Acórdão nº 0331642 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução13 de Novembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

Alcino ........... veio propor esta acção, com processo ordinário, contra António ............ e mulher Maria .............

Pediu que os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia de Esc. 3.091.602$00, acrescida de juros vincendos, à taxa legal.

Como fundamento, alegou, em síntese, o incumprimento pelo R. de obrigações assumidas no contrato celebrado com o A. de sublicenciamento de "Cursos Dale Carnegie" e o proveito comum da Ré.

A Ré contestou, impugnando a matéria vertida na acção e invocando a independência económica do R. desde 1993, bem como a separação judicial deste, de pessoas e bens, desde Outubro de 1997.

Concluiu pela improcedência da acção no que a si respeita.

Na sua contestação o R., António .........., invocou a circunstância de ter sido habilmente persuadido pelo A. a trabalhar nos cursos por este detidos; de ter assinado sem ler o contrato subscrito perante o A.; de ter sido instigado por este a incluir nomes fictícios nas matrículas para poder receber importância superior (pelas matrículas). Impugnou a existência das inscrições e percentagens descritas na petição pelo A..

Em reconvenção, pediu a condenação do A. a pagar-lhe 70% do que foi pago pela empresa "Time Sharing", por 540 cursos "Dale Carnegie" ministrados a tal empresa, em quantia não inferior a Esc. 30.240.000$00.

O A. replicou, defendendo-se da matéria de excepção e contestando a reconvenção; ampliou o pedido em Esc. 846.600$00. No mais concluiu como na petição inicial.

O Réu apresentou tréplica na qual se defendeu por impugnação da matéria da ampliação do pedido.

Percorrida a tramitação normal, veio a ser proferida sentença que julgou: - a acção improcedente quanto à Ré mulher, absolvendo-a de todo o pedido; - a acção procedente quanto ao R. marido condenando este a pagar ao A. a quantia de € 19.524,95, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a propositura da acção, a incidir sobre € 13.409,43 e, desde 24/9/99 sobre € 4.109,10 (montante da ampliação do pedido).

- a reconvenção parcialmente procedente, condenando o A. a pagar ao R. marido a quantia de € 10.155,28.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o Autor, de apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões: Como resulta da matéria provada (respostas aos quesitos 1°, 2°, 3°, e 5° a 20°) os cursos objecto do contrato celebrado entre autor e réu marido eram os identificados no quesito 2°, também dado como provado.

Resulta da prova produzida que os cursos cuja organização e realização fundamentam o invocado crédito do réu - os resultantes da venda à Time Sharing - não se integravam no âmbito do contrato. Tratava-se do denominado "Estratégias de Apresentação", muito diferente do programa habitual e que obrigou o autor à elaboração de um manual diferente.

É o próprio réu quem o reconhece no seu depoimento de parte: Reconheceu também o réu a colaboração prestada pelo A., ao menos, nos contactos com a empresa americana e com vista à aceitação do programa diferente cuja autorização fora solicitada.

Não pode o réu reconvinte fundamentar-se no contrato dos autos para fazer valer a sua pretensão.

O próprio réu, instado pelo Meritíssimo Juiz sobre se havia algo acordado entre ele e o autor no sentido da remuneração do negócio em causa, apenas afirma a sua expectativa em receber uma "comissão", que faria "todo o sentido", depois de "terem feito as contas com a Time Sharing".

Reconhece, portanto, o réu que o negócio em questão não tem a ver com a relação contratual, mas se trataria de uma prestação de serviços de venda contra o pagamento de uma comissão.

Já depois do negócio com a Time Sharing e durante vários anos, o réu fez pagamentos ao autor e emitiu cheques a seu favor, no âmbito do contrato, sem procurar qualquer compensação.

Sabia, pois, o réu que o autor nada lhe devia.

Deve ser modificada a resposta à matéria de facto quanto aos quesitos 81º, 85º e 87º, nos seguintes termos: 81° - não provado; 85° - o autor elaborou a tradução do curso especial; 87º - o réu não realizou qualquer sessão pública de venda.

Sem conceder, na hipótese de procedência da reconvenção, haveria a mesma de ser reduzida aos 30 por cento referidos pelo réu, deduzindo as despesas que se demonstrou foram suportadas pelo autor.

Ou, também sem conceder, na solução da douta sentença em crise, haveria ainda a deduzir os valores da alínea cd) da relação da matéria provada, que não devem considerar-se integrados no montante da alínea ca) e o valor da alínea cf), computável em esc. 650.000$00, passando a diferença a favor do réu para o valor de esc. 515.150$00, ou € 2.569,56.

E, ainda nessa mesma hipótese, haver-se-ia, então, de fazer contas ao trabalho do autor, conforme o facto da alínea bv), já que, nos termos do contrato, incumbia ao réu pagar ao autor todas as despesas que este efectuasse por sua (daquele) conta bem como suportar os custos dos colaboradores - alíneas z) e aa) da relação dos factos provados - o que, na ausência de elementos para determinar o montante exacto, teria de ser apurado em execução de sentença - art. 661°, n° 2, do Código de Processo Civil.

A actividade de autor e réu era mercantil.

Quer o autor quer o réu haviam constituído empresa, individual, em ambos os casos, para a prestação de serviços.

O réu dedicava-se em exclusivo a tal actividade, procurando proceder à venda dos cursos objecto do contrato, arrendando instalações, ocupando e remunerando pessoal e colaboradores, estudando as condições do mercado, com vista à obtenção de lucro.

O réu desenvolvia a sua actividade mediante concessão da empresa detentora dos respectivos direitos em termos de contrato de "franchising".

Assim, nos termos das disposições conjugadas dos arts 2°, 13° e 230°, n° 2°, este interpretado extensivamente, do Código Comercial, a actividade do réu marido era comercial.

As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio são da responsabilidade de ambos, salvo se se provar que não foram contraídas no proveito comum do casal ou se o casamento tiver sido celebrado no regime da separação de bens - art. 1691°, alínea d) do Código Civil.

Não está provado que a dívida em causa, contraída em tempo de plena comunhão conjugal, não tivesse sido contraída em proveito comum do casal.

Os réus foram casados em regime que não o da separação, vindo a separar-se judicialmente de pessoas e bens em 1997 - factos das alíneas c) e bh) da relação da matéria provada.

A ré mulher reconhece que, até Outubro de 1995, houve coabitação do casal.

Fácil é que testemunhas afirmem a separação das vidas patrimoniais de cônjuges, com enorme dificuldade de contraditório.

Não afasta a responsabilidade de ambos os cônjuges perante terceiros o facto de um deles se revelar um mau administrador dos seus bens ou que um deles incumpra o dever conjugal de assistência, despendendo fora de casa o que deveria ser gasto para ocorrer aos encargos da vida familiar.

Nem pode a ré mulher endossar ao autor o prejuízo que lhe terá advindo, a ser verdade o que diz, de, em devido tempo, ter promovido a separação de bens do seu casamento.

A disposição do art. 1691°, n° 1, alínea d) do Código Civil, visa a protecção do comércio, obviando à dificuldade atrás referida de produzir prova do facto positivo do proveito comum do casal.

Em todo o caso, com base no depoimento de parte da ré mulher, sempre deveria ter sido considerado provado o facto do quesito 49°, requerendo-se também a modificação desta resposta nesse sentido.

Constam do processo e da gravação da audiência todas todos os elementos de prova, pelo se verificam os pressupostos previstos no art. 712°, n° 1, alínea a) do Código de Processo Civil para que esse Tribunal decida pela alteração nos termos requeridos.

A douta decisão em crise, sempre salvo o devido respeito, fez errada interpretação da prova produzida e violou as normas dos arts. 405°, 406° e 1691°, n° 1, alíneas b) e d) do Código Civil.

Pelo exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso, sendo alteradas as respostas à matéria de facto nos termos expostos nas conclusões 10ª e 27ª e revogada a douta sentença recorrida, condenando-se ambos os réus a...

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