Acórdão nº 0341172 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPINTO MONTEIRO
Data da Resolução10 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia, pelo Ministério Público foi deduzida acusação em processo comum singular contra os arguidos A.........., B.........., C.......... e "D.........., S.A.", todos devidamente identificados nos autos, a fls. 346, imputando-lhes a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal p.p. nos termos dos arts. 6º, nº3, 7º, nº1, 9º, nº2, e 24º, nºs 1 e 5, todos do D/L nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção que lhes foi dada pelo D/L nº 394/93, de 24 de Novembro.

Pelo arguido C.......... foi requerida a abertura de instrução.

Finda esta, foi proferido despacho a pronunciar todos os arguidos pelos factos e disposições legais constantes da acusação.

Efectuado o julgamento, foi a acusação julgada parcialmente provada e procedente e, em consequência, foi o arguido A.......... absolvido da acusação e foram os arguidos B.......... e C.......... condenados pela prática, cada um, de um crime de abuso de confiança fiscal p.p. nos termos do art. 105º, nº5, do RGIT (Lei nº 15/2001, de 5 de Junho), por este regime ter sido considerado concretamente mais favorável, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, sob a condição de, no prazo de 3 anos a contar do trânsito da sentença, pagarem ao Estado-Fazenda Nacional a quantia de 454.963,80 euros, e foi a arguida "D.........., S.A"., pela prática do mesmo crime, condenada na pena de 600 dias de multa, à razão diária de 25 euros.

Inconformados com a sentença, dela recorreram, separadamente, os arguidos B.......... e C.........., tendo concluído as respectivas motivações nos seguintes termos: 1 - O arguido B..........

A - O recorrente não pode ser condenado, a qualquer título, pelo crime de Abuso de confiança fiscal, previsto na lei penal aplicável, a saber o artigo 24º do RJIFNA, na versão dada pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro. E isto por falta, tão evidente como insuprível, de elementos nucleares da factualidade típica da infracção, nomeadamente da acção típica, apropriar-se; B - Nos factos imputados ao recorrente não é possível identificar aquele momento de descaminho, de inversão do título de posse, da intenção de proceder em relação ao dinheiro ut dominus; C - Isto porquanto, tanto o recorrente como a D.........., S.A. sempre reconheceram a sua dívida para com o Fisco, embora não cumprindo a obrigação do pagamento tempestivo. Em termos tais que a sua perseguição criminal só é compreensível como uma inconstitucional (por violação do art.º 29º da Constituição da República Portuguesa) e ilegítima prisão por dívidas, o que ocorre na sentença recorrida; D - Na hipótese teórica de se insistir em condenar o recorrente sempre seria forçoso fazê-lo segundo o regime e as consequências do crime continuado, nos termos dos artigos 30º, nº2 e 79º do Código Penal.

E - Sempre será de atender ainda aos comprometedores vícios de índole processual - contradições, insuficiência da matéria de facto e da fundamentação, etc. - que inquinam a sentença recorrida e também eles suficientes para, só por si, ditarem a anulação do julgamento - art. 410º, nº2, alíneas a), b) e c) do Cód. Proc. Penal.

Terminou pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que contemple as conclusões apresentadas.

2 - O arguido C..........

1 - O arguido não deve ser condenado pelo crime de abuso de confiança fiscal, inserto nos art.s 24º nº 1 e 5 do RJIFNA, agora 105º do RGIT, porque não deve ser considerado preenchido o seu tipo, e existe ausência de dolo na actuação do recorrente.

2 - O inquérito é nulo, por ter sido realizado, em exclusivo, pela administração fiscal a coberto de pretensa competência própria que lhe é atribuída pelo artigo 43º do RJIFNA sem conhecimento ou autorização do Mº Pº.

3 - Embora a prática de tais actos derive de uma competência delegada "presumida" - artigo 43º, nº2, do RJIFNA - certo é que a competência para iniciar o processo é própria do ofendido - artigo 43º, nº1, - o que viola clamorosamente o artigo 48º do Código de Processo Penal, nos termos do qual o dever de promover a acção penal é exclusivo do Ministério Público.

4 - O artigo 48º do Código de Processo Penal tem valor constitucional, na medida em que constitui emanação do postulado fundamental, de que o Mº Pº é um órgão do Estado e da Justiça - artigo 221º da Constituição da República Portuguesa, - actuando num quadro constitucional e funcional a que são inerentes os princípios da legalidade, objectividade e imparcialidade, estranhos à administração fiscal.

5 - Assim, aqueles artigos 43º e 44º do RJIFNA são materialmente inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 32º, nºs 4 e 5, 114º e 221º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

6 - Tendo sido a administração fiscal ou seja, o ofendido, quem promoveu a acção penal e prosseguiu com os actos de inquérito, é nulo todo o processado, o que igualmente se invoca.

7 - Os artigos 42º, 43º, 44º e 45º do RJIFNA afastam a aplicação do disposto no artigo 48º do Código de Processo Penal, já que o Mº Pº não tem, sequer, legitimidade para instauração do inquérito.

8 - Se assim se não entender, então, o processo de averiguações tem o valor de uma queixa apresentada pela administração fiscal ao poder judicial, na medida em que se trata de um processo distinto que antecede o inquérito criminal (este da direcção do Mº Pº). Pelo que, dependendo o crime de abuso de confiança fiscal de queixa, o prazo para a sua apresentação encontrava-se nos presentes autos há muito ultrapassado - artigos 115º do Código Penal e 43º, nº3 do RJIFNA.

Sem prescindir 9 - Nos termos do art.º 203 nº2 do CPT a instauração do processo de averiguações deve ser imediatamente comunicado ao M.P.. Ora, tal formalidade, não se mostra nestes autos cumprida, com clara violação do art. 48º do C.P.P. e do art. 221º da C.R.P., 10 - Pelo que deve ser declarado nulo todo o processo, extinto o procedimento por extemporaneidade da queixa/participação ao M.P. das infracções encontradas e a final que parte das infracções e consequentes valores se encontram prescritos como prescrevem os art.s 115º do C.P.P. e 43 do RJIFNA.

Sem prescindir 11 - Também nos termos do art. 243 nº3 do CPT, a denúncia tem de ser transmitida à autoridade judiciária competente que é o M.P., o que não ocorreu; assim, nos termos do art. 243 nº3 do C.P.P., provoca a nulidade de inquérito, por força do art. 119 al. b) do mesmo diploma e a Circular 6/96, de 21/10 da P.G.R..

12 - O DL 20-A/90, onde se encontra contida a norma tipo incriminadora é formal e organicamente inconstitucional.

13 - A relação entre o sujeito passivo do imposto e o repercutido (sociedade arguida) é de natureza civil, em que o repercutido é o devedor e o sujeito passivo de IVA é o credor. Se o sujeito passivo da relação de IVA recebe o montante repercutido, por um lado, e não pagar o imposto devido ao Estado, por outro, não está a cometer o crime de abuso de confiança - pois não está a receber uma quantia "para entregar ao Estado" ou "devida ao Estado", pela sociedade arguida, pelo que existe errada compreensão e aplicação dos artigos , do CIVA, 18º nº4, 41º nº2 da LGT e 105º do RGIT e seu alcance.

14 - A decisão recorrida omitiu a pronúncia sobre se há ou não lugar a juros, qual a sua taxa e desde quando são contados, tal, afecta irremediavelmente a sentença que deverá ser substituída por outra, colmatando o vício apontado. Nos termos dos artigos 379, nº1 alínea c), e art. 374, nº2, todos do C.P.P..

15 - Existe uma questão que não foi de facto apreciada em julgamento, e sobre a qual o recorrente não exerceu o contraditório, nem pôde acompanhar, a junção de certidão da sentença falimentar da sociedade arguida, após o encerramento da discussão, tendo esta junção tardia sido processada com violação do estatuído nos art. 32, nº1 e 5 da C.R.P., art. 321 nº3, art. 322 nº2, 327 e 355 do C.P.P., o que, salvo o devido respeito, determinará a nulidade da sentença recorrida, nos termos dos artigos 379, nº1 alínea c) e art. 374, nº2, todos do C.P.P..

16 - Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando se condena o arguido nos totais das importâncias de IVA, sem se ter apurado, em concreto, quais as efectivas importâncias do mesmo imposto apropriado, face às efectivas disponibilidades mensais fazendo, assim, uma incorrecta aplicação do artigo 410, nº2 alíneas a) e b) do C. P. Penal., e artigo 24, nº1 e 5 do RJIFNA e 105 do RGIT.

17 - Constata-se uma violação ao disposto ao artigo 374, nº2 do C.P.P., quando a douta sentença recorrida omite qualquer referência a factos essenciais à boa decisão da causa e que estavam constantes quer em sede de contestação, quer em sede documental. E tal constatação importa, salvo o devido respeito, a nulidade da douta sentença recorrida nos termos do art.º 379 nº1 al. c) do C.P.P..

18 - Não se provando que o devedor dos rendimentos tributários não deduziu, nem recebeu ou liquidou a prestação tributária, não comete, como refere o auto de notícia de 97 de fls. 17º, o crime de abuso de confiança fiscal, mas apenas a contra-ordenação do artigo 29, nº4 do RJIFNA.

19 - E não se pode falar, face à ausência de prova em mera culpa, sendo que tal é elemento essencial, já que, de facto, em matéria de responsabilidade subsidiária quanto aos gerentes, é exigível, igualmente, a culpa do administrador pelo não cumprimento dos débitos fiscais; assim, fez-se uma incorrecta aplicação do art. 24 do RJIFNA.

20 - Não pode assacar-se dolo ao arguido na apropriação dos tributos e existe, assim, um vício nos termos do nº1 do artigo 410 e nº2, alínea a, já que, perante a matéria dada como provada, dúvidas subsistem de que a decisão não podia ser outra, senão a absolvição do arguido C.......... por falta do elemento - dolo.

21 - A condição aplicada, pagamento da...

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