.14 que considera provada uma autorização verbal tem-se por não escrita, com todas as consequências, nos termos do n° 4 do artigo 646° do CPC, porque a autorização para obras estava sujeita à formalidade de documento escrito e reconhecido.
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- Como resulta das plantas juntas com a p. i., que não foram impugnadas e se consideram assentes por acordo, estamos a falar de 4 obras distintas e decorreram vários anos entre elas.
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- As obras realizadas nas traseiras (fábrica e passagem interior para a propriedade contígua de outro proprietário) foram realizadas em anos diferentes e não são visíveis da rua pelo que só quem entrasse dentro do prédio locado delas podia tomar conhecimento. O que aconteceu só em 2001 quando o Autor exigiu visitar o locado.
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- De qualquer modo, a partir da morte do primitivo senhorio e até 03.05.2000, conforme escritura de partilha junta com a p.i., o prédio manteve-se sob a forma de herança indivisa e os RR tinham o ónus de alegar e provar que todas as obras foram do conhecimento de todos os co-herdeiros.
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- Foram violadas, entre outras, as seguintes normas jurídicas: artigos 218°, 223°, 280º, 295°, 364°, 406°, 817º, 829º, 1404° e 1405° do Código Civil; artigo 64° do RAU e artigo 646°, n° 4 do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Sabido que o objecto do presente recurso está delimitado pelas conclusões dos apelantes, conforme resulta do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, ambos do CPC, as questões a decidir consistem em saber: - se deve ser alterada a matéria de facto quanto ao conhecimento da realização das obras e à autorização; - se a laboração da indústria têxtil e/ou a venda de artigos no locado constituem fundamento de resolução do contrato pelos autores; - e se estes abusam do direito ao pedirem a demolição das obras feitas pelos réus no arrendado, o que pressupõe indagar sobre a existência desse direito.
Como delimitação negativa do recurso e para que não surjam dúvidas, importa referir que a sentença transitou em julgado na parte referente à excepção da caducidade do direito de pedir a resolução, quer no que respeita à sua improcedência relativamente ao fundamento do exercício da actividade industrial e/ou comercial, quer quanto à sua procedência no que concerne ao fundamento da realização das obras no locado (art.º 684º, n.º 4 do CPC).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: II. Fundamentação 1. De facto.
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1.1. Em 1 de Janeiro de 1966, por "contrato de arrendamento" devidamente manifestado à Fazenda Nacional, o antecessor do autor - António..... - deu, através de um procurador por estar ausente, de arrendamento ao réu marido, pelo prazo de 1 ano, a casa n°.., pela renda mensal de 250$00 (actualmente a renda mensal é de 44,39 €), destinado a habitação, situado no Lugar..... (hoje Rua.....), em...., ....., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de..... sob o art.º ... (art.ºs 1º da p.i. e 17º da contestação - aceite por acordo, salvo quanto à renda); 1.2. Foi estipulado, na cláusula 4ª, que "ao inquilino não é permitido fazer obras, a não ser as de conservação e limpeza, ou benfeitorias sem autorização do senhorio, por escrito e devidamente reconhecida, ficando estipulado que as que fizer ficam pertencendo ao prédio não podendo o inquilino alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização" (art.º 2º da p.i. - aceite por acordo); 1.3. O locado à data do "arrendamento" era...
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