Acórdão nº 0344743 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Dezembro de 2003

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I 1. No processo n.º .../02.8GAVNH do Tribunal Judicial de Vinhais, após julgamento, em processo comum e perante tribunal colectivo, por acórdão de 7 de Julho de 2003, foi decidido, no que ora releva: - condenar o arguido Francisco... pela prática de um crime continuado de abuso sexual de criança, p. e p. pelos artigos 172.º, n.º 2, do Código Penal [Em diante abreviadamente designado pelas iniciais CP], na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; - absolver o arguido Francisco... da prática de um crime agravado de violação, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, e 177.º, n.º 4, do CP, mas condená-lo pela prática de um outro crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 2, do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; - em cúmulo jurídico, condenar o arguido Francisco... na pena única de 8 anos de prisão; - condenar o arguido a pagar ao ofendido Cláudio..., pelos danos não patrimoniais que sofreu, a indemnização de € 25 000,00, com juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido; - condenar o arguido a pagar ao ofendido João..., pelos danos não patrimoniais que sofreu, a quantia de € 15 000,00.

  1. Inconformado, o arguido Francisco... veio interpor recurso do acórdão, rematando a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões: «1) Da matéria dada como provada nos números 5 e 6 de fls. 457 verifica-se erro notório na apreciação da prova, pois tendo o menor Cláudio nascido a 29 de Novembro de 1987, tinha em princípios de 1997 a idade de nove anos e dois ou três meses, e o seu desenvolvimento físico não lhe permitia, como não permite a qualquer criança, a prática dos factos aí descritos.

    «Há o vício previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.Penal.

    «2) O tribunal a fls. 462 baseou-se para dar como provados os factos referidos nos n.ºs 5, 6 e 7 de fls. 457, nos relatórios médicos e outros e declarações do arguido. Há aqui contradição, pois se a prova dos relatórios lhe deixou dúvidas, nem é prova inequívoca, e também entendemos que não, também as declarações do arguido não podem servir para factos que ele não referiu, nomeadamente os alegadamente praticados até 12/09/2002.

    «Há aqui contradição insanável da fundamentação, vício previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.Penal.

    «3) A fls. 457, o tribunal deu como provados nos n.ºs 5, 6 e 7 actos que se terão passado nos princípios de 1997 e terminaram em 12/09/2002. Porém, não foi dado como provado factos concretos que inequivocamente tenham ocorrido entre essas datas. Apesar disso o tribunal condenou o arguido pela prática de um crime continuado, artigo 172.º, n.º 2, e 174.º do C.Penal Português.

    «Há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no n.º 1 do artigo 410.º do C.P.Penal, tendo também sido violado o artigo 172.º, n.º 2, do C.Penal.

    «4) A realização da perícia de fls. 131 a 135 não foi notificada ao arguido, nem o relatório foi notificado em tempo de o arguido poder ter intervenção nela. Tal notificação impunha-se pois não se encontra referido no processo verificar-se qualquer das situações previstas no n.º 3 do artigo 154.º do C.P.Penal.

    «Tal relatório teve influência na decisão recorrida, e por ter violado os artigos 154.º e 155.º do C.P.Penal, torna a decisão nula.

    «5) a) Os relatórios que o tribunal teve em conta para fixar a matéria de facto, fls. 461, são a-científicos, "tutelados", com realização não transparente. Falam de "abusos sexuais", de história, mas não referem os actos concretos para que possam ser avaliados como crimes.

    «Não são suficientes para dar como provados os factos concretos atribuídos ao arguido (não confessados) quer quanto ao menor Cláudio quer quanto ao menor João.... O próprio tribunal não os considera prova inequívoca.

    «b) Não sendo essa prova inequívoca e baseando-se o tribunal nas declarações do arguido deu como provados factos que ele não admitiu, nomeadamente os relatados antes de Janeiro de 2002.

    «c) Não considerando o tribunal os relatórios prova inequívoca, e dando crédito à testemunha João Rodrigues, o tribunal não explicou de modo que o normal cidadão possa perceber o motivo pelo qual acreditou em alguns factos e não noutros.

    «Além disso, dada a evidente contradição existente entre o menor, a psicóloga Paula... e a mãe do menor João André, não se percebe objectivamente como é que o tribunal formou e firmou a sua convicção.

    «Existe, assim, insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, para o tribunal poder dar como provados os factos não admitidos pelo arguido, violando o princípio da livre apreciação da prova, artigo 127.º do C.P.Penal «6 - A Célia, mãe do menor Cláudio, rectificou a denúncia feita por Vítor....

    «Não sabendo em que consistiu a rectificação, que factos denunciou, tal equivale à inexistência de queixa.

    «Os factos atribuídos ao arguido dependem da queixa nos termos do n.º 1 do artigo 178.º do C.P.Penal, o que retira ao Ministério Público legitimidade para acusar, o que leva à falta de um pressuposto processual.

    «7 - Mas mesmo que assim se não entenda, os factos ocorridos em princípios de 1997 e outros não são relatados até 12 de Setembro de 2002, relativos ao Cláudio, estão fora do prazo em que a queixa podia ser apresentada. O que leva à impossibilidade de acusação pelos factos ocorridos nessa data, o que leva à não existência do crime previsto pelo artigo 172.º, n.º 2, relativamente ao Cláudio.

    «8 - O pedido de indemnização de fls. 144, é feito por Carlos..., que não é representante do menor, mas não é feito a favor do menor, não é o menor que o faz, nem se pede que essa obrigação o tenha como beneficiário. Ora o ofendido é o menor, e o pedido tem de ser feito pelo ofendido, representado por alguém. Como o mesmo não fez o pedido, não lhe pode ser atribuído, não é parte. Foi violado o artigo 74.º do C.P.Penal.

    «9 - Dos factos provados só pode concluir-se que o arguido praticou um crime previsto no artigo 174.º do C.Penal na pessoa do Cláudio, e um crime previsto no n.º 1 do artigo 172.º do Cód. Penal.

    «Ao condenar por outros crimes verifica-se a nulidade prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.Penal.

    «10 - As penas aplicadas, atentas as circunstâncias e a personalidade do arguido, são elevadas, exageradamente.

    11) - Os montantes da indemnização atribuídos são inadequados às consequências dos factos, por serem muito elevados.

    Termina, pedindo que a decisão seja «revogada e substituída por outra que a expurgue dos vícios referidos, dê como provados somente os factos que o arguido confessou, com a respectiva qualificação jurídica, e pena e indemnização adequadas» e «que não admita o pedido de indemnização de Vítor... e Célia, absolvendo o arguido quanto a esse pedido» e, subsidiariamente, que se «dê como provado o crime do artigo 172.º, n.º 1, (João...) e 174.º (Cláudio), condenando o arguido em penas e indemnização adequadas».

  2. Admitido o recurso e efectuadas as legais notificações, o Ministério Público apresentou resposta no sentido de ser negado provimento ao recurso.

  3. Também o assistente Alberto..., na qualidade de legal representante do menor João... respondeu pronunciando-se pela manutenção da decisão recorrida.

  4. Os autos foram remetidos a este tribunal já instruídos com a transcrição da prova produzida em audiência.

  5. Na vista a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal [Em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP], o Ministério Público não emitiu parecer.

  6. Efectuado exame preliminar, e não havendo questões a decidir em conferência, colhidos os vistos, prosseguiram os autos para audiência, que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta, mantendo-se as alegações orais no âmbito das questões postas no recurso.

    II Cumpre decidir.

  7. No caso, como foi observado o princípio geral de documentação de declarações orais, contido no artigo 363.º do CPP, este tribunal conhece de facto e de direito (artigo 428.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).

    De acordo com as conclusões da motivação, que definem e delimitam o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, e 403.º, n.º 1, do CPP), o recorrente Francisco... impugna o acórdão quer sobre matéria de facto quer sobre matéria de direito e tanto no que respeita à acção penal como no que respeita à acção civil, trazendo à discussão, neste tribunal, as questões: - de o acórdão enfermar de todos os vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º do CPP (conclusões 1.ª, 2.ª, 3.ª), - de se verificar erro de julgamento na apreciação da prova (conclusão 5.ª), com a consequência de incorrecta qualificação jurídica dos factos (conclusão 9.ª), - de se verificar a nulidade da decisão, por violação do disposto nos artigos 154.º e 155.º do CPP, em relação à perícia de fls. 131 a 135 (conclusão 4.ª), - da falta de legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal quanto aos factos relativos ao menor Cláudio (conclusão 6.ª), - a não proceder a questão da falta de legitimidade do Ministério Público, antes enunciada, da falta de apresentação tempestiva da queixa quanto aos factos ocorridos em princípios de 1997 e outros (conclusão 7.ª), - da não admissibilidade do pedido cível de que o tribunal veio a conhecer, condenando o recorrente em indemnização civil, por danos não patrimoniais, a favor do menor Cláudio... (conclusão 8.ª), - das medidas concretas das penas serem exageradas (conclusão 10.ª), - dos montantes indemnizatórios fixados serem muito elevados (conclusão 11.ª).

  8. Vejamos, antes de mais, os factos que foram dados por provados no acórdão recorrido: «1) No dia 12/09/2002, entre as 17h00 e as 18h00, em Vinhais, no lugar de..., o arguido abordou o menor Cláudio..., então com 14 anos de idade, convidando-o a ir a sua casa, para o que o aliciou por forma que não foi possível apurar; «2) O menor acedeu ao convite e dirigiu-se a casa deste, onde entraram; «3) Uma vez no interior da casa, o arguido acariciou com as mãos os órgãos sexuais do...

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