Acórdão nº 0346422 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução12 de Maio de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: O Tribunal Judicial da Comarca de S. João da Madeira decidiu, além do mais que agora irreleva, condenar o arguido pela prática, em autoria material e concurso real: - de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artºs 26º, 30º, n.º 1, 131º, 132º nºs 1 e 2, al. d), in fine, g), in fine e i), na pena de 17 (dezassete) anos de prisão.

- de um crime de maus tratos a cônjuge, na forma continuada, p. e p. pelos art. 26.º; 30.º, n.º 2 e 152º n.º 2 do C. P., na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio, na pena de 3 (três) anos de prisão.

- de um crime de detenção ilegal de arma, p .e p. pelas disposições combinadas dos artºs 6º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27/7 e 1º, 1. al. b), do D.L. n.º 207-A/75, de 17/04, na pena de 1 (um) ano de prisão.

Em cúmulo jurídico na pena única de 19 anos de prisão.

Inconformado com a condenação o arguido interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1- Entendeu o tribunal recorrido condenar o arguido A.............. pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de homicídio qualificado p.p. pelos artºs 26º, 30º n.º 1, 131º, 132º nºs 1 e 2 al. d) in fine, g) in fine e i) na pena de 17 (dezassete) anos de prisão, de um crime de maus tratos a cônjuge, na forma continuada, p. e p pelos art. 26º, 30º, n.º 2, 152º n.º 2 do CP na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2000 de 27 de Maio na pena de 3 (três) anos de prisão, de um crime de detenção ilegal de arma p.p. pelas disposições combinadas dos artºs 6º n.º 1 da Lei n.º 22/97 de 27/07 e 1º al. b) do DL n.º 207-A/75, de 17/04 na pena de 1 (um) ano de prisão, e operado o cumulo jurídico o condenou na pena única de 19 anos de prisão 2- Para tanto considera provados e não provados os factos constantes do douto acórdão, que se consideram aqui reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.

3- Não se vê dos documentos examinados e da reprodução integral das inquirições que foram levadas a efeito e para o qual se remete na totalidade, onde se baseou o Tribunal a quo para considerar provado estes factos quando, bem pelo contrário, todo o depoimento das testemunhas 3 da acusação- B.......... (vizinha do casal e amiga da C........), 12 da acusação e 1 da defesa- D........., 13 da acusação e 3 da defesa- E........., 2 da defesa- F........., 4 da defesa- G........, 5 da defesa- H............ e I................ vão em sentido completamente oposto à matéria dada como provada. Nem mesmo a testemunha 4 da acusação- J............., afasta de forma verosímil estes testemunhos. As restantes testemunhas só conheceram a C........... após o abandono desta do lar conjugal (2002) ou no caso das empregadoras e marido pouco antes desta data (2001).

4- Estas testemunhas apresentam uma versão bastante diferente do decidido pelo Tribunal recorrido pelo que cumpre salientar: Houve um erro grosseiro de apreciação da prova, impugnando-se a decisão proferida sobre matéria de facto, porquanto não se vê na reprodução integral das inquirições que foram levadas a efeito, onde se baseou o Tribunal a quo para considerar provado praticamente a acusação e não provada praticamente e contestação.

5- Os depoimentos das testemunhas citadas no douto acórdão, para o qual se remete na totalidade, impõem decisão diversa da recorrida, no sentido de não ter ficado provado que o arguido A............ cometeu um crime de maus tratos a cônjuge, um crime de detenção ilegal de arma e um crime de homicídio qualificado.

6- Trespassa ao longo de toda a leitura do acórdão contradição insanável de fundamentação e erro notório na apreciação da prova.

7- DA CONDENAÇÃO PELO CRIME DE MAUS TRATOS A CÔNJUGE, na forma continuada, p. e p. pelos art. 26º, 30º, n.º 2, 152º n.º 2 do CP na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2000 de 27 de Maio na pena de 3 (três) anos de prisão 8- O Crime de maus tratos a cônjuge é em si mesmo um crime continuado, i.e., pressupõe uma reiteração das respectivas condutas, pelo que o arguido, a ser condenado, seria sempre por um crime de maus tratos a cônjuge, e não por um crime continuado, uma vez que para o preenchimento do crime exige-se uma continuação (cfr. Código Conimbricense, Parte especial I, pág. 334, § 9).

9- Tendo ficado provado única e exclusivamente um crime de ofensa à integridade física, ocorrido em Janeiro do ano de 2001, e não tendo sido exercido o direito de queixa deveria ter sido o arguido absolvido deste crime.

10- A não se entender assim o Tribunal só poderia alicerçar uma condenação em factos ocorridos após a data em que entrou em vigor a alteração introduzida pela Lei 7/2000, de 27 de Maio, "Lex severior", e a data em que o arguido e a C.......... deixaram de viver como marido e mulher, i.e. em Abril de 2002.

11- O Tribunal a quo ao dar como provado o crime de maus tratos a cônjuge refere "condutas concretizadas em maus tratos físicos, psíquicos e ameaças ao longo de vários anos (negrito, itálico e sublinhado nosso) viola a proibição constitucional da retroactividade da Lei Criminalizadora (Art.º 29 da C.R.P) uma vez que o Tribunal a quo não poderia ter considerado as acções anteriores à alteração levada a cabo pela Lei 7/2000, uma vez que estas são, evidentemente, irrelevantes sob o aspecto jurídico-penal.

12- Por outro lado o sujeito passivo deste crime só pode ser uma pessoa que se encontre, para com o agente, numa relação de subordinação existencial (não é o caso), de subordinação laboral (não é o caso), ou numa relação de coabitação conjugal ou análogo (in casu e após Abril de 2002 arguido e C........., deixaram de coabitar conjugalmente (cfr. Código Conimbricense, Parte especial I, pág. 333, § 6).

13- Se neste tipo de crime se protege as pessoas que vivem em situação análoga à dos cônjuges, não se pode estender esta protecção a quem mantém juridicamente o estatuto de cônjuge, mas não coabita conjugalmente, uma vez que não "existem factores externos que arrastam o arguido para a reiteração das suas condutas, como é o caso da situação exterior de convivência com a vítima na mesma casa" (negrito, itálico e sublinhado nosso)" 14- Assim sendo e não obstante se entender que o arguido deve ser absolvido do crime de maus tratos a cônjuge, sempre se dirá que a ser condenado só o poderia ter sido por 1 crime de maus tratos a cônjuge, por factos ocorridos depois da entrada em vigor da Lei 7/2000 e Abril de 2002 15- Pelo que a pena aplicada em concreto, 3 anos de prisão (por um crime de maus tratos na forma continuada) é manifestamente excessiva, devendo ter sido situada no mínimo legal, 1 ano.

16- DA CONDENAÇÃO POR UM CRIME DE DETENÇÃO ILEGAL DE ARMA, p. e p pelas disposições combinadas dos art.º 6º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27/7 e 1º, 1. al. b), do D.L. n.º 207-A/75, de 17/04, na pena de 1 (um) ano de prisão.

17- Nenhuma arma foi apreendida ao arguido que pudesse ser manifestada ou registada, ou que fosse propicia à obtenção de licença, uma vez que não se consegue registar, manifestar ou obter licença de uma pistola de alarme ou de uma carabina de marca "Crosman" (vulgar chumbeira)!!! 18- Sendo assim nunca poderia o arguido ser condenado, como efectivamente o foi pelo art.º 6º, n.º 1 da Lei n.º 22/97 de 27 de Junho, alterada pela Lei n.º 98/2001 de 25 de Agosto.

19- Pelo que deve o arguido ter sido absolvido pela prática deste crime.

20- Ainda que assim se não entendesse, este crime é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, 21- pelo que deve ser alterado o acórdão ora posto em crise e o arguido a ser condenado, condenado, no que concerne a este crime, em pena de multa, e nunca na pena de prisão de um ano, pena esta por demais exagerada.

22- DA CONDENAÇÃO POR UM CRIME DE HOMICIDIO QUALIFICADO, na forma consumada, p. e p pelos art.º 26º, 30º, n.º 1, 131º, 132º nºs 1 e 2, al. d) in fine, g) in fine e i), na pena de 17 (dezassete) anos de prisão.

23- "O arguido entrou em estado depressivo e em baixa médica, tendo sido pedido apoio da consulta de psiquiatria do H. (Hospital) de S.J.M"- Facto dado com provado pelo Tribunal a quo.

24- Todos os depoimentos das testemunhas que o conheciam referem-se ao seu estado como "Trololó", "de quem se enganava no caminho para casa e fazia mais de 1000Kms por não conseguir regressar a casa", "de quem andava irreconhecível pela rua, como se fosse um pobre de pedir, contrariamente ao que sempre fora", "que chorava sendo inimaginável tempos antes esta situação", entre outros - Remete-se nesta parte para a reprodução integral das inquirições que foram levadas a efeito, nomeadamente das testemunhas 12 da acusação e 1 da defesa- D....................., 13 da acusação e 3 da defesa- E....................., 2 da defesa- F.........., 4 da defesa- G.................., 5 da defesa- H............. e I............ e mesmo da testemunha 4 da acusação- J..............., 25- Não poderia o Tribunal a quo deixar de ter em conta que no dia 05 de Dezembro de 2002 houve um diálogo mantido entre o arguido e a C............. "cujo teor não foi possível apurar" 26- Não sendo possível apurar o diálogo não se pode depreender qual a motivação de tal conduta.

27- Até porque e conforme refere o Dr. Jorge de Figueiredo Dias in Código Conimbricense, Parte especial I, pág. 33, § 15 in fine), "a situação pode ser um tal que a motivação, se bem que expressa, não possa em definitivo valer como especial censurabilidade ou perversidade (ou motivo fútil dizemos nós), maxime, por se ligar a um estado de afecto particularmente intenso (v.g., o ciúme ligado à paixão)." 28- E dúvidas não existiram por parte do Tribunal a quo quanto à depressão que assolava e ainda hoje assola o arguido (um ano e meio volvidos desde Abril de 2002).

29- Depressão não é futilidade, é uma doença caracterizada por um abatimento físico e psicológico caracterizado por tristeza, embotamento emocional e afectivo por inibição das funções intelectuais, e portanto...

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