Acórdão nº 0335731 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Dezembro de 2003

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução11 de Dezembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I- RELATÓRIO No .. Vara Cível (.. Secção) do ............., B................ e C................., casados, residentes na Rua ..............., ............., em ................, ................, vieram intentar acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária contra o Banco X................., com sede na Rua ................, .................., pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de € 37.382,46 (trinta e sete mil trezentos e oitenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 7%, contados desde 7 de Junho de 2000 e até integral liquidação, bem como a quantia de € 4.987,98 (quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos) a titulo de danos não patrimoniais, com juros de mora contados desde a citação até integral liquidação.

Alegam os Autores que o Autor marido abriu no Banco Réu uma conta de depósitos à ordem à qual foi atribuído o nº 0001.

No dia 1 de Junho de 2000, para crédito da referida conta, o Autor efectuou o depósito de três cheques, tendo o Réu no dia 7 do mesmo mês e ano levado a débito na referida conta, o valor do cheque depositado com o nº 0002, na quantia de € 37.382,46, acrescido das habituais despesas bancárias, por devolução do valor depositado.

Acontece que o Réu não entregou, nem enviou ao Autor o cheque, apesar de diversas solicitações nesse sentido. Apenas a 11 de Junho de 2001 o Réu remeteu uma carta alegando ter já remetido aos Autores o cheque em causa.

Ora, com este comportamento, os Autores ficaram impossibilitados de obter a quantia titulada pelo cheque e sofreram transtornos e incómodos que têm de ser compensados.

Devidamente citado veio o Banco Réu apresentar, em tempo, a sua contestação, alegando, em suma, que o cheque em causa foi apresentado à Câmara de Compensação e, apesar de devolvido por inexistência de fundos da conta sacada, não lhe foi aposto o carimbo que a comprovasse, sendo restituído tal cheque ao Réu apenas a 6 de Junho de 2000. Uma vez recebido tal cheque o Banco remeteu-o por correio postal não registado ao Autor.

Ora, a culpa no extravio do cheque imputa-se aos Correios de Portugal e não ao Réu. Mas se se entender que a culpa ainda assim é do Réu, a verdade é que os danos invocados não são consequência adequada daquele facto ilícito e culposo.

Elaborou-se o despacho saneador, seleccionou-se a matéria de facto assente e controvertida a qual foi objecto de reclamação, atendida em parte.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento que decorreu com observância do legal formalismo, como a respectiva acta documenta.

Respondeu-se à factualidade controvertida contida na base instrutória e, a final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o réu a pagar aos autores a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).

É contra esta decisão que se insurgem Autor e Réus, através das presentes apelações, tendo apresentado alegações de recurso, com as respectivas conclusões que seguem: I- CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DOS AUTORES: "A.- O Banco réu obrigou-se a diligenciar na cobrança do cheque, que o autor lhe transmitiu, no dia 01 de Junho de 2000, data da emissão daquele, para crédito da sua conta.

B.- Quando o cheque regressa à posse do Banco réu e a importância por este representada foi levada a débito na mesma conta anteriormente creditada, no dia 07 de Junho de 2000, era perfeitamente possível mandar verificar a falta ou insuficiência de provisão, dentro do prazo da apresentação, que terminou no dia 09 imediato.

C.- O Banco réu é que não procedeu à devolução ou entrega do cheque ao autor, dentro deste prazo ou posteriormente, directamente, por correio simples ou em carta registada, como era sua obrigação contratual.

D.- O Banco réu é o único e exclusivo culpado pelo extravio ou perda do ajuizado cheque.

E.- Decorrido mais de um ano sobre a verificação do evento, o Banco réu ainda sustentava ter "remetido em tempo oportuno o original daquele titulo" ao autor e nunca procedeu à sua reforma, para que tinha legitimidade.

F.- Os autores jamais receberam a quantia de Eur. 37.382,46 titulada pelo cheque e encontram-se privados de dispor dessa quantia.

G.- Um cheque, como título de crédito, é um documento necessário para exercitar o direito literal e autónomo nele mencionado, sendo o documento o principal e o direito o seu acessório. Por isso, H.- Um cheque reveste carácter permanente e imprescindível, quer para a constituição do direito, quer para o seu exercício. Por consequência, I.- Os autores perderam a tutela penal e, pelo desapossamento, também ficaram impedidos de, em tempo útil, lançar mão dos meios executórios, com vista a obterem o pagamento do seu crédito. Sem prescindir.

J.- Com o depósito, entrega e tradição, o autor transferiu o domínio sobre o cheque e transmitiu a propriedade do titulo em si mesmo para o Banco réu, correndo por conta deste o risco da sua perda ou extravio.

L.- A sentença recorrida violou, entre outras, as disposições legais dos artºs. 486º, 562º, 563º, 796º, 798º, 799º, 807º, 1205º e 1206º do Cód. Civil.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis que V. Excelências doutamente suprirão, deve revogar-se a sentença do Tribunal de 1ª Instância, na parte recorrida e em apreço, condenando-se o Banco réu também na totalidade dos danos patrimoniais peticionados, com todas as consequências legais, como é de inteira e sã JUSTIÇA!" II-CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DO RÉU: "1ª É fora de toda a dúvida que a responsabilidade civil que está pedida ao Banco, por decorrer do (in)cumprimento da obrigação de restituir um cheque que lhe fora entregue para cobrança, é uma responsabilidade contratual que, como se sabe, nem em tudo é idêntica à responsabilidade extracontratual em cujo corpo de normas legais se encontra - e só encontra - o artº 496, nº 1 do Cód. Civil, invocado na decisão como fundamento da condenação.

  1. Se é também sabido que a doutrina e a jurisprudência pátrias cada vez mais entendem que a responsabilidade contratual é compatível com o ressarcimento dos danos não patrimoniais, ainda assim deve ter-se presente que os meros incómodos não relevam, nela, como relevam no âmbito da responsabilidade civil extracontratual 3ª O que ocorre dizer, na perspectiva da correcta aplicação do disposto no nº 1 do artº 496, nº 1 do Cód. Civil, é que não merecem a tutela do direito os incómodos em que se traduziu a necessidade do "lesado" se deslocar, dentro da sua cidade, a um Banco e ao seu advogado para efeito de obter a restituição de um cheque que não fora pago por falta de provisão e cuja falta de provisão ele conhecia e nem sequer estava averbada no verso do próprio cheque.

  2. Ainda quando exista obrigação de indemnizar, a sua quantificação em € 3.500,00 corresponde a um manifesto exagero, incompatível, também ele, com a correcta aplicação do disposto no artº 496, nº1 do Cód. Civil.

  3. Foi violado o disposto no citado artº 496, nº 1 do Cód. Civil.

Termos em que, no provimento do presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que, em via principal, absolva o banco do pedido e, em via subsidiária, condene apenas o banco numa quantia não superior a € 500,00." O Banco Ré apresentou contra-alegações, concluindo pelo não provimento do recurso dos autores, sustentando que a sentença recorrida deve ser modificada tão só no que resulte da procedência do recurso do mesmo réu/recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-FUNDAMENTAÇÃO II. 1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: --O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil); -- Nos recursos se apreciam questões e não razões; -- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, As questões suscitadas pelos apelantes são: A)- Apelação dos Autores: * Primeira questão: se é, ou não, imputável ao Banco/Réu culpado a não entrega do cheque ao autor, ou da sua perda ou extravio; * segunda questão: se por causa da conduta do Banco/Réu, os autores ficaram impedidos de, em tempo útil, obterem o pagamento do seu crédito e, em caso afirmativo, se devem ser indemnizados pelo réu da totalidade dos danos patrimoniais peticionados.

B)- Apelação do Banco/Réu: * 1ª questão: se há lugar a indemnização por danos morais na responsabilidade contratual; e * se os danos dessa natureza que se provaram no caso sub judice são indemnizáveis e em que montante.

II. 2. OS FACTOS PROVADOS: Com relevo para a decisão ficaram apurados os seguintes factos: 1. O Autor abriu, no Banco X................, uma conta de depósito à ordem, domiciliada no balcão da ................., ............., à qual foi atribuído o nº 0001 (A).

  1. Essa conta teve movimentos a crédito e a débito desde a data da sua abertura (B).

  2. No dia 1 de Junho de 2000, para crédito na referida conta, o Autor efectuou um depósito de três cheques, todos sacados sobre o Banco Y............., nos valores, respectivamente, de € 37.382,46, 19.054,08 e 28.611,05 ( C ).

  3. No dia 7 de Julho de 2000, o Réu levou a débito, na identificada conta, o valor do cheque depositado com o nº 0002, que titulava a importância de € 37.482,46 referida em C), acrescida de despesas bancárias, num total de esc. 7.496.012$00, por "devolução do valor depositado" (D).

  4. O Autor, por variadas e repetidas vezes, solicitou, verbalmente, junto do banco Réu, no balcão da .............., a entrega do chegue referido em D) (E).

  5. O Autor endereçou ao Réu e à atenção do seu gerente de conta, D..............., a carta registada com aviso de recepção de fls. 13...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT