Acórdão nº 0342343 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução05 de Novembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Secção Criminal (2ª) do Tribunal da Relação do Porto I 1. No processo n.º ..../... do ... Juízo Criminal de M......, após julgamento, em processo comum e perante tribunal singular, por sentença de 29 de Janeiro de 2003, foi decidido, no que ora releva, condenar o arguido JOAQUIM ....., pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.

  1. Inconformado, o arguido veio interpor recurso, rematando a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões: «Quanto à matéria de direito: «I- No que se refere às alegadas agressões e ameaças ocorridas até à data da entrada em vigor da Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio, que alterou o n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal que tornou o crime de maus tratos a cônjuge num crime de natureza pública, à data da participação deu (sic) o presente processo, já estava extinto o direito de queixa da ofendida Maria José.

    «II- Na verdade, até à data de entrada em vigor da Lei n.º 7/2000, o crime de maus tratos a cônjuge era um crime de natureza semi-pública, logo dependia da apresentação de queixa dentro do prazo legalmente previsto (n.º 1 do artigo 115.º do Código Penal).

    «III- Ora a ofendida Maria José nada fez.

    «IV - Por via disso, o Ministério Público não pode promover o procedimento criminal quanto aos factos ocorridos até à entrada em vigor da Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio.

    «V - Na verdade, o direito de queixa funciona como condição de procedibilidade.

    «VI - Exercendo o Ministério Público a acção penal por um crime que, à data dos factos, tinha natureza semi-pública sem que a ofendida tenha apresentado queixa, o Ministério Público não tem legitimidade para acusar.

    «VII - Os problemas de sucessão devem ser resolvidos de acordo com o princípio do regime mais favorável (artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal). Se a lei nova converte o crime em público deve considerar-se o regime da lei mais antiga.

    «VIII - Por via disso, deve o arguido ser absolvido de instância pelos actos alegadamente praticados "desde data não concretamente apurada e provavelmente desde há cerca de dezasseis anos e até ao dia do mencionado auto de notícia", por ilegitimidade do Ministério Público em promover o procedimento criminal.

    «IX - Em qualquer caso deve referir-se que a responsabilidade criminal do arguido pelos factos ocorridos até 25 de Março de 1999 extinguiu-se pela amnistia de acordo com o artigo 127.º do Código Penal e Lei n.º 29/99, de 12 de Maio.

    «Acresce ainda que, «X- Quanto aos factos ocorridos no dia 07 de Abril de 1998, pelas 9h30, que consubstanciam um crime de ameaça e que deram origem ao processo comum singular n. 280/99 que correu os seus termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal da comarca de M....., o Ministério Público não tem legitimidade para acusar porquanto o procedimento criminal ficou extinto ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º 29/99, de 12.05.

    «XI - Por via disso, o Tribunal ficou impedido de condenar o arguido pela prática dos mesmos.

    «XII - Quanto aos factos ocorridos no dia 14 de Maio de 1998, que consubstanciam um crime de ofensa à integridade física simples e que deram origem ao processo comum singular n.º 474/98 que correu termos no 3.º Juízo Criminal do tribunal da comarca de M....., o Ministério Público não tem legitimidade para acusar porquanto a ofendida Maria José desistiu da queixa que formulou contra o arguido e o Meritíssimo Juiz de Direito, titular do processo, julgou válida a desistência, que homologou e, em consequência, declarou extinto o procedimento criminal que nos autos supra referidos era exercido contra o mesmo.

    «XIII - Com a desistência de queixa ficou impedida a sua renovação.

    «XIV - Por via disso, nos termos do n.º 1 do artigo 49.º do Código de Processo Penal o Ministério Público ficou impedido de promover o processo quanto a estes factos e consequentemente, o Tribunal ficou impedido de condenar o arguido pela prática dos factos.

    «XV - Por via disso não se pode considerar a matéria dada como assente no ponto 5.

    «XVI - Quanto à matéria de facto afigura-se ao recorrente que a prova que se fez em audiência de julgamento impõe decisão diversa da recorrida.

    «XVI [O recorrente repete a numeração XVI, lapso que não corrigimos porque se repercute em toda a seguinte numeração das conclusões] - Na verdade, atenta a prova produzida afigura-se ao requerente que houve erro notório na apreciação da prova (alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de processo Penal).

    «XVII - Por via disso, existe nulidade insanável de todo o processo.

    «XVIII - Na verdade, os factos dados como provados nos pontos 3, 4, 5, 8, 11 da matéria de facto foram incorrectamente julgados.

    «XIX - No que se refere ao facto dado como provado no ponto 3, devia ter sido considerado o depoimento da testemunha Sandra ....., filha mais velha do casal que referiu que os irmãos mais novos apenas presenciaram a agressão de 27 de Setembro de 2001 (suporte técnico n.º 1, lado A), portanto fez referência que "isolava os meus irmãos no quarto para eles não assistirem" (suporte técnico n.º 1, lado A).

    «XX - Quanto ao facto dado como provado no ponto 4, deve referir-se que na audiência de discussão e julgamento não se fez prova de tal facto.

    «XXI - Devia ter sido considerado o depoimento da testemunha Sandra ..... "Depois passados uns tempos foi quando ele me puxou para casa, esteve a falar comigo e tentou culpar-me por tudo o que estava a acontecer por eu dar apoio à minha mãe acerca do divórcio e tudo isso", "foi quando ele deu um soco na porta que disse que era para não me dar a mim" (suporte técnico n.º 1, lado A) e o depoimento da testemunha José Armando ....., que referiu que os filhos "eram muito chegados ao pai" (suporte técnico n.º 1, lado B) bem como o depoimento da testemunha Nuno Miguel ....., que referiu que as conversas entre pai e filha não denotavam agressividade do Sr. Fernando (suporte técnico n.º 1, lado A).

    «XXII - Quanto ao facto dado como provado no ponto 5 deve referir-se que tal agressão ocorreu no mês de Maio do ano de 1998 e não no ano de 1992, como erradamente se fez referência na acusação e, consequentemente, na sentença. Para tal deve considerar-se a participação que ora se junta sob o n.º 6.

    «XXIII - Não se pode considerar, como erradamente o Tribunal fez, que a ofendida abandonou a casa de morada de família em consequência da agressão desferida pelo arguido. Na verdade, a testemunha Sandra ..... referiu que "Estava em casa da minha avó, numa altura em que estavam separados, a minha mãe na altura tinha medo dele, então quis ir para a minha avó. Tinha cerca de 2 meses, quando fomos para a minha avó e ele chateou-se, não é, por ela ter saído de casa e agrediu-a lá no portão da casa" (suporte técnico n.º 1, lado A). Deve ser considerado o depoimento da testemunha e o documento n.º 6 onde expressamente a ofendida referiu que estava separada do marido.

    «XXIV - Quanto ao facto dado como provado no ponto 8 deve referir-se que não se fez prova em audiência de discussão e julgamento que as agressões só não tomaram mais proporções por causa da intervenção da polícia que foi chamada ao local.

    «XXV - Na verdade, a testemunha Carlos Filipe ....., agente da P.S.P. de S..... referiu, a instâncias da defensora do arguido que quando chegaram ao local "as agressões deve ter sido mais ou menos há 15, 20 minutos" (suporte técnico n.º 1, lado A). Ora, evidentemente, que não foi a chegada da polícia que impediu que as agressões tomassem maiores proporções.

    «XXVI - Quanto ao facto dado como provado no ponto 11 deve referir-se que não se provou que a ofendida viveu profundamente humilhada e aterrorizada, sofrendo por si e temendo pelo que poderia acontecer aos seus filhos tendo ficado psicologicamente afectada pelos actos de que foi vítima.

    «XXVII - Na verdade, a testemunha Sandra a instâncias da Meritíssima Juiz de Direito referiu que a mãe tinha medo, que vivia aterrorizada e humilhada mas não fez referência a quaisquer factos/situações capazes de espelhar esse medo ou humilhação (suporte técnico n.º 1, lado A).

    «XXVIII - Atento o que se referiu supra, afigura-se ao recorrente que a prova se fez em audiência de julgamento (sic) que pudesse conduzir à referida condenação, senão por um crime de ofensas corporais, no que se reporta ao episódio do dia 27 de Setembro de 2001.

    «XXIX - O Tribunal integrou mal a factualidade descrita na hipótese legal, porque atenta a prova produzida e os circunstancialismos supra referidos, certo é que a matéria de facto dada como provada no ponto 7 não configura o crime de maus tratos.

    «XXX - Na verdade, o crime de maus tratos a cônjuge, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, pressupõe e exige a reiteração dos respectivos actos ou condutas.

    «XXXI - A incriminação só pode ocorrer quando a gravidade intrínseca dos actos ou condutas se assumir como suficiente para poder ser enquadrada na figura dos maus tratos físicos ou psíquicos, enquanto violação da pessoa individual e da sua dignidade humana, com afectação da sua saúde.

    «XXXII - Atento ao exposto supra só se pode considerar o facto dado como assente no ponto 7.

    «XXXIII - Ora, não se pode considerar que um estalo é uma agressão grave nem que denota uma violência desmesurada.

    «XXXIV - Nesse sentido veja-se o douto acórdão da Relação do Porto, de 03.11.99, processo 9810911 in www.dgsi:pt "O arguido que agarra pelos braços, pelas pernas e pelos cabelos a, então, sua esposa, arrastando-a, ao mesmo tempo que lhe dava pontapés, o que fez durante cerca de meia hora, comete o crime de ofensas à integridade física e não um crime de maus tratos a cônjuge, dado que este exige que os comportamentos agressivos se verifiquem de forma reiterada, o que não acontece no caso concreto, em que se está perante uma acção isolada, com duração de cerca de meia hora.

    «XXXV - No que respeita à medida da pena, deve dizer-se que foi arbitrada uma pena efectiva de prisão assaz pesada em nítido desequilíbrio com a factualidade dada como...

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