Acórdão nº 0346054 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelTORRES VOUGA
Data da Resolução31 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal da Relação do Porto: No termo do inquérito instaurado na Delegação da Procuradoria da República junto do TJ de PAREDES, o MINISTÉRIO PÚBLICO determinou o arquivamento dos autos por considerar que, perante a prova recolhida ao longo do inquérito, não se mostrava suficientemente indiciado terem os arguidos A.......... e B.......... praticado os diversos crimes de dano e de introdução em lugar vedado ao público oportunamente denunciados por C.......... e D...........

Notificados de tal despacho, os denunciantes/assistentes C.......... e D.......... requereram a abertura da instrução, assacando aos denunciados/arguidos a autoria, em concurso real, de, pelo menos, dois crimes de dano p. e p. pelo art. 212º, nº 1, do Código Penal e um crime de introdução em lugar vedado ao público p. e p. pelo art. 191º do mesmo Código.

Porém, o Exmº. Sr. Juiz de Instrução rejeitou liminarmente o requerimento de abertura da instrução formulado pelos Assistentes, por o mesmo não conter a narração de factos susceptíveis de integrar todos os elementos típicos de qualquer crime, designadamente os de dano e de introdução em lugar vedado ao público.

É desse despacho que os Assistentes C.......... e D.......... ora recorrem para esta Relação, formulando, no termo da sua motivação, as seguintes conclusões: "I - Por força designadamente do disposto no art. 287º/3 do C. P. Penal, a rejeição da instrução está logo legalmente reduzida ao mínimo, II - Ora, a M.ma Juíza fundamentou esse seu despacho de rejeição por deficiências atribuídas à narração dos factos no requerimento respectivo.

III - Salvo sempre o devido respeito, tal fundamento não é válido já que não se verifica in casu nenhum dos motivos que podem originar a rejeição da instrução, muito menos a falta de tipicidade legal.

IV - Tais factos encontram-se nomeadamente nos arts. 13.º, 14.º, 15.º, 19.º, 24.º do requerimento rejeitado, entre todos os outros que consubstanciam o elemento objectivo dos vários tipos legais pelos quais os assistentes logo apresentaram queixa, especificando-os.

V - Por outro lado, quanto ao elemento subjectivo dos ilícitos criminais referenciados (introdução em lugar vedado ao público e dano) e, concretamente quanto à culpa, estes também se encontram descritos ao longo do mesmo requerimento, como nos art.s 8.º, 9.º, 13.º, 16.º, 17.º, utilizando-se para tanto as correspondentes expressões: "destruição intencional", "destruição esta reiterada", "afirmação aquela que bem revela a perfeita consciência", etc.

VI - Ora a nulidade invocada pela M.ma Juíza no despacho recorrido funda-se pois mal no art. 283.º/3, al. b) do C. P. Penal, para que remete o art. 282º/2 do mesmo diploma legal. Na verdade, insiste-se: VII - Tal despacho é ilegal, por falta de fundamento válido: os elementos típicos dos preceitos legais sub iudice foram descritos pelos assistentes no seu requerimento. De resto, VIII - E sem conceder, se tal descrição estivesse feita de forma deficiente, esse não deveria ser motivo para rejeição, uma vez que não existe a ausência total de um ou mais elementos típicos, como até a M.ma Juíza implicitamente deixa transluzir.

IX - Na verdade, colocou-se no despacho recorrido a possibilidade do convite ao aperfeiçoamento, nos termos do art. 508º do C. P. Civil, aplicável ex vi art. 4.º do C. P. Penal, que logo foi postergada, alegando a extemporaneidade. Ora, X - Tal extemporaneidade, que também fundamenta a rejeição da instrução, é de todo descabida: tratava-se apenas do aperfeiçoamento do requerimento, o que, ainda nos termos do art. 508.º do C. P. Civil, n.º 2 dá lugar à fixação de novo prazo. Assim, XI - O despacho recorrido, além de indevidamente fundamentado, ofende o Princípio da Verdade Material, apanágio do Direito Penal e Processual Penal, beneficiando, sem qualquer motivo válido (ainda que formal) os arguidos indiciados pela prática de vários crimes, em detrimento da protecção devida às vítimas de um senhorio retrógrado que actua à boa maneira de antigamente, ou seja, com a lei do mais forte.

Deve pois ser revogado o despacho recorrido, admitindo-se a instrução, quando menos mediante os meios legais de notificação para aperfeiçoamento do requerimento recusado, nos termos dos preceitos atrás citados, seguindo-se os ulteriores termos legais, para ser feita JUSTIÇA." O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu à motivação de recurso dos Assistentes, advogando a improcedência do recurso por estes interposto.

Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do presente recurso.

A DECISÃO RECORRIDA O despacho de rejeição do requerimento de abertura da instrução proferido pelo Sr. Juiz de Instrução do Tribunal da Comarca de Paredes, que constitui o objecto do presente recurso, é do seguinte teor: "No termo do Inquérito a que respeitam os presentes autos o Ministério Público proferiu o despacho de arquivamento de fls. 199 e segs. relativamente à queixa apresentada por C.......... e D.........., contra A.......... e B.......... por alegadamente terem praticado factos, em abstracto, susceptíveis de consubstanciar a prática de Um Crime de Dano, p. e p. pelo art. 212º, nº. 1 do Código Penal e Um Crime de Introdução em Lugar Vedado ao Público, p. e p. pelo art. 191º do mesmo diploma legal, ao abrigo do disposto no art. 277º, nº. 2 do Código de Processo Penal e atenta a falta de indícios recolhidos.

C.......... e D.......... requereram a fls. 223 e segs. a Abertura de Instrução, tendo aduzido os fundamentos aí explanados.

Importa apreciar o requerimento para abertura de instrução de fls. 223 e segs., que cumpre rejeitar, pelas razões que de seguida se expõem.

A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento

- art. 286º, n.º1, do Cód. Proc. Penal.

Estatui o art. 287º, nº. 1, al. b) do CPP que a abertura de Instrução pode ser requerida pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.

Tal requerimento do assistente «(...) deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à (...) não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar (...)» - art. 287º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.

Deve ainda o requerimento apresentado pelo assistente, como a revisão do Cód. Proc. Penal operada pela Lei n.º 59/98 veio esclarecer (cfr. última parte do n.º 2 do Art. 287º, na redacção introduzida pela referida Lei), obedecer aos requisitos estabelecidos nas als. b) e c) do art. 283º para a acusação deduzida pelo Ministério Público, ou seja, deve conter «a indicação das disposições legais aplicáveis» e «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada».

Como se conclui da análise das disposições legais citadas, o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente, em caso de arquivamento pelo Ministério Público, equivalerá em tudo a uma acusação que nos mesmos termos que a acusação formal (pública ou particular) condiciona e limita a actividade de investigação do juiz e a decisão instrutória, como resulta, designadamente, do disposto nos art.s 303º, n.º 1 e 309º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal (cfr. GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, pág.s 125 e seg.s).

Com efeito, na decisão instrutória a proferir em (e nos actos a realizar no decurso da) instrução requerida pelo assistente apenas poderão ser considerados os factos descritos no requerimento para abertura de instrução (ressalvada a hipótese a que se refere o art. 303º do Cód. Proc. Penal de alteração não substancial dos factos descritos nesse requerimento), sob pena de nulidade: art. 309º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal.

Traduz este regime legal uma decorrência do princípio da estrutura acusatória do processo penal, consagrado no art. 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

Como refere o Autor supra citado, «a definição do «thema decidendum» pela acusação é uma consequência da estrutura acusatória do processo. Se o tribunal pudesse considerar outros factos substancialmente diversos dos da acusação, por maiores que fossem as possibilidades concedidas ao arguido para deles se defender, sempre seria posta em causa a função especificamente judicial. A instrução é uma actividade materialmente judicial e não de investigação. Ao admitir-se a alteração da acusação por iniciativa do juiz de instrução frustrar-se-ia a própria finalidade da instrução, tal como foi concebida pelo legislador do Cód. Proc. Penal 87: controlo negativo da acusação e não complemento da investigação prévia à fase de julgamento».

Esta vinculação temática do Tribunal relaciona-se directamente com as garantias de defesa...

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