Acórdão nº 0344355 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Dezembro de 2003

Magistrado ResponsávelCOELHO VIEIRA
Data da Resolução10 de Dezembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO No âmbito de uns autos de INQUÉRITO nº .../02.7TAVNF, os quais correm termos nos serviços do MP do Tribunal Judicial de V. N. de Famalicão, a Mertª Juiz "a quo", após promoção do MP , proferiu o seguinte DESPACHO: "A fls. 360 v., o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social requereu a sua constituição como assistente nos presentes autos.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento de tal pretensão...

Cumpre decidir: Com a entrada em vigor da Lei nº 15/2001, de 5/06 que aprovou o RGIT e nos termos do previsto no art. 2º, al. b) da citada Lei, foi revogado o RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15/01, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24/11 e Decreto-Lei nº 140/95, de 14/06.

Tal diploma, no que concerne às normas processuais no mesmo constantes, é de aplicação imediata, dado o disposto no art. 5º nº 1, do Código de Processo Penal.

Sucede, porém que o RGIT não contém nenhuma norma idêntica à do revogado art. 49º e 51º, do RJIFNA que conferia à administração fiscal ou da segurança social a legitimidade para se constituir assistente no processo penal, por crimes fiscais.

Com a vigência do RGIT, prevê-se apenas que a Administração Fiscal ou a Segurança Social assistam tecnicamente o Ministério Público em todas as fases do processo, podendo inclusivamente designar agente da administração ou perito tributário a quem é conferida a faculdade de consultar o processo e de ser informado da sua tramitação.

Donde resulta que foi intenção do legislador retirar à Administração Fiscal ou da Segurança Social a legitimidade para, na qualidade e com o estatuto de assistente, intervir no processo penal (cfr. neste sentido Paulo José Rodrigues Antunes, in Infracções Fiscais e Seu Processo, Almedina, pp. 71).

Nestes termos, indefiro a requerida constituição de assistente por parte do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, por carecer o mesmo de legitimidade atento o disposto no art. 68º, do Código de Processo Penal...".

X Inconformado com o decidido, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social veio interpor recurso, o qual motivou, aduzindo as seguintes CONCLUSÕES: 1- No douto despacho de que ora se recorre, a Mertª Juiz "a quo" indeferiu o pedido de constituição de assistente formulado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, fundamentando-o na falta de legitimidade do ora Recorrente, nos termos dos arts. 68º nº 1, do CPP, art. 46º do RJIFNA, aprovado elo DL nº 20-A/90, de 15/01, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 394/93, de 24/11, conjugada com a do art. 51º-A, aditado pelo DL nº 140/95, de 144//06.

2- A Lei nº 15/2001, de 5/06 que aprovou RGIT, estabelece um novo regime para as infracções fiscais, revogando o RJIFNA.

3- Porém, tal não significa que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social careça de legitimidade para se constituir como assistente, nos processos crime contra a Segurança Social.

4- A Lei n.º 15/01, de 5/06 (RGIT) não comporta norma jurídica especial que expressamente confira a possibilidade da Administração Tributária ou da Segurança Social se poder constituir como assistente, isto porque o C. P. Penal regula especificamente esta matéria, tornando-se desnecessária a regulamentação numa lei especial.

5- Conforme dispõe o art. 68º n.º 1, al. a), do CPP, podem constituir-se assistentes, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito "... os ofendidos considerando-se como tais, os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger coma incriminação, desde que maiores de dezasseis anos...".

6- Considerando-se que a legitimidade da segurança social provem directamente do art. 68º n.º 1, al. a), do CPP, uma vez que é representada por institutos públicos, dotados de personalidade jurídica própria e titulares de interesses que a lei quis proteger com a incriminação, não faz sentido colocar em causa este direito.

7- O bem jurídico tutelado pelos crimes contra a segurança social, nomeadamente, os crimes de fraude e abuso de confiança, tem carácter patrimonial, o qual assenta na satisfação dos créditos contributivos de que a segurança social é titular e que integram o seu património.

8- Por outro lado, Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, enquanto instituição da segurança social, é um instituto público, dotado de autonomia administrativa e financeira, com personalidade jurídica e património próprio - arts. 1º, 3º nº 1 e nº 2, als. b)-ii) e d)-iii, do estatuto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, aprovado pelo DL nº 260/99, de 7/07.

9- O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social responde pelos seus actos, agindo em nome próprio e não em nome do Estado.

10- Logo, não é legalmente possível o indeferimento da constituição de assistente do IGFSS, com o fundamento na sua ilegitimidade.

11- Ao não deferir o pedido de constituição de assistente formulado pelo IGFSS, o douto despacho recorrido não fez uma correcta interpretação das normas jurídicas em vigor, violando os arts. 45º e 112º, da Lei nº 32/02, de 20/12; art. 1º do DL nº 260/99, de 7/06; art. 68º nº 1, al. a) e 69º, ambos do CPP.

Recebido o recurso, a ele veio responder a Digna Procuradora Adjunta, doutamente pugnando pela bondade da decisão recorrida, com a consequente improcedência daquele.

Nesta Relação, o Ilustre Procurador-Geral Adjunto, por via do douto Parecer que emitiu, defende a procedência do recurso, devendo admitir-se o Recorrente a figurar nos autos, na qualidade de Assistente.

Cumprido que se mostra o disposto no art. 417º nº 2, do CPP, verifica-se que não foi deduzida qualquer resposta.

X Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: O DIREITO Da leitura das CONCLUSÕES da motivação do recurso, consabidamente delimitadoras do respectivo objecto (arts. 402º, 403º e 412º, do CPP) alcança-se que a questão nuclear a dirimir é a de saber se no caso "sub-judice", o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) tem, ou não, LEGITIMIDADE para se constituir ASSISTENTE, nos crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos arts. 27-B do RJIFNA Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras), ou art. 107º do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias, como é o caso dos autos - art. 5º nº 1, do CPP).

Em abono da sua tese, defende o Recorrente que conquanto não exista no novo RGIT uma norma especial que confira legitimidade ao recorrente para se constituir assistente, no caso dos autos, tal legitimidade advém do disposto no art. 68º nº 1, al. a), do C. P. Penal, uma vez que esta é representada por institutos públicos, dotados de personalidade jurídica própria e titulares dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação dos tipos legais de crimes contra a segurança social, não fazendo sentido colocar em questão esse direito.

Vejamos: O Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo DL n.º 20-A/90, de 15/01, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 394/93, de 24/11 e pelo DL n.º 140/95, de 14/06 continha normativo especial, de que resultava inequivocamente, a legitimidade da Segurança Social ou da Administração Fiscal para se constituírem assistentes, no processo penal, por crimes tributários (vide arts. 46º nº 1 e 51º-A, do referido RJIFNA).

Ora, como é sabido, o RJIFNA foi revogado pelo art. 2º, al. b), da Lei nº 15/01, de 5/06, a qual aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

E certo é que neste novo diploma legal inexiste qualquer referência dispositiva que confira legitimidade para a constituição de assistente, quer à Segurança Social, quer à Administração Fiscal.

Ademais, o RGIT contem uma disposição inovadora, relativamente ao anterior regime, ínsita no seu ar. 50º, onde se preceitua que : 1-"A administração tributária ou da segurança social assiste tecnicamente o Ministério Público em todas as fases do processo, podendo designar para cada processo um agente da administração ou perito tributário, que tem sempre a faculdade de consultar o processo e ser informado sobre a sua tramitação.

2- Em qualquer fase do processo, as respectivas decisões finais são sempre comunicadas à administração tributária ou da segurança social".

Em anotação a este preceito legal escreveu-se in "Regime Geral das Infracções Tributárias - Anot., J. Lopes de Sousa e M. Simas Santos, ed. 2001, pág. 334 que: ...O nº 1, 1ª parte cria um encargo para a administração tributária ou da segurança social: o de assistir tecnicamente o Ministério Público em todas as fases do processo, através da designação de um agente da administração ou perito tributário.

Esta assistência técnica ao Ministério Público já está prevista no Código de Processo Penal quando se trata de prova pericial, a qual tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (art. 151º, do CPP).

O Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis podem designar para assistir à realização da perícia, se isso ainda for possível, um consultor técnico da sua confiança que pode propor a efectivação de determinadas diligências e formular observações e objecções que ficam a constar do auto (art. 115º, do CPP)...

...O nº 1, apesar da sua redacção, não veio atribuir à administração tributária ou da segurança social um direito potestativo de impor a assistência técnica de um seu agente ou de um perito tributário, sem ou contra a vontade do Ministério Público, mas tão-só, como adiantamos, o dever de colaborar prestando assistência técnica, quando solicitada , ou quando aceite depois de sugerida.

O agente da administração ou perito tributário que tiver sido designado para um processo prestará a assistência técnica que lhe for solicitada, para o que deverá ter acesso aos elementos do processo necessários ao cumprimento da incumbência atribuída e deverá receber a informação sobre a tramitação do processo, com...

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